Está a circular uma petição pública no sentido de cassar o mandato de Damião Medina, na sequência de comentários feitos, por este deputado do MpD, no Facebook, sobre a manifestação realizada no dia 19, na cidade da Praia. Ao que A NAÇÃO apurou, não há base legal para sustentar esse desejo dos autores da petição. Sequer existe o órgão que poderia encarregar-se do assunto.
A petição de um grupo de cidadãos, a pedir a cassação do mandato parlamentar de Damião Medina, e que neste momento já vai em 1500 assinaturas, ao que tudo indica, não tem pernas para andar.
Damião Medina, eleito do MpD em Santo Antão desde o mandato anterior, condenado a dois anos de prisão, convertidos em três anos de pena suspensa, por ter agredido fisicamente a sua companheira, poderia ser resolvida também, no âmbito do Parlamento, se a Comissão de Ética, criada na sequência da última revisão do Regimento da Nacional, tivesse sido regulamentada.
Parlamento sem comissão de ética
Com efeito, já se passaram mais de quatro anos da última revisão do Regimento da Assembleia Nacional, publicado no Boletim Oficial, I Série, de 21 de Junho de 2018, e esse importante instrumento, para a salvaguarda da imagem e do bom funcionamento do Parlamento, aguarda ainda uma resolução
que regula a sua composição, competência e funcionamento.
Sem essa entidade, muito dificilmente, iniciativas como a que decorre contra aquele parlamentar terão pernas para andar.
Perguntado sobre os motivos do atraso na implementação da Comissão de Ética do Parlamento, o presidente da Assembleia Nacional (PAN), Austelino Correia, explicou ao A NAÇÃO que esse instrumento foi criado a nível do Regimento, que o remeteu para a regulamentação que ainda não foi feita.
O PAN garante que essa matéria está neste momento sobre a mesa, juntamente com o pacote da reforma do Parlamento, que implicará uma nova revisão do regimento, a lei orgânica da AN e o código de ética, esclarecendo que “a própria Comissão de Ética não está regulamentada”.
Contudo, segundo Austelino Correia, é bem provável que o pacote da reforma do Parlamento seja agendado ainda este ano.
Mas “vai depender dos Grupos Parlamentares que têm legitimidade e competência para avançar com iniciativas”.
O PAN reconhece, entretanto, que a Comissão de Ética faz muita falta ao Parlamento.
“O grosso dos deputados comporta-se muito bem, sem a fulanização nas suas intervenções e sem ataque de carácter.
Mas temos ainda alguns deputados que fazem intervenções mais incendiárias”, realçou Austelino Correia, sublinhando que urge implementar a Comissão de Ética “para melhorarmos a imagem do Parlamento”.
Combate político e redes sociais
Em relação ao comportamento de alguns deputados na sociedade e através de publicações nas redes sociais, Austelino Correia diz que, pessoalmente, considera que determinadas posições e comportamentos devem ser evitáveis.
“O combate político é salutar, mas o deputado tem o palco próprio, que é o Parlamento.
Se calhar, seria melhor fazer determinadas intervenções a partir do Parlamento, ou então, ao utilizar as redes sociais, as intervenções dos deputados devem ser feitas com alguma pedagogia, com o intuito de formar e informar a opinião pública”, realça Austelino Correia frisando que “o deputado é visto com um espelho e, por isso, deve sempre passar coisas boas para fora”.
Alternativa à cassação do mandato
Como não será possível cassar o mandato de Damião Medina, consoante um jurista contactado pelo A NAÇÃO, a alternativa seria o MpD demarcar-se desse deputado e cidadão, através do seu Grupo Parlamentar, para evitar alguma “toxicidade” que o mesmo poderia provocar no seio da bancada da maioria.
Em última instância, segundo o nosso interlocutor, essa “demarcação” poderia ser a expulsão do visado do Grupo Parlamentar, ou levá-lo à renúncia, hipóteses que parecem muito improváveis neste momento.
Ainda assim, para a eventual expulsão do visado, a bancada do MpD poderia argumentar com questões morais e de conduta, tendo em conta o perfil de uma certa conflitualidade desse deputado com os eleitores.
Mas também, de uma forma geral, pelo facto de o mesmo ter sido condenado por um crime de VBG (Violência Baseada no Género), que, nos dias de hoje, é muito repudiado pela sociedade cabo-verdiana e por alguns dos nossos parceiros externos, especialmente, o sistema das Nações Unidas.
Mas, se expulso do seu grupo parlamentar, Damião Medina passaria para a condição de deputado independente e o Grupo Parlamentar do MpD, que tem apenas mais quatro deputados em relação à oposição, poderia ficar desfalcado em determinados momentos.
Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos
Por outro lado, o Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos é muito lacónico em relação à possibilidade de cassação do mandato do deputado, ao estabelecer na alínea c), no artigo 12º da Lei nº 85/III/90, de 6 de Outubro, apenas que “são deveres dos titulares de cargos políticos, entre outros, comportar-se na vida pública e privada, de forma exemplar de acordo com os princípios e valores que norteiam a sociedade cabo-verdiana”.
Contudo, conforme o jurista consultado, esta norma é “muito vaga”, porquanto “lhe falta alguma sedimentação”.
“A sociedade é bastante heterógena e é preciso especificar quais são os princípios e valores que norteiam a sociedade cabo-verdiana”, sublinha este especialista que considera que essa norma poderá levar a interpretações diversas.
O Estatuto do Deputados, por outro lado, é muito restritivo em relação a esta matéria.
Nos deveres, o que se aproxima mais em relação ao caso de Damião Medina é a alínea c) do nº 1 do artigo 22º, que diz que é dever dos deputados “desempenhar os cargos e as funções para que sejam designados, nos termos regimentais, e contribuir para a dignificação, a eficácia e o prestígio da Assembleia Nacional”.
Reacendimento do “caso”
O “caso” Damião Medina reacendeu nos últimos dias, quando este deputado, que foi condenado a dois anos de prisão, convertidos em três anos de pena suspensa, por um crime de VBG, entendeu atacar os
participantes da manifestação Sima Nu sta Nu ka podi fika”, realizada no dia 19, na cidade da Praia, chamando-lhes de “cabritos desmamados”.
Por causa dos comentários considerados insultuosos por parte deste deputado do MpD, eleito pelo círculo de Santo Antão, foi lançada uma petição pública na internet dirigida ao PAN, Austelino Correia, a pedir a cassação do mandato de Damião Medina, que foi julgado e condenado por VBG.
Em Outubro de 2021, o Tribunal da Comarca do Porto Novo, Santo Antão, julgou em primeira instância, este caso de VBG que se prolongava há quatro anos.
Com a imunidade parlamentar levantada em Agosto do ano, por solicitação da Procuradoria Geral da República, o deputado do MpD pôde ser ouvido, julgado e condenado, na primeira instância, a uma pena
de prisão suspensa de três anos.
De referir ainda que o caso de VBG de que Damião Medina foi acusado ocorreu há cinco anos, quando o Centro de Saúde do Porto Novo alertou as autoridades sobre uma paciente, alegadamente agredida pelo deputado nacional. Mesmo assim voltou a ser incluído na lista de candidatos apresentados pelo MpD em Santo Antão.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 783, de 01 de Setembro de 2022