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Na despedida de um Amigo e Camarada

Luís Fonseca*

Foi hoje dado à terra (NR: Refere-se a 11 de Agosto), em S. Vicente, o corpo do Combatente da Liberdade da Pátria e Coronel na Reserva das Forças Armadas, António Leite, mais conhecido entre os mais próximos por Toi de Suna.

Um amigo estimado, um companheiro de jornadas memoráveis que marcaram o nosso tempo.

Tal como acontece com a maioria dos combatentes pela independência, com António Leite há uma rica história por descobrir. Uma história que merece ser contada, escutada e interiorizada por quem deseje conhecer nos seus diferentes detalhes os múltiplos aspetos de uma luta, a luta fundamental pela afirmação de Cabo Verde como Nação e que, por estranha e singular ocorrência, aparece sistematicamente ignorada, como se existisse o desígnio de a apagar da memória das novas gerações.

De origem humilde, como a generalidade dos seus camaradas, António Leite viu-se, ainda muito jovem, levado a emigrar para o Senegal para tentar assegurar o seu sustento e ajudar a família que ficara em Cabo Verde. Nos primeiros anos da década dos sessenta em Dakar cruza-se com dois amigos da sua adolescência na Rua de Coco, Pedro Pires e Silvino da Luz, incumbidos na altura da missão de mobilizar os cabo-verdianos aí residentes para a luta. Desse reencontro resulta a sua adesão ao PAIGC em 1962 e sua participação no trabalho de mobilização na capital senegalesa. Algum tempo depois muda-se para Conakry, onde recebe uma formação político-sindical, ao mesmo tempo que trabalha no Secretariado- -Geral do PAIGC nessa cidade.

É deste período que se regista um pormenor pouco conhecido da maioria das pessoas: Amílcar Cabral necessitava de uma fotografia para um documento de viagem e rapidamente António Leite resolveu o problema. Mas ela ficou tão expressiva que continua, ainda hoje, a ser uma das mais divulgadas fotos de Cabral.

Depois de um período como responsável das comunicações militares da frente Sul, Toi de Suna fez parte do primeiro grupo de cabo-verdianos que se ofereceram para receber treino militar na Argélia, onde permaneceu vários meses na companhia de outros camaradas recrutados em Dakar, nomeadamente Afonso Gomes, Nicolau Pio e António Lopes, sendo Silvino da Luz o responsável cabo-verdiano do grupo. A formação que aí recebeu, nomeadamente na área das telecomunicações, viria a revelar-se particularmente importante no desenrolar da luta armada e em cujo desenvolvimento ele teve uma participação destacada.

António Leite faz igualmente parte do histórico grupo de cabo-verdianos que, sob o comando de Pedro Pires receberam preparação militar avançada em Cuba com vista ao desencadeamento da ação armada em Cabo Verde e cujo juramento de fidelidade assumido perante Amílcar Cabral, serve de referência à criação das Forças Armadas de Cabo Verde.

Reequacionado o plano de desembarque de guerrilheiros em Cabo Verde, seguiram-se preparações e treinos noutras paragens que permitiram que ele viesse a desempenhar importantes funções, particularmente no domínio sensível das comunicações, até o fim da guerra, na Frente Sul, cujos sucessos militares do PAIGC aí verificados contribuíram de maneira decisiva para a derrota militar do colonialismo português.

Derrubado o regime colonial fascista em Lisboa, Toi de Suna é dos primeiros combatentes que regressam a Cabo Verde para apoiar na mobilização geral com vista à conquista da independência nacional. Integrado nas estruturas locais do PAIGC em Mindelo, revela-se um quadro de grande energia e capacidade, bastante popular entre os militantes e a população, o que contribuiu para o rápido avanço do processo político em S. Vicente e em Cabo Verde.

Quando se decidiu precaver de possíveis ataques contrarevolucionários para sabotar o processo de independência, organizando o desembarque de armamento e sua conservação, Toi de Suna foi o responsável designado para se ocupar da operação em S. Vicente, tudo tendo decorrido com grande eficiência, sem que praticamente ninguém, à exceção das pessoas nela envolvidas, tivesse conhecimento.

Outro processo em que se destacou de forma proeminente foi na mobilização e organização da população de Ribeira Bote na resistência à agressão de militares portugueses manipulados por provocadores que queriam fazer descarrilar as negociações entre o PAIGC e o governo português sobre a independência de Cabo Verde. O seu nome ficará para sempre associado a este grande acontecimento que consagrou Ribeira Bote como a 1ª. Zona Libertada.

De entre outras ações em que a sua participação foi decisiva, é de realçar a organização da ocupação popular da Rádio Barlavento, em que ele agiu não só como um dos organizadores, como também elemento de ligação com as autoridades militares portuguesas, garantindo que o processo não desse lugar a confrontos.

Conquistada a independência, o camarada António Leite foi chamado a desempenhar sucessivas funções de responsabilidade no quadro das Forças Armadas Revolucionárias do Povo, passando à disponibilidade em 1986.

Enquanto cidadão, numa postura ativa e consciente, Toi de Suna manteve-se permanentemente atento e atuante em várias circunstâncias importantes da vida nacional. Fiel e dedicado à sua terra e ao Partido que lhe abriu os horizontes, era generoso com os amigos e com quantos dele se acercassem. A doença viria a interromper a sua intervenção na realidade social da cidade em que ele nasceu e tanto amou, acabando por roubá-lo à nossa companhia.

Toi de Suna deixa o mundo dos vivos, mas é entre os vivos que ficará o registo do seu inestimável contributo para a libertação e reconstrução deste nosso país, a quem, desde a sua juventude, ele dedicou as suas energias. Esforcemo-nos para que essa memória seja preservada e possa inspirar os jovens das gerações seguintes a se empenharem em transformar continuamente a sua terra num país onde os seus sonhos de liberdade, justiça e solidariedade possam ser realizados.

Às Forças Armadas de Cabo Verde, à Samira, aos filhos, aos seus amigos e camaradas, as condolências mais sentidas por esta tão dolorosa perda.

Descansa em paz, Toi de Suna. Até sempre Camarada!

Reacções à morte de António Leite (“Tói de Suna”)

Através de uma publicação no FaceBook, o Presidente da República, José Maria Neves, destacou que “o patriotismo e a generosidade levaram Toy d´Suna a integrar o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e a Luta de Libertação Nacional”.

Por sua vez, o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), considerou, em nota, que a morte do ex-combatente é uma “perda imensurável”.

“Queremos, através deste meio, partilhar da dor da família e dos amigos. Queremos oferecer a nossa camaradagem, amizade, cumplicidade e solidariedade, coisas que o Toy nunca negou ao País, ao partido, aos camaradas e amigos”, lê-se na nota divulgada pelo PAICV.

*Combatente da Liberdade da Pátria e Diplomata

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 781, de 18 de Agosto de 2022

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