O processo interposto pelo Clube de Ténis contra a Câmara Municipal da Praia, por incumprimento do contrato de permuta de terreno e equipamentos, prossegue no Tribunal. A CMP propôs parcelar o montante recebido da embaixada dos EUA pela venda do terreno do Clube em 10 prestações.
E, na falta de acordo, Francisco Carvalho afirma que “o Tribunal resolverá” o conflito com o Clube de Ténis.
Falhadas duas tentativas de conciliação, o Tribunal da Comarca da Praia estabeleceu 15 de Setembro,
próximo, como prazo para a Câmara Municipal da Praia (CMP) contestar a acção interposta pelo Clube de Golf e Ténis da Praia (CGTP), por causa de um diferendo relacionado com a permuta de terreno
e equipamentos, onde vai ser construída a nova embaixada do Estados Unidos da América (EUA).
Como é sabido, as novas instalações do Clube seriam construídas na Cidadela com parte substancial do dinheiro da venda do terreno e outra parte da CMP, conforme um acordo assinado pela anterior Câmara, presidida na altura por Óscar Santos, do MpD. Uma transação contestada pelo actual autarca, Francisco Carvalho, do PAICV.
Entretanto, na sequência do processo interposto pelo CGTP contra a CMP, por incumprimentos do contrato assinado entre as duas entidades, o juiz Ary dos Santos convocou uma Audiência Prévia de Conciliação (APC) para 15 de Junho.
Nela, as partes em conflito foram instadas pelo juiz no sentido de se disponibilizarem para negociar entre si, de modo a parar o processo interposto pelo CGTP.
Processo emperrado
As partes aceitaram a proposta do juiz que solicitou ao advogado da CMP que, na qualidade de réu, apresentasse uma proposta concreta de acordo ao CGTP, tendo de imediato marcado uma segunda
sessão para 08 de Julho. E foi aqui que o processo emperrou.
Pois, segundo o presidente da CGTP, o diferendo com a CMP parece não ter solução à vista, “por capricho” desta última, na pessoa de Francisco Carvalho.
“De facto, apesar de a Câmara propalar a sua intenção de dialogar, a verdade é que ela se mantém numa posição de irredutibilidade, não fazendo um único gesto que dê confiança à outra parte”, diz António Pedro Borges.
Borges conta que, na primeira sessão da APC, convocada pelo juiz, no dia 15 de Junho, este “instou claramente” a CMP, na qualidade de réu, a apresentar ao Clube uma proposta de acordo.
“Nas vésperas de se esgotar o prazo indicado pelo juiz, a Câmara convocou em cima da hora uma reunião com o Clube em que apresentou, como proposta, ratear o dinheiro recebido da embaixada em dez prestações!”
A mesma proposta, consoante António Pedro Borges, foi reiterada no dia seguinte na presença do juiz pelo advogado da Câmara, tendo o Clube achado a mesma inaceitável.
“Depois do envio pelo Clube de uma contraproposta de acordo, por escrito, coisa que a Câmara nunca chegou a fazer, a CMP não só não respondeu, como sempre fez, relativamente às correspondências do Clube, como nem sequer atende os telefonemas, sejam eles dirigidos ao Secretário Municipal ou
ao advogado da Câmara”, salienta o presidente do Clube de Golf e Ténis.
Outra questão que Borges diz não entender é porque é que a CMP “insiste” em não disponibilizar ao Clube os documentos necessários ao registo e legalização dos terrenos onde serão construídas as novas instalações do CGTP em Cidadela e objeto do contrato de permuta.
“A ideia reinante na nossa sociedade, de que os processos judicias levam muitos anos a serem resolvidos, parece estar a nortear o comportamento da Câmara, cujos representantes parece já terem manifestado publicamente essa ideia”, alega António Pedro Borges.
Contraproposta
O presidente da CMP, Francisco Carvalho, que tinha garantido, em declarações à imprensa, que os 116 mil contos que a embaixada dos EUA já avançou como 50% do preço da venda dos terrenos da CGTP,
na Várzea, estavam “bem guardados”, veio agora propor o rateamento em 10 prestações do valor destinado à construção das novas instalações do Clube, na Cidadela.
A direcção da CGTP, segundo o seu presidente, considerou “inaceitável” a proposta e avançou com a contraproposta de três tranches, escalonadas da seguinte forma: primeira tranche, o valor correspondente a 30 % do orçamento da obra (aproximadamente, 86 mil contos); segunda tranche o diferencial que totalizará os 116 mil contos já recebidos pela Câmara, ou seja, 30 mil contos, aproximadamente; terceira tranche, a totalidade da segunda prestação do valor negociado com a embaixada do EUA e ainda não recebida pela CMP, no valor de 116 mil contos, aproximadamente.
Perante impasse, o juiz constatou que ainda não havia acordo e informou as partes que o mesmo poderá ser sempre conseguido a qualquer momento e que a CMP teria que, até 15 de Setembro, contestar a
acusação.
“À saída, ainda concretizámos essa nossa proposta ao advogado da Câmara que ficou incumbido de a transmitir ao presidente da CMP”, afirmou António Pedro Borges, realçando que o CGTP “estará sempre disponível para negociar propostas sérias”.
O presidente do CGTP ressalvou ainda que se há vontade de repassar para o Clube totalidade do valor recebido da embaixada dos EUA, “não faz sentido que a Câmara vá receber e ratear, conforme a sua vontade, o dinheiro que não lhe pertence, mas que pertence ao CGTP que é o dono legítimo dos terenos que foram registados em nome da Embaixada”.
Francisco Carvalho sobre o conflito com CGTP
“Cabe ao Tribunal decidir”
A NAÇÃO tentou uma reacção do presidente da CMP sobre esse diferendo com o CGTP, mas Francisco Carvalho, que foi parco em palavras, disse apenas que se o Clube já avançou para o Tribunal e que por isso “cabe o Tribunal decidir e não a Câmara escolher”.
Confrontado com a proposta da CMP em ratear o montante recebido da embaixada dos EUA em 10 prestações para a construção das infraestruturas do Clube, Carvalho disse apenas “não, não!”.
Esta reacção do edil da Praia, segundo um dirigente do CGTP, confirma a tese de que “a morosidade da justiça resolve tudo”. Ou seja, “a ideia reinante na nossa sociedade, de que os processos judicias levam muitos anos a serem resolvidos, parece estar a nortear o comportamento da Câmara, cujos representantes parece já terem manifestado publicamente essa ideia”.
Consequências e penalizações
Em Outubro de 2019, durante a gestão de Óscar Santos, do MpD, foi assinada entre a Câmara Municipal da Praia e o Clube de Golf e Ténis da Praia uma escritura de permuta de terreno e equipamentos, onde, em troca dos terrenos do CGTP, na Várzea, com cerca de 23 mil metros quadrados, a CMP disponibilizaria à outra parte um terreno no Palmarejo (entrada da Cidadela) avaliado em 33 mil contos.
Essa permuta foi avalizada pela Assembleia Municipal, através da deliberação 22/2018 de 18 de Março.
Nesse mesmo terreno, ainda no âmbito dessa permuta, seriam construídos quatro campos de ténis, uma nova sede da CGTP, com o financiamento dos equipamentos e mobiliários das respectivas estruturas, bem como a constituição de um fundo de maneio.
O prazo para a execução de todos os compromissos pela CMP era de 12 meses, a partir de 14 de Outubro de 2019, e previa a construção de todas as obras previstas; o equipamento e mobiliário; e a constituição de um fundo de maneio.
Posteriormente, devido à situação da pandemia, que obrigou a sucessivos períodos de estado de emergência e calamidade, que paralisou os serviços da CMP, foi assinado entre as partes uma adenda do contrato para 24 meses, em vez de 12 meses iniciais, com uma extensão possível de mais três meses.
Até este momento, a CMP ainda não construiu as novas instalações e os campos de ténis, não cumpriu com os demais compromissos contratuais, como ainda vendeu à embaixada do EUA o terreno pertencente ao Clube “antes de sequer dar sinais de iniciar as obras a que se obrigou”.
De acordo com o contrato assinado entre as partes, enquanto essas novas instalações não fossem
concluídas o Clube deveria manter o gozo dos campos de ténis, na Várzea. “O Clube cumpriu com todas as suas obrigações”, afirmou um dirigente do CGTP que considera que a CMP “não cumpriu com a sua parte e nem mesmo emitiu os documentos para que o Clube pudesse registar o terreno que lhe foi cedido em seu nome”.
Com este incumprimento, a CMP poderá ser condenada a pagar ao CGTP uma indeminização compensatória, “o dobro do montante confessado pela própria Câmara como custo da construção e equipamento das novas instalações do Clube, bem como a construção de quatro campos de ténis, acrescidos dos juros de mora a contar de Outubro de 2021, até o efectivo pagamento”.
Entretanto, com o arrastar do processo, os amantes de ténis, na Praia, continuam sem infra-estruturas adequadas para a prática da modalidade. Da mesma forma que os sócios do clube deixaram de ter um espaço seu de convívio e outras actividades.
Um outro mal-estar é a forma como as autoridades americanas vêem esta controvérsia, entre a CMP e o CGTP, já que pelo meio estão as centenas de milhares de dólares que o Estado americano desembolsou para a aquisição dos terrenos onde já está a construir as suas instalações da sua embaixada em Cabo Verde. Um terreno, lembre-se também, que não pertencia à CMP, mas sim ao Clube de Golf e Ténis da Praia.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 781, de 18 de Agosto de 2022