Eloisa Monteiro é uma cabo-verdiana radicada em Lisboa, Portugal, há vários anos. Normalmente, após regressar a casa depois do seu trabalho diário, chega a varrer a madrugada fazendo o que ela mais gosta: crochê. Graças às redes sociais, onde divulga o seu trabalho, recebe encomendas de várias partes do mundo.
Eloisa Monteiro, natural da ilha de Boa Vista e mãe de uma filha de doze anos, conta que aprendeu a fazer crochê ainda criança, com a mãe.
“Comecei a fazer o crochê por volta dos meus nove anos, com a minha mãe, e até hoje ela tem peças minhas feitas nesta altura, há mais de 20 anos”.
Um ofício que Eloisa aprimorou com o tempo, quando se mudou da Boa Vista para a cidade da Praia (Santiago) para estudar no liceu.
“Havia uma senhora onde eu morava, na época, que ministrava cursos de costura, então, aproveitei para ampliar os meus conhecimentos e aperfeiçoar a minha prática no crochê”.
Uma fonte de renda
Com o passar dos anos, o aumento das responsabilidades e a mudança de Eloisa Monteiro para Portugal, deixou de fazer as suas peças de crochê por algum tempo. “Com a falta de tempo, após vir para Portugal, deixei de fazer o crochê”.
Entretanto, com a pandemia da covid-19, vendo-se retida em casa, sem nada para fazer, tudo mudou. “Foi assim que resolvi pegar novamente numa agulha e, desde então, não larguei até hoje”.
Agora, de volta à normalidade, Eloisa passou a crochetar durante a noite e madrugada adentro, porque o que não imaginava era que as suas peças fariam tanto sucesso e que iriam receber encomendas e seguidores de muitas partes do mundo.
“Para além de Portugal já enviei peças para França, Holanda, Bélgica, Espanha, Itália, Inglaterra, Estados Unidos e o nosso Cabo Verde; a peça mais cara que vendi foi uma colcha por 200 euros (22 mil escudos), porque leva muito tempo a ser confeccionado devido ao seu tamanho, e elas duram uma vida,
conheço pessoas com uma colcha que tem 30 e 40 anos”.
O preço e os moldes para produzir cada peça dependem muito da encomenda solicitada. “Eu utilizo uma linha, por exemplo os biquinis, faço com a linha 100% algodão e elastano. Se for uma colcha utilizo o barbante número 6 e também algodão”.
Já para os vestuários, diz também, “não gosto de utilizar linhas muito grossas porque a peça fica pesada e o meu lema na confecção do crochê é peças únicas e confortáveis”.
Com a criação de uma página nas redes sociais (Facebook e Instagram), Eloisa recebe a maioria das encomendas feitas através da conta @elo_croche. loja no instagram e com o auxílio de amigos ou pelo correio faz chegar as suas peças “únicas” até as mãos dos seus clientes, que vai desde os mais pequenos aos mais adultos, incluindo mulheres, jovens, crianças e idosos.
“Tenho uma clientela de várias faixas etárias, os biquínis e roupas habituais são para os mais jovens enquanto que as colchas são encomendadas pelas pessoas de mais idade”, normalmente.
Um ofício terapêutico
Fazer crochê sempre foi uma paixão para Eloisa Monteiro, até que se tornou uma fonte de renda extra e hoje o considera algo muito mais do que isso, pois é a sua “terapia” diária.
“O crochê é a minha terapia, amo cada ponto e cada peça é feita com muito amor. Sem falar das amizades que o crochê me trouxe, temos até um grupo no WhatsApp chamado as Crocheteiras de Cabo Verde, onde trocamos impressões sobre linhas, preços, combinação de cores e muito mais. Então criamos uma amizade muito bonita entre seis cabo-verdianas”, todas residentes em Cabo Verde, Portugal e França.
“Conheci todas no instagram, começamos por elogiar o trabalho umas das outras, falamos em privado e a nossa Neiva teve a brilhante ideia de fazer um grupo no whatsapp”.
Como diz, são seis mulheres que fizeram do crochê uma terapia, pelo simples facto de terem um grupo chat de amigas sobre o assunto. Estando Eloisa e Amada em Portugal, Neiva e Raíza em Cabo Verde e por fim Clo e Mariza na França formam o grupo das crocheteiras que se tornou uma espécie de terapia
no grupo.
“Nele falamos de tudo um pouco. Sobre os preços a praticar, as melhores linhas, ajuda com algum gráfico, até mesmo em termos pessoais, o objectivo é ajudarmos mutuamente, porque acreditamos que mulheres juntas por alguma causa são mais felizes e pode-se ir mais longe”.
No futuro trabalhar só com crochê
Eloisa Monteiro garante que apesar de gostar “muito do que faz” não tem sido nada fácil conciliar a vida pessoal, o seu trabalho oficial durante o dia com as produções das peças em crochê, que são feitas à noite, às vezes, até de madrugada.
“Não é fácil conciliar casa, trabalho, filho e crochê; normalmente, faço mais à noite, nos fins de semana, quando é minha folga. Então aproveito e passo cerca de três a quatro horas focada á crochetar”.
Mesmo assim, a nossa entrevistada reconhece e valoriza todo o cansaço dizendo que “sempre tenho muitas encomendas graças a Deus, mas sei que é cansativo”.
Nesta senda, esta cabo-verdiana que fez de Lisboa a sua morada, prevê trabalhar somente com o crochê no futuro.
“No futuro conto abrir uma marca e uma loja física de crochê. Portanto, daqui a cinco anos, quero me sustentar financeiramente estabilizada apenas com a renda da venda das peças de crochê”.
Deste modo, para promover e alcançar esta meta, Eloisa Monteiro tem na agenda atividades que serão desenvolvidas em distintos lugares com prioridade para Cabo Verde.
“Já tenho em agenda para Cabo Verde, desfiles, exposições e workshops de crochê, alguns de forma gratuita para promover a prática e o consumo dessas peças”.
Crochê – Uma tradição de várias gerações
De acordo com Lis Paludan, autora do livro “Crochet: History & Technique”, de 1995, existe a teoria de
que o crochê, assim como o conhecemos actualmente, teve a sua origem na Arábia, no Oriente Médio, de onde se terá espalhado pelo mundo através das rotas comerciais do Mediterrâneo, África do Norte, América do Sul e outros lugares.
Contudo, essa mesma autora apresenta como outra hipótese que o crochê teve a sua origem na confecção das bonecas na China, depois Tibete, Índia, etc.
Já em Cabo Verde, o crochê é uma tradição herdada da colonização portuguesa e ensinada de geração em geração, normalmente, de mães para filhas, dado que se trata de uma prática feminina. Na ilha da Brava, há rendeiras do projecto “Renda Brava” que fizeram o lançamento de uma colecção do crochê, em Junho, nas festividades do dia do município e São João.
O termo crochê é derivado do francês antigo crochet, um diminutivo de croche, significando “gancho”. Foi usado na produção francesa de renda do século XVII, onde o termo “crochetage” designava um
ponto usado para unir peças separadas de renda. Então, a palavra “crochet” passou a descrever o tipo específico de tecido e a agulha de gancho usada para produzi-lo.
Tiana Silva
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 781, de 18 de Agosto de 2022