O Sindicato da Indústria, Comércio e Turismo (SICOTUR) tem uma posição um pouco diferente da Associação Cabo Verde Empresas. Embora ainda não tenha informações de como se vai processar a contratação de mão-de-obra cabo-verdiana para o Algarve, o presidente , diz ver com bons olhos esta oportunidade de busca de melhores condições de vida. O sindicalista deixa transparecer que está mais preocupado com o “desrespeito” pelos direitos dos trabalhadores e pede “mão firme” à Inspeção Geral do Trabalho.
Este sindicalista diz estranhar “algumas reações” de “algumas entidades” nacionais, mas não tem dúvidas que este processo vai servir de “alerta” para as entidades governamentais fazerem uma análise sobre possíveis reajustes no sentido do trabalhador cabo-verdiano ter “melhores” condições salariais .
“Nós, o sindicato, estamos contentes e estamos abertos a apoiar todos os trabalhadores cabo-verdianos que queiram
abraçar este projecto. Porque, mesmo sabendo que a situação laboral em Portugal não é fácil, para muitos jovens, é uma oportunidade de sair em busca de uma vida melhor”, admite.
Nilton Vaz reconhece que essa contratação pode ditar a saída dos melhores quadros de Cabo Verde.
“Temos consciência disso”, afirma. Mas defende que também pode ser uma oportunidade para alguns que estão no de semprego.
“Em Cabo Verde ainda temos muitos jovens desempregados e esta pandemia trouxe muitos problemas ao sector do turismo. Temos muitas empresas no Sal que ainda estão conforme permite o artigo 198 do Código Laboral. Temos ainda muitos trabalhadores à procura do primeiro emprego”, analisa.
Revisão do Código Laboral
Esste sindicalista acredita que esta oportunidade será mais direcionada não só para aqueles que já estão no mercado,
mas também, para quem já é formado e vai iniciar, pois, é “uma oportunidade de iniciar aqui em Cabo Verde”.
Contudo, defende a revisão do Código Laboral em Cabo Verde no sentido de dar melhor condições aos trabalhadores.
“Há muito que essa revisão devia ser feita. Os trabalhadores cabo-verdianos perderam poder de compra”, admite e, por isso diz ser “o momento ideal” de se fazer essa revisão.
Porém adverte que em Portugal “também temos contratos precários”. “Temos ideia disso”, reconhece.
O sindicato, afirma esse responsável, ainda não tem conhecimento do conteúdo dos contratos a serem elaborados, mas diz esperar que sejam “bons contratos” e uma oportunidade “boa” para os cabo-verdianos.
“Vamos ter que acompanhar e criar mecanismos de segurança para que qualquer trabalha dor que queira sair daqui possa ter sustentabilidade e outra oportunidade”.
O presidente do Sicotur espera que a feira de trabalho que vai ser feita em Cabo Verde sobre a contratação de recursos humanos para trabalharem em Portugal, venha a esclarecer vários pontos relativamente ao processo de recrutamento.
“Ainda não fomos ouvidos. Esperamos que a entidade que vai fazer essa feira ouça os sindicatos para que possamos dar a nossa opinião e criar as melhores condições para os trabalhadores cabo-verdianos”.
Salário e custo de vida
Nilton Vaz reconhece que o salario mínimo nacional de 13.500 escudos, quando comcomparado com Portugal, faz com que o país luso seja mais atrativo para quem procura melhores condições de vida.
“Acho que indo a Portugal ganhar, não sei, o salario mínimo, em Portugal, já é quase mil euros, e com melhores condições.
Aqui temos trabalhadores que ganham 25 mil escudos no Sal, ou mesmo na Boa Vista, no sector do turismo, que têm direito à alimentação, ao transporte e tendo um contrato em Portugal, com o mesmo conteúdo, com alimentação e transporte e com alojamento, acredito que muitos jovens vão sair em grupo”, perspectiva.
Isto, explica, mesmo sabendo que a renda em Portugal é “elevada”. “Eles vão-se juntar e fazer as suas manobras, porque é o espírito do cabo-verdiano, tentar hoje um e amanhã, melhor”, argumenta.
Medo leva ao silêncio
Para quem fica é preciso continuar a lutar por melhores condições.
“Nós os sindicatos, vamos ter de continuar a fazer pressão sobre o Governo no sentido de, definitivamente, tentar criar as melhores condições em relação ao salário e proteção do nosso Código Laboral”.
Nilton Vaz fala num contexto laboral de medo que leva ao silêncio dos trabalhadores nacionais.
“Há um certo receio dos trabalhadores em tentar falar, porque há ameaças em Cabo Verde.
Neste momento, para se conseguir um trabalho, temos de ficar é calados, porque há um ditado utilizado que é, se não queres assinar esse contrato, nessas condições, lá fora estão muitos à procura”, denuncia. Um cenário que, lamenta, porque “é mau e é triste dizer isso”.
O sindicalista diz haver situações “lamentáveis” relativamente a alguns hotéis, referindo-se “principalmente” em relação às grandes unidades hoteleiras.
“A Inspecção Geral do Trabalho (IGT) tem de ter mão dura e fazer maior controlo sobre algumas situações relativamente aos contratos. É inadmissível que um trabalhador de um hotel não possa gozar os 22 dias úteis de férias como estabelece o Código Laboral. O hotel esquece isso e faz da maneira que quer”, denuncia.
Não havendo o controlo da IGT, aliado ao “acomodar dos trabalhadores”, por medo de perderem o emprego, a situação só piora.
Necessidade de maior segurança para os trabalhadores
“O Governo e as entidades certas têm de controlar isso.
Nós, o sindicato, temos estado a bater muito nessa tecla. Tem de se criar as condições para que a IGT esteja com a mão mais dura, no sentido, não só de controlar, mas de trazer, também, maior segurança aos trabalhadores”,
apela.
“Há um desrespeito claro por parte dos recursos humanos de alguns hotéis aqui no Sal. O sistema está tão forte contra os trabalhadores que o medo impera”, lamenta. .
As empresas, defende, além de garantirem os salários têm de “tratar bem e respeitar” os trabalhadores.
“Vamos fazer a nossa parte, estar mais perto dos trabalhadores. Temos estado a pedir aos trabalhadores que abracem também este projecto de estar mais perto do sindicato e que tragam informações para que o sindicato podsa actuar”, apela, explicando que o receio de represálias leva à omissão das situações.
“Muitas vezes, nós não sabemos certas informações porque os trabalhadores têm medo de falar. Muitas vezes, fazemos visitas aos hotéis e sentimos este recuo dos trabalhadores”.
Como diz, é preciso que as pessoas também entendam que o sindicato “está cá para apoiar os trabalhadores”.
Muito interesse em ir para Portugal
Questionado se tem conhecimento do interesse dos trabalhadores em irem para Portugal, o mesmo garante que sim.
“Há muito interesse e há pessoas nesse processo. Vamos ter a saída de muitos trabalhadores o que, para nós, é bom, desde que o trabalhador tenha um bom contrato em Portugal”.
“Temos cá um indivíduo que trabalha há oito/10 anos num hotel e que, neste momento, está a tentar rescindir com o hotel”, avança.
O mesmo explica que, quando o hotel não quer o trabalhador, rescinde o contrato, e dá proteção de salário, que é 21 dias no primeiro ano e 15 dias no segundo.
Mas, quando não quer que o mesmo saia, a situação complica.
“É pouco dinheiro e é isso que devemos rever também, porque tem de haver mais suporte nessa situação. Mas, nos hotéis não estão abertos a essa negociação”, esclarece.
O sindicalista defende que se deve criar um “mecanismo de abertura dos hotéis para negociar pelo menos um trabalhador que tenha 10 anos de trabalho, para que possa ir”.
Preocupação com fuga de trabalhadores chegou “tarde”
Nilton Vaz diz ver com naturalidade as preocupações levantadas pelos empresários do sector sobre a fuga dos quadros capacitados nos quais investiram. Porém, considera qtratar-se de uma preocupação tardia.
“Os trabalhadores que estão a trabalhar nos hotéis já passaram pela fase de formação e, perder estes trabalhadores para qualquer empresa, é um custo”.
Contudo, adverte que as empresas não têm isso em conta quando pressionam os trabalhadores a assinar um determinado de contrato com a justificação de que “há outra pessoa lá fora à espera”.
Por isso, conclui que, na sua óptica, chegou “tarde” esta preocupação com a mão-de-obra. “Esta preocupação devia ter sido levada em conta há muito tempo e eu acho que é o direito de qualquer trabalhador ter mais respeito e um
salário digno em Cabo Verde”.
Feira do emprego para recrutar trabalhadores
Numa entrevista recente à Rádio de Cabo Verde, o presidente do IEFP desdramatizou a celeuma e preocupações geradas em torna da contratação de mão de obra cabo-verdiana, para trabalhar no sector do turismo, na Região do Algarve, Portugal.
Paulo Santos garantiu que a Instituição, juntamente com outras entidades implicadas, vai acompanhar o processo. Isto na sequência da vinda a Cabo Verde, no início de Julho, de uma comitiva portuguesa, que incluiu o presidente da Região de turismo do Algarve, João Fernandes.
Na altura, o mesmo deixou claro que Portugal precisava de 5000 trabalhadores e tinham, precisamente, vindo fazer uma prospecção de mercado, em Cabo Verde.
“Evitando situações que nenhum de nós deseja, de forma a garantir que toda a gente que vai de Cabo Verde para Portugal ou até de Portugal para Cabo Verde tenha a garantia de todos dos seus direitos. E essa é uma preocupação presente em todos os parceiros”, disse.
Integraram ainda a comitiva a Associação de Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) e o Gabinete da Secretaria de Estado do Trabalho de Portugal.
Mais recentemente, Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social de Portugal anunciou que Cabo Verde vai acolher uma Feira de Emprego promovida por aquele país luso, juntamente com Cabo Verde. A mesma visa o recrutamento de trabalhadores.
“Portugal está já a operacionalizar acordos de mobilidade e pela primeira vez Portugal vai fazer uma feira de emprego em Cabo Verde para, de uma forma organizada, regulada e enquadrada, as empresas e organizações estarem em Cabo Verde a fazer recrutamento de trabalhadores”, disse citada pelo site Eco Sapo.
Essa responsável garantiu ainda que a ideia é “simplificar processos e garantir que as pessoas vêm em condições de trabalho digno e que valorizamos o trabalho em Portugal”.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 780, de 11 de Agosto de 2022