A Escola de Teatro “Xpressá”, recém-criada em São Vicente, pretende dar voz a iniciativas teatrais nacionais e levantar o debate sobre a “descolonização” do teatro cabo-verdiano. A intenção é, também, segundo a sua mentora, a actriz Patrícia Silva, profissionalizar os fazedores de teatro e dignificar o trabalho da classe artística em São Vicente.
“Xpressá” surge, segundo Patrícia Silva, para colmatar a falta de iniciativas nacionais no teatro de base sólida e que consigam sobreviver à falta de condições para essa prática.
Conforme conta, há, no momento, poucos projectos e grupos de teatro em São Vicente e no país, e os recursos, como avança, estão alojados no Centro Cultural Português.
“É de estranhar não termos iniciativas com uma base sólida, no Centro Cultural do Mindelo, por exemplo, feita por nacionais. Há muito poucas iniciativas nacionais e as que surgem acabam por desaparecer”, constacta a actriz, acreditando que o teatro é porventura a forma de arte mais libertadora que existe.
“Descolonizar” recursos para o teatro
É neste sentido que Patrícia Silva aponta que as iniciativas teatrais nacionais têm estado num lugar marginal, periférico e subalternizado e, por isso, quer, com a Escola de Teatro “Xpressá”, levantar uma discussão “há muito adiada” acerca da descolonização do teatro cabo-verdiano.
“Quando falo em descolonizar o teatro cabo-verdiano falo no sentido de ‘descolonizar’ os recursos. Temos poucos recursos, mas estes recursos estão alojados no grupo de teatro do Centro Cultural Português, de Portugal, e não de Cabo Verde. É de estranhar não ter outros centros cabo-verdianos a dar formação, é de estranhar não termos cabo-verdianos a conseguir viver do teatro em Cabo Verde”, nota Patrícia Silva, que prefere realçar e explicar que o teatro em Cabo Verde é feito por cabo-verdianos, porém, sem iniciativas sólidas nem sustentação.
Fazedores de teatro sem profissionalização
Outro aspecto apontado pela actriz tem que ver com a falta de profissionalização dos fazedores de teatro que, como refere, na maioria das vezes, não são remunerados pelo seu trabalho, o que tem afectado o fazer artístico e as iniciativas teatrais que acabam por desaparecer devido à “situação precária” que muitas encontraram.
Patrícia sugere, através da “Xpressá”, formar mais pessoas, abandonar a lógica da não profissionalização e trabalhar para conseguir dignificar a classe artística com projectos remunerados.
“Muitas vezes temos de pagar para fazer teatro. Precisamos abandonar a narrativa de amor à camisola. Há que ter amor sim, mas há que se ter, também, a dignificação da profissão”, considera Patrícia Silva, que sugere ao Ministério da Cultura a realização de um encontro com os nacionais visando debater sobre a necessidade de se tornar digno o trabalho do fazedor do teatro.
Iniciativa nacional
A “Xpressá”, Escola de Teatro, surge no sentido de criar as bases sólidas para uma iniciativa teatral engajada, dinâmica e que tenha continuidade como um projeto com o objetivo de dinamizar actividades culturais, promover o teatro cabo-verdiano com acções formativas destinadas a crianças, adolescentes e adultos.
A escola ainda está em implementação, em São Vicente, sendo que a primeira fase consistiu na montagem da performance “Teatro Largod”, nas ruas do Mindelo, que marcou a abertura da escola.
Neste momento, a mentora está a organizar os cursos e prevê-se iniciar uma turma de iniciação teatral no mês de Setembro.
A ideia da Escola de Teatro é também criar um grupo teatral como uma iniciativa nacional e que dê voz a iniciativas locais.
Sonho e parcerias
O projecto tem como parceiros a Câmara Municipal de São Vicente que cedeu o espaço do Centro Social de Madeiralzinho para a dinamização das aulas de teatro e o Ministério da Cultura que seleccionou a primeira fase do projecto no âmbito do Edital’22 de fomento à criação artística nacional, mas a ideia é também promover uma escola que circula entre as comunidades e alcance mais pessoas.
O projeto continua, contudo, à procura de mais parceiros para continuar a implementar a “Xpressá”, Escola de Teatro.
Patrícia Silva, 42 anos, nasceu e cresceu no Mindelo, descobriu o teatro aos 28 anos, mas diz que o teatro esteve com ela desde criança. Diz que a Escola de Teatro “Xpressá” é o seu sonho e o sonho de muitos. “O sonho de podermos ser verdadeiramente livres e fazer aquilo que realmente gostamos e temos talentos para fazer”, acredita.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 779, de 04 de Agosto de 2022