A Associação Empresarial de Cabo Verde, sedeada no Sal, diz ver com “grande apreensão” a intenção dos responsáveis do turismo do Algarve em recrutar 5.000 postos de trabalho, especialmente cabo-verdianos, para responder à necessidade urgente de mão-de-obra naquela região. A associação teme a fuga dos melhores quadros capacitados no sector, o que, acontecer, pode comprometer a própria época alta do turismo nacional.
Em comunicado enviado à nossa redação, assinado pelo presidente Andrea Bonelli, a Associação Empresarial de Cabo Verde diz não ver vantagens no modelo de recrutamento de mão de obra nacional no sector do turismo para colmatar a urgência de recursos humanos na região do Algarve, Portugal.
“De facto, a procura de pessoal pelos operadores turísticos algarvios com foco em dois países africanos (Cabo Verde e Marrocos) busca pela melhor relação qualidade-preço, e a possibilidade de sacar recursos formados no estrangeiro com a facilitação das próprias instituições públicas e sem contrapartida em valor, parece ser um ganha-perde”, começa por alertar Benolli.
Tapete vermelho
O mesmo recorda que, para isso, o Governo de Cabo Verde “também acordou com o Governo português, procedimentos especiais para obter um visto de forma rápida e sem demasiadas burocracias”, o que, no entender da associação é “um tapete vermelho”, que permitirá aos operadores turísticos estrangeiros “chegar, escolher, comprar e exportar” o know-how dos funcionários locais.
Esse empresário lembra que o próprio Governo investiu, junto com a cooperação, e “endividou” o país para recorrer a fundos do Banco Mundial e de outras organizações internacionais, “para financiar o investimento em infraestruturas e programas de formação de jovens (homens e mulheres) cabo-verdianos, para que possam obter uma qualificação profissional e até ter uma Carteira Profissional que certifica a competência técnica e dá acesso ao mercado de trabalho”.
Recursos esses que são acolhidos pelas empresas cabo-verdianas “no seu quadro de pessoal”, e que, explica, “investem no refinamento da base de formação e aumentando o nível de profissionalismo e a experiência em boas práticas e ambientes certificados”.
Necessidade de mão de obra no sector está aumentar no país
Em 2019, recorda a associação, havia 9.050 empregados na hotelaria, sendo que os Hotéis concentravam 85,2% desse total, e os nacionais representavam 92,7% da força de trabalho. Ainda, 77% destes trabalhavam nas ilhas do Sal e da Boa Vista e 58,8% são mulheres.
Ademais, a associação adverte que é preciso ter em conta que as necessidades do país em termos de recursos no sector “estão a aumentar”, dadas as recentes aberturas de mais hotéis, como, por exemplo, na cidade de Mindelo.
“O nosso sistema de formação é incapaz de treinar 2.500 novos funcionários em pouco tempo e a alta temporada está quase chegando”, adverte.
Nesse contexto, a associação alerta que diante de uma “necessidade crescente” de mão de obra treinada e experiente, “será ainda mais importante para oferecer um nível de qualidade capaz de competir em nível internacional”.
Contudo, perante aquilo que diz ser uma “campanha promovida pelo nosso governo” para permitir que os operadores portugueses “adquiram apenas 2.500 trabalhadores dos 5.000 necessários, será um desastre total para nós!”.
“Qualidade” da época alta em risco
Essa associação avança ainda que se as empresas do sector do turismo não conseguirem “colmatar em pouco tempo” a “previsível” falta de pessoal formado, os investimentos previstos para a época alta estarão em risco.
“Não tanto em termos de quantidade, mas de qualidade, com repercussões na imagem do destino turístico e com prováveis consequências nas vendas da época 2023/2024”.
No comunicado Bonelli admite que há uma alternativa rápida que permita colmatar a previsível lacuna de pessoal formado, que será criada no início da época alta, ou seja, fazer igual à região do Algarve.
“A solução mais rápida é fazer o mesmo que os operadores turísticos do Algarve, ou seja, identificar os países do continente africano a partir dos quais recorrer, aproveitando das facilitações em termos de mobilidade dos cidadãos pertencentes aos países da CEDEAO e PALOP”.
A associação lembra que estamos num mercado global e o nosso destino turístico deve “competir com gigantes muito próximos de nós”, quer ao nível do clima, quer ao nível da relação qualidade/preço.
Sector privado é que vai pagar o preço
Nesse contexto lembra aos governantes que o setor privado “é o único atualmente capaz de manter Cabo Verde no centro de um cenário turístico de referência”, sobretudo para a época de inverno.
“O setor privado consegue, portanto, fazer sua parte, mas não pode ir além de seus próprios limites de competência”, esclarece.
A Cabo Verde Empresas conclui que ao ser conivente com este recrutamento em curso, ao se “abrir as portas do galinheiro”, “não trará qualquer regalo ao criador, mas certamente um prejuízo em termos de know-how cujo preço, uma vez mais, terá de ser pago pelo setor privado!”.
Como explica, querem ser ouvidos também na tomada de decisões, porque as empresas “não podem ser chamadas apenas a pagar impostos e formar os seus funcionários, a investir e a criar empregos”.
Negociar compensações
Benolli alerta que os operadores turísticos algarvios irão escolher “os melhores”, ou seja, aqueles já formados e, por isso, já contratados pelas empresas cabo-verdianas, pelo que, esse interesse deve ser contrabalançado com o estabelecimento de um acordo comercial que crie um vínculo.
“Para cada trabalhador formado é também preciso contratar e formar em Portugal jovens cabo-verdianos desempregados”, sugere.
Além disso, diz, é preciso negociar “compensações” para os operadores nacionais e garantir a continuidade de direitos laborais e segurança social.
“Esta poderia ter sido uma solução certa e negociada para resolver os problemas do Algarve e, ao mesmo tempo, reduzir o desemprego em Cabo Verde, sem afetar os investimentos do setor privado em Cabo Verde”, concluiu.