“Tenha um psicólogo para chamar de seu” é o nome dado a uma página do Facebook, criada pela psicóloga clínica e saúde Suzy Chantre, que, assim como diz o nome, incentiva as pessoas a darem mais atenção à saúde mental.
Como profissional, Suzy Chantre, natural de São Nicolau e residente na Praia, diz que sentiu a necessidade de ter um outro meio de chegar às pessoas e para além de prestar o meu serviço, ajudar nesta matéria tão relevante nos dias de hoje.
“Foi nesta perspectiva que criei a página, em 2018, para ajudar as pessoas a promover a sua saúde mental e ajudar em alguns aspectos que podem melhorar a sua qualidade de vida”, explica a psicóloga, em entrevista ao A NAÇÃO.
A página, segundo diz, é procurada sobretudo por adolescentes, na faixa dos 16 anos, e por pessoas até os 40 anos. Tem servido como uma ponte entre a população e profissionais da área.
“Quando alguém entra em contacto comigo através da página, a primeira coisa que faço é ligar e conversar, para fazer uma avaliação inicial. Após uma pequena intervenção, dependendo de onde a pessoa esteja, ela pode ser encaminhada para a clínica onde trabalho, ou por um outro profissional da aérea, mais próximo dela, para atendimento e seguimento.
Saber pedir ajuda
De acordo com a mentora da página, ainda são poucas as pessoas que interagem nos espaços visíveis (comentários). Elas preferem enviar mensagens privadas, o que mostra que ainda existe alguma dificuldade em quebrar esse tabu a volta da saúde mental e procurar ajuda.
“Geralmente as pessoas deixam as questões mentais de lado, em detrimento de outros problemas de saúde. Só procuram ajuda começam a ter outras complicações”, observa.
São casos, segundo disse, pessoas que estão há vários dias sem dormir, com falta de apetite, sem vontade de fazer as tarefas habituais, mas que encaram o problema como sendo normal.
Demanda tem aumentado
A demanda nos últimos tempos, segundo diz, está relacionada, sobretudo, com problemas de saúde mental que afloraram durante a pandemia, culminando em ansiedade ou depressão.
“A maioria das pessoas que procuram ajuda através da página está ligada a ansiedade e a depressão. Há cada vez mais jovens com ansiedade. É como se estivéssemos a viver num mundo onde tudo precisa esperar. Os planos, os estudos, o trabalho, a ideia de uma autonomia financeira, os que estavam a trabalhar e perderam trabalho, e isso causou uma ampla ansiedade e muitos casos de depressão, principalmente na camada juvenil”, alerta.
Em consequência, observa, tem-se registado um aumento de casos de suicídio, que pode estar relacionado com a “pressão da actualidade”.
“A qualidade de vida que não é a mesma, muitos casos estão relacionados a objectivos de vida, ao mundo globalizado, preocupações excessivas, outros tipos de preocupação que antes não havia, e muitas pessoas acabam por ver o suicídio como uma forma de se livrar dos problemas. Porque a pessoa que comete o suicídio não quer acabar com a vida, mas com o problema e o sofrimento que esta a enfrentar”, explica a psicóloga.
Outros casos, diz, estão relacionados com problemas de autoestima, mas também com questões comportamentais das crianças. “Muitos pais acabam por procurar ajuda na página para perceber o motivo de alguns comportamentos dos seus filhos”, acrescenta.
Diante deste quadro, a criação da página e ideia do nome tem como objectivo mostrar às pessoas que elas devem procurar um profissional. “Não tem de ser eu. Se entender que deve chegar em mim, ótimo, mas, quando chegam, faço questão de encaminhar para um profissional que está presente onde a pessoa está. O foco não é a psicóloga Suzy Chantre”, explica.
Atenção aos sinais
Suzy Chantre chama atenção, por outro lado, aos sinais que surgem em pessoas com problemas mentais e psicológicos, e que podem ser detectadas dentro do seu círculo de convívio.
“Estamos a falar de sinais de pessoas que estão a passar por um sofrimento psicológico. A família e amigos devem estar atentos a estes sinais. A primeira coisa é a mudança de comportamento, a pessoa deixa de fazer as coisas que normalmente faz, não está mais tão sociável quanto costumava ser, não mostra interesse em nada, tem mudanças no sono – ou não dorme bem ou dorme demais -, tem mudanças no apetite, as conversas passam a estar carregadas de pessimismo, referindo-se a sua existência, sentido da vida, vazios, entre outros”, exemplifica.
A primeira abordagem para quem detecta estes sinais, orienta, deve ser sem julgamentos, de escuta e compreensão. “Mostrar apoio, mas também tentar encaminhar a um serviço especializado”, pontua.
Saúde mental em Cabo Verde
Em Cabo Verde, diz Suzy Chantre, tem sido feito um esforço para levar psicólogos o mais perto possível da população. “Quase todos os centros de saúde já têm psicólogos, o que é uma mais-valia, mas ainda há muito mais a fazer”, considera.
É preciso, no entanto, segundo aponta a mesma fonte, estar mais no terreno e trabalhar mais a nível da prevenção.
Quanto à classe, diz que ainda falta alguma valorização do seu trabalho. “No momento está em curso a criação da Ordem dos Psicólogos de Cabo Verde. Com este passo já vamos conseguir adquirir muitos direitos, mostrar o valor do profissional do psicólogo nas equipas”, diz Chantre.
Um dos problemas a ser ultrapassado está ligado à própria autonomia do psicólogo dentro do sistema de saúde. “Até hoje fazemos um relatório psicológico, para o INSP, por exemplo, mas este relatório tem de ir com o aval de um clínico geral. É um trabalho que nós fazemos, mas tem de ser validado por outro profissional, que sequer é da área”, indica.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 778, de 28 de Julho de 2022
