São cada vez mais as iniciativas que surgem nas redes sociais e que têm procurado desconstruir tabus existentes em Cabo Verde, tornando-se numa rede de apoio e de informações. A NAÇÃO conversou com duas “influenciadoras” – Fanny Martins e Cyntia Ramos que usam a internet para desmistificar tabus, empoderar e mudar mentalidades, através dos seus canais nas redes sociais.
Muito mais do que “gostos”, comentá- rios ou compartilhamentos, Fanny Martins e Cyntia Ramos procuram, acima de tudo, romper tabus e preconceitos existentes na sociedade cabo-verdiana, usando a dinâmica e o alcance da internet e das redes sociais para produzir conteúdos à favor de um bem comum.
Desde 2018 que Fanny Martins tem usado as redes sociais para uma causa nobre. Criou a página do Instagram “Falar Tabu”, a princípio para falar da depressão e saúde mental, mas rapidamente se transformou num espaço para se debater e discutir assuntos tabus na sociedade cabo-verdiana.
Vencer à depressão
O espaço nas redes surge para partilhar a própria história à volta da depressão profunda que viveu. Através de ‘lives’, passou a relatar aos seguidores a dificuldade de viver com a doença e, como diz, encontrou nas redes acolhimento e troca de experiências entre pessoas com problemas semelhantes.
“O ‘Falar Tabu’ salvou a minha vida. Foi um pedido de ajuda quando eu estava numa depressão profunda, quando eu estava isolada e pensava que a vida não fazia mais sentido. Encontrei, através da página, uma rede de suporte e, enquanto estava a me libertar e a curar minhas feridas, es – tava também a ajudar mulheres cabo-verdianas espalha – das pelo mundo”, conta Fanny Martins, ao A NAÇÃO.
Desconstruir tabus
Actualmente, além de desconstruir tabus sobre a saúde mental, a página de Fanny no Instagram transformou-se num espaço para desmistificar estereótipos e preconceitos sobre temas variados. Através de “conversas sem filtro” em jeito ‘live’, recebe convidados, especialistas e personalidades cabo-verdianas para conversas em torno de assuntos tabus, desde o aborto ao abuso sexual.
A mentora desta iniciativa quer transformar o canal num espaço onde se possa falar abertamente e sem filtros e partilhar histórias escondidas e difíceis de serem contadas, rompendo ciclos geracionais.
“Só quem sabe o peso de um segredo e a liberdade do desabafo entende o quão necessário é falar e colocar para fora. Com a partilha e conversas sem filtros, espero motivar a nossa sociedade a quebrar esses tabus. O nosso objetivo é estabelecer um espaço seguro, sem julgamentos, para que as pessoas possam se expressar”, explica Fanny, que conta que através da página recebe mensagem de pessoas abusadas sexualmente, ou com outras problemas, que buscam desabafar.
Desmistificar o sexo e educar sexualmente
Neste mesmo sentido de desmistificar tabus, ainda podemos encontrar nas redes, o canal “Imperatriz” da “sexual influencer”, Cyntia Ramos, com mais de 33 mil seguidores. O espaço no Instagram tem promovido uma educação sexual, através de conteúdos didático-pedagógicos, com uma linguagem descontraída.
Desmistificar o tabu existente à volta do sexo e chamar atenção para as consequências da fraca ou ausência de uma educação sexual tem sido o principal objetivo desta influenciadora.
Os conteúdos vídeos e fotos publicados na rede passam por abordar várias questões sobre a exploração da sexualidade, do sexo, nas suas diversas formas, mas também educar sexualmente as pessoas que, como consequência dos tabus em torno do sexo, submetem-se a situações perigosas devido a desinformações.
“O tabu em torno do sexo é um perigo, porque quanto me – nos informações sobre educação sexual uma pessoa tiver, maiores são as chances de contaminar com Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs) devido à desinformação ou de ter uma vida sexual limitada, sem conhecer seu corpo, uma gravidez indesejada, etc.”, esclarece Cyntia Ramos que diz muitas vezes ser rotulada de “vulgar” por ser uma mulher a falar de sexo e sexualidade na internet.
Uma sociedade sem tabus abre espaço para a liberdade
Cyntia Ramos, que também é mãe, como influenciadora assumida, passou a dar mais atenção à educação sexual de crianças. Nos últimos tempos, tem criado conteúdo sobre a prevenção do abuso sexual de crianças nas suas redes, devido ao aumento de relatos de casos de abuso sexual no país.
“Temos de, também, educar as nossas crianças no sentido de identificarem os sinais de abuso sexual, prevenir e denunciar, até porque educação sexual não é ensinar sexo”, chama atenção a nossa entrevistada que critica a “deficitária” educação sexual nas escolas.
Para falar sobre a educação sexual, sexo e sexualidade e descontruir tabus, Cyntia diz que tem estudado muito em artigos científicos, cruzado fontes e procurado as informações mais credíveis para transmitir aos seguidores.
Contudo, não pretende ficar só pelas redes socais. A meta é, futuramente, conseguir um espaço na televisão ou na rádio para continuar a promover a educação sexual e sexualidade, levar os conteúdos às escolas, promover formações, livros didáticos e desenvolver um projeto social juntamente com profissionais da saúde e dar assistência aos desabafos, dúvidas e medos dos seguidores que chegam à caixa de mensagens.
Na prática, a luta seja de Cyntia Ramos, da “Imperatriz”, seja a de Fanny Martins, do “Falar Tabu”, é essencialmente a mesma: ajudar a mudar mentalidades, quebrar tabus e melhorar a compreensão que a sociedade cabo-verdiana tem sobre diversos assuntos. Porque, como afirmam e advogam, “uma sociedade sem tabus abre espaço para a liberdade”.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 777, de 21 de Julho de 2022