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Política

Abertura de embaixada em Rabat: Troca de favores entre Cabo Verde e Marrocos

Cabo Verde vai abrir uma embaixada e um consulado geral no Reino de Marrocos. A instalação dessas duas missões é “iminente”, segundo as palavras do ministro Rui Figueiredo Soares. A pergunta é o que estará por trás desta decisão sem precedentes nos anais da diplomacia cabo-verdiana, algo que passa pelo dossiê do Sahara Ocidental.

Em plena situação de crise social e económica, assim como de uma certa indefinição geopolítica internacional, por causa da guerra na Ucrânia, a cidade da Praia decide avançar com a abertura de uma embaixada no Reino de Marrocos.

Pretende-se, igualmente, instalar um consulado geral de Cabo Verde em Dakhla (Sahara Ocidental), duas decisões com razoáveis custos financeiros, ainda por cima, por quem não tem onde cair morto, clamando volta e meia por ajuda internacional.

A intenção de abrir essas missões diplomáticas foi avançada numa recente visita efectuada pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Cooperação e Integração Regional ao Reino de Marrocos.

Rui Figueiredo Soares anunciou, num encontro com o seu homólogo Nasser Bourita, a “iminente” instalação de uma Embaixada da República de Cabo Verde residente em Rabat e a próxima abertura de um Consulado Geral em Dakhla.

A NAÇÃO sabe que, para o efeito, o Palácio das Comunidades já enviou uma equipa vançada a Rabat, para procurar instalações, saber do custo de vida nessa capital e outras questões logísticas para a abertura da embaixada.

Mas, com a crise que assola o país, uma fonte diplomática diz não acreditar que o Governo esteja em condições de financiar, neste momento, a instalação de uma embaixada na capital marroquina, uma capital que, em termos estratégicos, não constitui uma prioridade na actual conjuntura. E menos ainda um consulado-geral em Dakhla, uma zona do globo onde Cabo Verde não tem rigorosamente nenhum interesse particular.

Sahara Ocidental esquecido

A nossa fonte acredita, sim, que a instalação da embaixada de Cabo Verde em Rabat, assim como a instalação do consulado-geral em Dakhla, serão financiadas pelo Reino de Marrocos, numa perspectiva de pagamento de favores, pelo facto de a diplomacia cabo-verdiana ter alterado a sua posição em relação ao problema do Sahara Ocidental.

Aliás, no encontro entre os dois ministros dos Negócios Estrangeiros, Rui Figueiredo Soares, conforme o comunicado conjunto, de 8 deste mês, que A NAÇÃO teve acesso, deixou bem claro o apoio de Cabo Verde à integridade territorial do Reino de Marrocos relativamente ao Sahara Ocidental.

Tratando-se essa de uma questão sensível que se arrasta há quase 50 anos, diplomaticamente, o governante cabo-verdiano fez questão de louvar os esforços das Nações Unidas “como a estrutura exclusiva para alcançar uma solução realista, prática e duradoura para a disputa sobre o Sahara” e reafirmou o apoio de Cabo Verde à Iniciativa do Plano de Autonomia apresentada pelo Reino de Marrocos que “constitui a única solução credível e realista para a resolução deste diferendo”.

Rabat congratula-se com decisão de Cabo Verde

Congratulando-se com esta decisão do Governo de Cabo Verde em instalar uma embaixada em Rabat, o chefe da diplomacia marroquina, Nasser Bourita, agradeceu o apoio em relação à questão do Sahara e recordou a “louvável” participação cabo-verdiana, ao nível do seu embaixador em Dakar, na Conferência Ministerial Africana sobre o apoio da União Africana ao Processo Político das Nações Unidas sobre a disputa regional do Sahara, realizado em Marrakech, em 25 de Março de 2019.

Bourita sublinhou ainda que o seu país está disposto a contribuir para os esforços de desenvolvimento socioeconómico deste arquipélago, nomeadamente em sectores prioritários como a agricultura, pescas, turismo, habitação e construção, formação profissional e energias. 

Segundo o mesmo comunicado, Praia e Rabat acordaram em apoiar, de forma concertada e mútua, as candidaturas marroquinas e cabo-verdianas ao nível dos organismos regionais e internacionais.

Os dois ministros também concordaram em instruir os seus representantes permanentes em Nova Iorque, Genebra e na União Africana para coordenarem as suas acções e decisões em assuntos de interesse comum.

Qual foi o “encaixe”?

As duas partes acordaram realizar, na Praia, o mais breve possível, a segunda sessão da Comissão Mista de Cooperação Marroquina-Cabo-verdiana, em data a definir de comum acordo por via diplomática.

Entretanto, se por um lado Cabo Verde se mostra disposto a abrir duas representações diplomáticas, uma em Rabat e outra em Dakhla (no Sahara Ocidental), nada se sabe se o Marrocos se fará representar ao mesmo nível neste arquipélago ou se os assuntos serão tratados a nível da embaixada desse reino em Dakar.

 Braço-de-ferro entre Marrocos e Argélia

Portanto, diante do que parece estar em jogo, falta saber o que Cabo Verde “encaixou” ou vai “averbar”, em termos materiais e financeiros, realmente, para este alinhamento junto do Marrocos, sabendo que deixa de contar com o apoio da Argélia, uma outra velha aliada deste arquipélago desde os tempos da luta de libertação nacional.

Argélia e Marrocos, tendo pelo meio a Frente Polisário, que proclamou a RASD (República Árabe Saraui Democrática, em 1975) há muito que mantêm um braço-de-ferro pela posse daquela que foi no passado uma colónia espanhola. Um território que muitos têm como sendo rico em minerais, água (subterrânea) e pesca.

Aliás, ainda no quadro da sua ofensiva política e diplomática, só muito recentemente o Reino de Marrocos conseguiu de Madrid o reconhecimento das suas posições em relação ao Sahara Ocidental.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 774, de 30 de Junho de 2022

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