Por: Démis Lobo Almeida*
Antero Euclides Simas Correia e Silva, nasceu na Cidade da Praia, no dia 07 de Novembro de 1952, no Plateau, onde viveu e cresceu, em casa dos seus avós paternos, na Rua 5 de Julho (atual Rua Pedonal), e teve uma infância saudável e feliz.
A sua veia musical cedo começou a pulsar, graças a um ambiente caseiro, familiar e social muito propício. Em casa, Antero Simas cresceu ouvindo o avô paterno a tocar violino. Seu pai, sr. Filinto Correia e Silva, era membro da banda Municipal, executava clarinete e tinha uma incrível paixão pelo jazz, para além de uma vasta cultura musical. Na zona onde decorreu a sua infância, no Plateau, praticamente todos os amigos da sua geração, e outros ligeiramente mais velhos, executavam algum instrumento musical. De modo que, muito cedo, Antero Simas começou a revelar a sua vocação para a música, tendo recebido a sua primeira guitarra aos dez (10) anos de idade.
Ainda nos primórdios da sua juventude, Antero Simas ingressa no mundo da música, dando início a uma jornada artística que viria a consagra-lo como um dos mais prestigiados músicos nacionais. Logo na década de 1960, ajudou a criar uma banda musical, juntamente com Zeca Couto e Zé António, entre outros, que estaria na origem do famoso conjunto Os Apolos. Mais tarde, em 1973, sai de os Apolos e vai cumprir o serviço militar na ilha de São Vicente. Na Cidade do Mindelo, Antero Simas passa a integrar o afamado conjunto os Alegres e, também, em paralelo, embora pontualmente, atuava com uma banda musical de José Júlio Gonçalves (JJ), um dos grandes guitarristas mindelenses.
Enquanto cumpria o serviço militar, Antero Simas provou ser um convicto humanista, africanista e patriota, tendo feito parte do grupo de cabo-verdianos que, estando a cumprir, contra a sua vontade, o serviço militar obrigatório nas Forças Armadas “Coloniais” Portuguesas, mobilizaram os seus camaradas portugueses e causaram uma manifestação histórica no quartel 8/24, na ilha do Sal, pois tratou-se da primeira manifestação num quartel português nas então colónias africanas, em que militares portugueses manifestaram contra a presença colonial portuguesa em áfrica e a guerra colonial.
Cumprido o serviço militar, em 1974, Simas regressa à Cidade da Praia e faz parte do África Show, um grupo musical fundado e dirigido por Cesário Duarte.
Influenciado, na altura, pelos Beatles e pelos Rolling Stones, Antero Simas, manifestamente fã do rock, começa a compor, embora nesta fase, predominantemente em inglês.
Foi na Ilha do Sal, para onde deslocou-se, a 02 de Janeiro de 1976, por razões profissionais, que Antero Simas mudou o seu percurso musical, concentrando-se, essencialmente, na música cabo-verdiana. Esta viragem acontece sob duas influências principais: de Tonecas Marta e, em especial, do Mestre Luís Rendall – considerado o pai do solo do violão cabo-verdiano –, de quem Simas era confesso fã, e com quem viria a descobrir este género do solo do violão, mas, sobretudo, a riqueza harmónica, que já havia na música cabo-verdiana, particularmente na morna.
Fascinado pelos solos de violão do Mestre Luís Rendall, Antero Simas começou a compor mornas, a tentar utilizar a estrutura harmónica dos solos na morna e, definitivamente, a virar-se para a dita música tradicional cabo-verdiana, afastando-se, pouco a pouco, das influências da música brasileira, designadamente do bossa nova, sem, no entanto, qualquer rejeição, é certo, e fazendo a sua própria música, a música “com tradições”, tal como a sentia e vivia intensamente; portanto uma música que preserva a matriz cultural da música tradicional cabo-verdiana – designadamente o ritmo, a melodia e a harmonia ínsitos na música tradicional cabo-verdiana clássica –, mas que não está rigidamente fechada a influências de outra músicas do mundo, ou enclausurada num excessivo conservadorismo.
Na ilha do Sal, Antero Simas integra, primeiro, o Voz de Djassi, que era uma banda elétrica, e, em paralelo, começa a tocar com o Cacimba da Madrugada, um grupo completamente acústico, que tentava dar algum tratamento novo à forma tradicional de tocar a música cabo-verdiana, através de arranjos inovadores. Mais tarde, com o desaparecimento destes grupos musicais, Simas, sempre no Sal, integra, sucessivamente, os grupos Clave de Sal, Mobafuco e, finalmente, “Antero Simas e Bandalhada”.
Ao longo do seu percurso artístico e musical, Antero Simas consagrou-se como um dos mais talentosos compositores do seu tempo. A primeira morna que gravou se intitula Cretcheu di Nha Vida. Seguiram-se a gravação de mais de quarenta composições de sua autoria, interpretadas por prestigiados cantores nacionais. Destas composições, figura, em primeiro plano, a morna “Doce Guerra”, quiçá a mais representativa e emblemática música da vasta safra de Antero Simas, uma incontornável referência no cancioneiro nacional, que pela sua vigorosa mensagem de amor por Cabo Verde, unidade nacional e patriotismo, é popularmente considerada um “hino nacional”. Com esta morna, Antero Simas foi galardoado, em 1988, com o Prémio B. Léza, que consagrava as duas melhores composições dos primeiros dez anos do Cabo Verde independente (a outra composição laureada era da autoria de Manuel D´Novas).
Em 2009, Antero Simas grava o CD Kriolo, que conta com a participação de cinquenta e três (53) artistas, e que reúne vinte e dois (22) temas compilados em dezasseis (16) faixas musicais, cujos géneros variam entre mornas, coladeiras, funanás e batuques, além de fusões como afro-rock e afro-cubano, numa autêntica mestiçagem de músicas e culturas. Esta obra discográfica revela toda a pujança artística e a visão musical contemporânea e progressista de Antero Simas.
Aliás, é justo reconhecer que Antero Simas – indiscutivelmente, um dos mais cultos músicos da sua geração –, influenciado pela sua ampla e consistente cultura musical, defendeu e contribuiu grandemente para erigir uma verdadeira música cabo-verdiana moderna, sem qualquer conflito, paradoxo ou exclusão da sua matriz tradicional, sem obstáculos, sem engavetamentos e sem fronteiras rígidas ou excessivamente conservadoras. A música de Antero Simas constrói pontes entre a música tradicional cabo-verdiana e a música do mundo, respeitando escrupulosamente a matriz daquela; como que numa homenagem à conciliação da obra de autores que muito admirava: Eugénio Tavares – compositor da música tradicional clássica cabo-verdiana –; António Carlos “Tom” Jobim – compositor, pianista e intérprete, fundador do movimento bossa nova e considerado o expoente máximo da música popular brasileira –; e Miles Davis – trompetista e compositor vanguardista do jazz norte-americano do sec. XX.
Antero Simas, autor, exímio compositor, instrumentista, guitarrista e intérprete, foi, indiscutivelmente, um dos mais prodigiosos e ecléticos músicos nacionais. Por causa da excelência da sua obra, além do Prémio B. Léza atribuído, em 1988, Antero Simas foi condecorado, em 2006, pelo Presidente da República, Pedro Pires, com a medalha de 1ª Classe da Ordem do Vulcão, a principal comenda do país, atribuída a personalidades que contribuíram para o engrandecimento da nação.
Razões de saúde de força maior, obrigaram o consagrado compositor e instrumentista cabo-verdiano a mudar a sua residência para New Bedford, nos Estados Unidos da América, onde viveu, nos últimos anos, e onde viria a falecer, no passado dia 16.06.2022, vítima de doença prolongada, aos 69 anos.
Nesta hora triste de dor pela perda de tão ilustre filho de Cabo Verde, o poeta-trovador Antero Simas, o grupo Parlamentar do PAICV expressa o seu mais profundo pesar à viúva, sua companheira de uma vida, a senhora Mariana Simas, aos filhos Kaunda, Miriam, Dora, Ariel, e netos, aos irmãos e a todos os demais familiares, e também aos muitos amigos, colegas artistas e a toda nação cabo-verdiana.
Paz e Luz ao nosso poeta-trovador Antero Simas.
*Intervenção feita pelo Deputado Démis Lobo Almeida, na última Sessão Plenária de Junho, em nome da Bancada Parlamentar do PAICV