Um cenário de terror. É assim que muitas mulheres relatam o trabalho de parto nas maternidades no país. Algumas, abordadas pelo A NAÇÃO, denunciam a omissão de direitos e a falta de humanização durante o parto, com violência física e verbal à mistura. A especialista Denise Cardoso defende que é hora de os serviços de saúde respeitarem a parturiente e a hora do parto.
Aquilo que para Adélia, nome fictício, era a realização de um sonho transformou-se num filme de terror.
Grávida pela primeira vez, deu entrada na maternidade do Hospital Augostinho Neto (Praia) com fortes contrações, porém sem dilatação suficiente. Com a bolsa rompida, recebeu fármacos para aumentar a dilatação e facilitar o parto, contudo, como conta, os abusos começaram neste momento.
“Os profissionais que me assistiram na maternidade do hospital queriam a todo o custo abreviar o nascimento do bebé, sem necessidade. Lembro-me, como se fosse hoje, de um enfermeiro quase em cima de mim a pressionar a minha barriga e o fundo do meu útero, a chamada manobra de Kristeller, o que resultou na fratura de duas costelas durante o parto e dores insuportáveis”, conta Adélia que relata, ainda, ter os pelos raspados (Tricotomia), sem permissão.
“Pior experiência”
Carolina, nome fictício, 22 anos, também diz ter vivido uma das piores experiências de vida durante o parto no Hospital Baptista de Sousa (Mindelo).
Além de ter sido submetida a frequentes exames de toques para analisar a dilação, acrescenta que foi agredida verbalmente pelos profissionais de saúde que, na sua opinião, não estão preparados para auxiliarem as mulheres em trabalho de parto.
“No meu caso encontrei profissionais totalmente despreparados para lidarem com pessoas. Fiquei na maternidade como uma boneca de estudo, cada enfermeiro e médico dava uma orientação diferente e eu não sabia o que fazer. Fui constantemente confrontada com provocações do tipo ‘despacha-te, as mulheres de hoje não sabem parir, estás com preguiça’, ‘cala-te’, o que me deixava mais nervosa”, relembra Carolina.
Negado o primeiro contacto pele a pele com o filho
Após muito sofrimento, conforme conta Carolina ao A NAÇÃO, o filho nasceu e teve outro direito violentado: o do contato pele a pele entre a mãe e o filho.
“Senti-me violada por terem levado o meu filho, sem que conhecesse a mãe primeiro”, revela.
E, como se não bastasse, como conta a nossa fonte, ela teve de ser suturada “sem necessidade” porque a médica achou que a vagina “fosse ficar mais bonita”.
No entanto, o que Carolina menos esperava era que durante a sutura, a enfermeira fosse esquecer uma compressa na parte interior da vagina.
“Devido às dores pedi que fosse analisada de novo e dois dias depois encontram a compressa esquecida e infecionada, o que poderia resultar na perda do meu útero”, detalha.
Insultada e proibida de gritar
Já Jeniffer, 25 anos, foi considerada de “selvagem” pela enfermeira que a assistiu durante o trabalho de parto na maternidade do Hospital Baptista de Sousa. Pelo facto de não ter dor, foi-lhe induzido o parto com fármacos, provocando contrações fortes, mas foi proibida de gritar.
“Estava com dores que desconhecia e que nunca tinha sentido e gritava como forma de lidar com a dor, mas a enfermeira alterou-se por completo e chamou-me de selvagem o tempo todo e ameaçou abandonar-me sozinha”, conta Jeniffer, que diz ter ficado traumatizada.
Além do terror psicológico, Jeniffer mostra-se revoltada por ter sido mutilada durante o parto, com um corte entre a vagina e o ânus (episiotomia).
“Não dei autorização e achei desnecessário porque a minha filha nasceu prematura e muito pequena. Foi uma violência que jamais vou esquecer”, lembra, com mágoa.
Nua e sem comer mais de 24 horas
Por sua vez, Dora, 24 anos, relata abusos obstétricos também no Hospital Baptista de Sousa. Como conta, esteve três dias internada em processo de indução de parto e 27 horas com a bolsa rompida até ao nascimento do filho.
Neste processo, o pior da sua vida, como diz, foi alvo de “todo o tipo de violência possível”.
Conta que foi exposta a nudez desnecessária, com uma bata danificada, que não escondia o seu corpo, além de passar mais de 24 horas sem comer, porque “ninguém dava orientações”.
A nossa fonte acusa os profissionais que a atenderam de negar informações sobre o seu estado de saúde, além de ataques psicológicos e negligência durante a raspagem pós-parto.
Todas as entrevistadas têm medo de engravidar novamente devido à “traumatizante experiência” de parto.
Algumas lidam com sequelas, como a dificuldade de se relacionar sexualmente, devido a mutilações ou suturas “desnecessárias”.
Apesar dos traumas, nenhuma das nossas entrevistadas denunciou os agressores com receio de represálias, mas prometem fazer o possível para não deixar que outras mulheres passem pelo que passaram na maternidade.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 771, de 09 de Junho de 2022