Com 12 anos integrou uma equipa sénior de andebol e conquistou o título nacional. Com 15, integrou, pela primeira vez, a Selecção Nacional. Já conquistou todos os títulos nacionais possíveis, e jogou em clubes do Senegal e Portugal, sempre conciliando o desporto com os estudos. Vanessa Moreno, mestre em direito financeiro e fiscal, é actualmente guarda-redes da Selecção Nacional de Andebol.
“O andebol é a minha vida”, diz a atleta, que começou nesta modalidade quase que por acaso e tem traçado um caminho invejável, sem nunca se descurar de uma outra paixão da sua vida: o direito.
Vanessa Moreno, de 32 anos, nasceu e cresceu no bairro da Achada de Santo António, na Cidade da Praia. Para além de crescer numa família de desportistas, foi aos 12 anos que, ao assistir um treino do extinto clube Juventus, foi convidada, sem pretensões, para “aguentar a baliza”, na ausência da guarda-redes.
Foi e surpreendeu, ao defender, sem medo, o primeiro remate, segundo conta ao A NAÇÃO.
O clube convidou-a, na altura, adolescente, a se juntar aos demais elementos num retiro desportivo, no Tarrafal, onde, uma vez mais, por coincidência, também faltava a guarda-redes da equipa adversária e ela teve de “aguentar” a baliza.
Tratava-se da equipa sénior Estrelas do Andebol, na qual a sua prestação lhe rendeu um convite para jogar oficialmente, ainda com os seus doze anos. No mesmo ano foi campeã nacional.
Selecção nacional aos 15 anos
A sua estreia na Selecção Nacional aconteceu aos 15 anos, nos jogos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), em Angola. “A partir daí não parei. Praticamente, já joguei em todos os clubes da Praia, até a minha partida para o Senegal, para fazer a minha licenciatura”, conta Moreno.
A sua licenciatura, entretanto, não foi motivo suficiente para fazer deixar o andebol.
Melhor clube do Senegal
“No Senegal, encontrei um clube universitário, onde comecei a jogar a primeira época. Logo comecei a receber convites para outros clubes e me mudei para o melhor clube do Senegal, o Jaraaf Handball Club”, recorda.
Depois de quatro anos, concluída a licenciatura, Vanessa regressou para Cabo Verde e começou a jogar num novo clube, o Seven Stars, conciliando agora o desporto e o trabalho.
Depois do Seven Stars, passou pelo ABC, antes de fazer uma paragem de cerca de três anos, por conta da gravidez e nascimento da filha.
Nova jornada em Portugal
Em 2017, Vanessa deixou Cabo Verde novamente, desta vez rumo a Portugal, onde fez o seu mestrado em direito financeiro e fiscal. “Na altura, tinha ex-colegas de clubes que já estavam em Portugal e, ao saber que eu ia para lá estudar, me comprometeram com o seu clube”, recorda.
Assim, durante pouco mais de um ano em que esteve em Portugal, integrou o Assomada, clube português da primeira divisão composto maioritariamente por cabo-verdianas. “Jogar no campeonato português foi uma experiência enorme para mim”, contou a este semanário.
Quanto aos estudos, diz que muitas vezes teve de estudar durante viagens para a Madeira e regiões do Norte de Portugal Continental, para os jogos que aconteciam nos finais de semana, mas que sempre conseguiu conciliar o desporto e a vida académica, sem problemas maiores.
“Muitas vezes tinha jogos na Madeira, viajava no sábado, jogava sábado e domingo, e eu sempre com meus livros a estudar durante a viagem, para voltar para a aula na segunda-feira. Mas, o andebol foi sempre uma inspiração para mim”, garante, acrescentando que o desporto acabava por ser uma motivação, e também uma forma de passar o tempo e de se distrair da saudade da família.
Sem conseguir permanecer em Portugal até o final do mestrado, Vanessa Moreno regressou para Cabo Verde, após um ano, e com uma mala cheia de livros, para concluir a tese, à distância.
Em Março de 2020 regressou para fazer a sua defesa e, após regresso a Cabo Verde, ocupou novamente o seu lugar no Seven Stars. Entretanto, foi na mesma altura em que o país foi assolado pela pandemia da covid-19, impedindo-a de jogar.
Campeã da Taça Presidente nos Camarões
Em Junho de 2021 regressou à activa, ao ser convocada para a Selecção Nacional Sénior, para participar dos jogos da Copa da Copa Africana das Nações (CAN) de andebol, nos Camarões, de onde Cabo Verde sai Campeão da Taça Presidente.
“Participei dos treinos de pré-selecção, éramos três guarda-redes e, mesmo com um ano sem jogar, consegui estar à altura e ganhar a confiança da treinadora portuguesa Ana Seabra. Fui a guarda-redes principal da selecção”, recorda.
Esta, segundo diz, foi uma das maiores experiências da minha vida no andebol.
Uma loucura por amor ao desporto
Essa participação foi vista, inclusive, como uma loucura entre as colegas, tendo em conta que a jovem estava a um mês do seu casamento.
“Todos ficaram espantados por eu ter coisas do casamento para tratar e com medo de eu apanhar alguma lesão antes do casamento. Mas, para mim, é uma questão de organização. Faço as coisas com antecedência, e estava lá entregue por completo, pensando no jogo”, garante.
Junto da família, diz, recebe o apoio incondicional, tanto do marido, que também foi atleta e jogador de andebol, quanto da filha, que lhe cobra sempre a melhor prestação em campo.
Válvula de escape
Quadro da administração pública, Vanessa Moreno diz que conciliar a vida profissional e desportiva não é um sacrifício.
“É um conjunto de sentimentos que, para mim, é muito prazeroso acumular. Quando saio do ambiente laboral, mesmo que o corpo esteja cansado, a mente precisa estar em campo. É uma válvula de escape. Cansativo e, ao mesmo tempo, libertador”, diz a atleta.
Futuro no andebol
“Durante algum tempo, nomeadamente na fase da minha licenciatura, comecei a colocar a hipótese de ser uma jogadora internacional. Tive, inclusive, um convite para jogar no Cercle Sportif Vesulien, da França, e propostas para me naturalizar como senegalesa e fazer parte da seleção do país. Na França, uma das condições era me inscrever numa universidade para fazer o mestrado, mas não foi possível, devida a tardia inscrição no programa Campus-France, que dificultou muito o processo. Então declinei o convite, pois, do contrário, teria de passar a época desportiva sem estudar”, explica a jovem, que passou, a partir daí, a ver o andebol como uma paixão, apenas.
Ultimamente, diz, tem assimilado a sua saída de campo, pelo menos, enquanto atleta. “Todos os anos digo que é meu último ano, que não vou jogar mais, mas depois, não consigo parar. Teve momentos em que doei todos os meus equipamentos, e depois tive de comprar novos (risos)”, confessa.
Mesmo parando de jogar, diz que vai continuar a dar o meu apoio em prol da modalidade, seja em formações, seja no corpo diretivo dos clubes, associações e federações.
Para além do trabalho e família, diz que o andebol é o seu mundo, modalidade que já a permitiu partilhar o campo com grandes nomes como Rute Fernandes e Odete Tavares, ambas campeãs de Portugal pelo Sport Lisboa e Benfica (SLB), que acabou de se sagrar campeão, neste fim de semana.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 771, de 09 de Junho de 2022