O Tribunal de Contas (TdC) não deu provimento a um pedido de auditoria ao novo mercado da Praia, mais conhecido por mercado do Coco, interposto pela Câmara da Praia, por considerar que os signatários (presidente e mais três vereadores) não têm poderes para fazer tal solicitação. Contudo, essa corte já tinha declarado nulo o contrato de empreitada para a conclusão dessa obra.
Num despacho de 11 deste mês, que A NAÇÃO teve acesso, o Tribunal de Contas decidiu não dar prosseguimento às pretensões dos signatários da denúncia/pedido de auditoria ao novo mercado da Praia, feito pelo edil Francisco Carvalho e os vereadores Kyrha Varela, Jorge Garcia e Fernando Pinto, “por não se encontrarem preenchidos os requisitos para o efeito solicitado”.
Contudo, o Tribunal de Contas decidiu dar conhecimento do processo à equipa responsável pela realização da auditoria ora em curso no município da Praia, “pela importância e relevância que as informações e documentos apresentados possam ter para a sua melhor conclusão”.
Na fundamentação da sua decisão, o TdC afirma que “o tribunal apenas realiza auditoria, seja de que tipo ou natureza for, por iniciativa sua ou a solicitação da Assembleia Nacional e não a pedido de qualquer outra entidade”.
Também levou em consideração o facto de a “pertença” denúncia/pedido de auditoria ter sido subscrita apenas pelo presidente da CMP, Francisco Carvalho, e os vereadores Kyrha Varela, Jorge Garcia e Fernando Pinto e “não pela maioria dos vereadores que o integram”.
O referido despacho sublinha ainda que as decisões da CMP enquanto órgão colegial “são nulas”, quanto tomadas sem quórum ou sem votos da maioria legalmente estabelecida (uma questão que tem marcado a presidência de Francisco Carvalho).
Derrapagem financeira
Na denúncia/pedido de auditoria ao novo mercado da Praia, Francisco Carvalho e os outros três vereadores começaram por dizer que o projecto inicial do mercado do Coco, cuja construção arrancou em 2011, rondava os 330 milhões de escudos financiados através de um empréstimo obrigacionista junto da Bolsa de Valores de Cabo Verde.
Esclareceu ainda que, em 2019, o Governo disponibilizou à edilidade um valor adicional de 350 milhões de escudos para a conclusão da infra-estrtura, no âmbito do Programa de Requalificação, Reabilitação e Acessibilidades (PRRA) e recordou que o projecto foi concebido como um espaço alternativo para alojar os comerciantes e vendedeiras do Sucupira.
“O novo mercado da Praia, que deveria ter sido concluído em 2014, terá consumido aproximadamente mais de 500 milhões de escudos, somados a outros tantos derivados de gastos em empréstimos obrigacionistas, atingindo uma derrapagem financeira ainda por apurar, revelando-se um autêntico sorvedouro do erário público”, enfatiza a denúncia.
Esta sublinha que perante essa derrapagem financeira, a actual CMP “viu-se confrontada em não avançar com as obras do novo mercado”.
E foi no sentido de “proteção dos bens patrimoniais da Nação” que a CMP endereçou a denúncia/pedido de auditoria ao TdC no sentido de impor sanções contra aqueles que “fazem uso arbitrário do património nacional obrigando-os, quando das violações legais e das práticas de infrações comprovadamente de má-fé”.
No documento, a CMP pediu ainda do ressarcimento aos cofres do públicos e outras sanções administrativas, cíveis e penais cabíveis, “isto, a partir do exame de pareceres técnicos oficiais em análises e auditorias”, o que “permite uma transparência em relação às transações com uso do erário público em orçamentos, licitações e outras acções por parte de pessoas ou órgãos do governo, a fim de prestação de contas aos praienses, proprietários legítimos deste património, fazendo valer o estado democrático de direito”.
A CMP afirmou ainda que do TdC “impõem seriedade ao cumprimento das obrigações dos servidores e agentes do Estado, na medida em que rastreia, investiga e avalia as tomadas de decisão destes quanto ao uso do dinheiro público, com a finalidade única de salvaguardar as divisas do país, residindo aí a sua indiscutível importância órgão imbuído de moralidade e do carácter fiscalizador e sancionador”.
Mas este apelo não serviu de nada, porquanto o Tribunal de Contas fez orelhas moucas à denúncia/pedido de auditoria ao mercado do Coco, interposto pela actual equipa camarária do município da Praia.
Recusa de visto do Tribunal de Contas
Em Dezembro de 2020, portanto na gestão de Francisco Carvalho o TdC havia recusado o visto ao contrato para a conclusão do mercado do Coco, no âmbito do programa PRRA, por considerar não ser competência da CMP gerir os procedimentos do concurso e de adjudicação referente à empreitada em causa.
“Sendo a ilegalidade constatada passível de declaração do respectivo concurso com fundamento nos artigos 43º, nº 2, alínea a) do Decreto-Lei nº 50/2015, de 23 de Novembro e 19º, nº1, do Decreto-Legislativo nº15/97 de 10 de Novembro e, consequentemente, do contrato posteriormente celebrado, facto esse que constitui fundamento de recusa de visto ao abrigo 44º, nº 1, alínea a) da Lei nº 24/IX/2018”, ressalva.
Mercado do Coco, “um grande problema”
Como se sabe, o mercado do Coco é um “grande problema” para as autoridades. Esse projecto vem do tempo do então edil Ulisses Correia e Silva e já consumiu muito dinheiro do erário público, sem qualquer perspectiva da sua conclusão.
Logo no início de 2020, na gestão de Óscar Santos, actual governador do Banco Central, foi celebrado um contrato de empreitada com a Elevo, na ordem dos 350 mil contos para a conclusão das obras dessa infra-estrtura municipal. É esse contrato que o TdC negou visto. Contudo, essas obras foram iniciadas, em 2019, ainda sem qualquer contrato assinado.
Uma outra ilegalidade notada nesse processo foi a contratação de um fiscal da obra por ajuste directo. Porém, esse fiscal viria a solicitar a rescisão do contrato alegando um conjunto de irregularidades por parte do dono da obra.
Como solução para o buraco financeiro que já tragou mais de 500 mil contos, o actual edil Francisco Carvalho já anunciou o desmantelamento da infra-estrutura montada, destinada ao que devia ser o Mercado do Coco, transformando um local numa eventual zona de lazer. Contudo, entre o anúncio e a realidade, prevalece por enquanto a realidade: um vasto cercado abandonado, onde não se vê vivalma.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 769, de 26 de Maio de 2022