Por: Odailson Bandeira*
Ao longo da VII Legislatura, tentou-se viabilizar ações que almejavam trabalhar, de forma faseada, a suspensão do embargo. Assim sendo, concebeu-se o decreto-lei nº 41/2010, que definiu as normas que regulariam a circulação inter-ilhas de produtos agrícolas provenientes da ilha de Santo Antão, restrito às ilhas do Sal e da Boa Vista, que consistia numa medida de carácter provisório, até que a ilha das montanhas apresentasse as condições fitossanitárias que viabilizassem a circulação de produtos para todas as ilhas, sem riscos de introdução e propagação da praga dos mil-pés.
Esta iniciativa legislativa foi acompanhada de outras ações, tais como: a) Mobilização de água, alargamento das áreas irrigadas e aumento da produção agrícola; b) O INIDA desenvolveu uma intensa investigação, focada na praga dos mil-pés; c) Construiu-se o Centro Pós-Colheita do Porto Novo; d) Capacitou-se técnicos e produtores em técnicas de cultivo e pós-colheita; e) Formou-se novos inspetores fitossanitários; f) Fez-se algum trabalho visando a organização dos agricultores; g) Definiu-se uma listagem dos produtos autorizados à circulação para as ilhas do Sal e da Boa Vista; i) Montou-se um sistema eficaz de inspeção, que culminava com a emissão do Certificado Fitossanitário de Origem…
Isto é, mesmo com constrangimentos ainda pelo meio, iniciou-se o envio de alguns produtos para as duas referidas ilhas turísticas. Havia uma VISÃO CLARA E UM CAMINHO LONGO A PERCORRER. Fez-se uma boa parte da caminhada. Porém, faltava consolidar e ligar algumas pontas soltas importantes: I) Resolver a questão do transporte marítimo entre SA-SV-Sal-BV; II) Continuar o trabalho visando a organização dos produtores (planificação da produção, escoamento e comercialização); III) Continuar a labuta árdua visando aumentar a produção hortofrutícola; IV) Prosseguir com as pesquisas e solidificar medidas eficazes até chegar à suspensão definitiva do embargo…
Infelizmente, desde 2016, este caminho foi descontinuado. O atual Governo, o Senhor Ministro do MAA e, até, os autarcas da ilha, construíram uma argumentação negativa sobre o “Centro de Expurgo”, colocando ênfase na sua “má” localização. Chegaram a falar na deslocalização do mesmo, para as proximidades do cais do Porto Novo, mas nem isso aconteceu. Portanto, após 6 anos, cabia a este Ministro, pelo menos, reativar o aludido centro, rever o plano de gestão e exploração, tomar medidas para minimizar os custos de exploração (recorrer ao uso de energias renováveis) e colocá-lo ao serviço dos produtores/comerciantes.
Uma outra medida prioritária seria montar um laboratório de referência para controlo de pragas, no seu todo, mas, especialmente, a dos mil-pés, estudando a sua morfologia e o seu ciclo de vida, as técnicas de luta integrada, através de inimigos naturais, visando diminuir drasticamente a população desta praga na ilha. Todavia, lamentavelmente, o Senhor Ministro, sempre que fala do assunto “embargo”, menciona um tal convénio com a China, cujo suposto desiderato é o desenvolvimento de atividades de investigação, e o controlo da praga. Pelo meio, vai anunciando a chegada dos especialistas chineses que, até então, se encontram nesta longa, desesperada e angustiante “viagem”, sem fim à vista.
Muitos acreditam que este embargo seja “estritamente” político. E esta tese praticamente foi confirmada através das últimas declarações do Ministro do MAA, que foi categórico ao dizer que, enquanto a praga dos mil-pés não for efetivamente controlada, não levantarão o embargo. Paralelamente, tenta explicar, de forma atabalhoada, insinuando que, estando Santo Antão “doente”, deve ser isolada para não “contaminar” as outras ilhas. Uma comparação infeliz!
Como “solução milagrosa”, este governante sugere que a aposta deve ser feita na transformação dos produtos. É certo que, esta sugestão pode ser uma via alternativa para atenuar os impactos desta “castração” económica a que a nossa ilha foi avassalada, por tempo indeterminado. Mas isto não pode ser apenas “palavras soltas” jogadas ao vento, em conversas de ocasião. Para que isso seja uma realidade, devem ser definidas políticas e implementados projetos sólidos, visando alcançar este propósito.
Após 40 anos, não é aceitável, e nem é sério, que um Ministro da Agricultura solicite calma e paciência aos agricultores de Santo Antão. Os santantonenses são um povo calmo, paciente e resiliente. Entretanto, quanto a este assunto, não podem continuar tão acomodados, e apenas esporadicamente, adoçados pelos discursos dos governantes que visitam a ilha, lá se ouve um “gritinho” ténue de revolta.
Dito isto, a ilha de Santo Antão não pode ficar perpetuamente isolada e proibida de aceder ao mercado nacional, relativamente à comercialização dos produtos agrícolas. O tempo nos tem mostrado que os governantes não nos levam a sério, tendo em conta que, dado às potencialidades da ilha, a problemática dos mil-pés/embargo deveria merecer uma prioridade primordial ao nível do Estado.
Atualmente, para além de criar um grupo de pressão, ao nível técnico e multidisciplinar, Santo Antão deve “esquecer” o governo central, olhar para dentro de si, e procurar criar/desenvolver soluções alternativas para este problema. As autoridades da ilha devem pensar “GRANDE” e, por exemplo, cogitar a possibilidade de se criar/desenvolver uma grande empresa privada, ou público-privada, que se ocuparia do tratamento, transformação, acondicionamento, embalagem e comercialização de produtos como a banana, a papaia, a manga, os citrinos, a mandioca, o inhame, a fruta-pão, o café, o queijo, o grogue, o feijão congo, o cabrito, etc. Isto é, criar nichos de mercado e desenvolver fileiras e/ou cadeias de valor, suportadas por uma marca dos produtos agropecuários de Santo Antão, associada a uma forte e eficaz estratégia de comunicação. Outrossim, o foco na certificação, voltada para a grande indústria, de acordo com as normas ISO, nos abrirá portas para o mercado hoteleiro nacional e até para o mercado internacional.
Tudo na vida começa de um início. Santo Antão tem técnicos competentes na ilha e espalhados pelo país e na diáspora, que podem pensar a ilha, elaborar projetos, montar a engenharia financeira, e mobilizar os recursos necessários, não só junto de empresários santantonenses, mas também junto de organismos internacionais (aí pode entrar em campo a nossa política/diplomacia externa), tais como o Banco Mundial, a FAO, a UE, a Cooperação Luxemburguesa (com muito boa relação com a nossa ilha), a Embaixada dos EUA, entre outros.
Como alguém já disse, se continuarmos a esperar pela boa vontade do Governo da Praia, o embargo não terá fim à vista, e não podemos continuar a olhar para o céu à espera da solução que, ao que parece, está no segredo dos deuses. Portanto, já é tempo de mudarmos tudo aquilo que deve ser mudado, a bem da nossa ilha.
*Engenheiro-agrónomo
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 761, de 31 de Março de 2022