Por: José Sanches
Hoje, mais do que nunca se fala de delinquência juvenil, do abandono escolar, de uma sociedade agressiva, de insegurança, de desemprego jovem e de um país com alta taxa de aprovação nas escolas secundárias, contudo, com baixa taxa de saber fazer e de empregabilidade dos nossos jovens. Porque será? Estamos preocupados excessivamente com a educação e a formação para as estatísticas ou para o mercado, a transformação social e mudança de paradigma social? As nossas escolas e centros de capacitação estão adequadas a realidade atual ou estamos perante escolas criadas para alunos do século XIX e XX e estamos na era da globalização, do 5G, das TIC’s e em pleno ‘século’ das mudanças e transformações tecnológicas que implica necessariamente mudanças e transformações sociais, políticas e económicas?
Eis que trago para a nossa reflexão alguns pontos que demanda uma tomada de posição, de medidas e de políticas assertivas, conducentes a mudanças de mentalidade e reprodução ou melhor a construção de uma sociedade que seja o reflexo de novas atitudes pessoais e familiares estruturais e pronto a proporcionar autonomia individual face ao poder de um estado que muitas vezes se posiciona como ‘Estado Providência’. Senão vejamos:
1 – Em Cabo Verde, é hora de refletirmos e perguntarmos onde estão os milhares de jovens que sairão das escolas secundárias via Câmaras Municipais, para a formação profissional em Portugal e noutras paragens. Há uma estatística do sucesso ou insucesso destes jovens? Há um recenseamento ou acompanhamento por parte das autoridades locais e nacionais onde estes jovens encontram, o que fazem e qual é a contribuição que têm dado para Cabo Verde, os seus municípios ou outros países. Será que não contribuíram apenas para engrossar a fileira de emigração ilegal? Outrossim, já pensamos que estes jovens saem de Cabo Verde para fazerem formações que são ministrados aqui nos nossos centros de formação profissional, com alto grau de empregabilidade e estabilidade familiar e que tanta falta faz ao país? Sem estarmos a meditar na tão propalada facilitação de vistos que mais não seja do que uma afronta às famílias e aos jovens que em novembro, dezembro, janeiro, fevereiro, março e abril, encontram-se em filas enormes na Embaixada de Portugal esperando o visto.
2 – Tem se falado do aumento de taxa de aprovação nas Escolas secundárias. Parabéns! É um dado muito importante o que reflete uma aposta ganha na formação e capacitação dos docentes, no apetrechamento das Escolas Secundárias e na autonomia das famílias, reconhecendo que o maior investimento a fazer nos filhos é na educação e formação. Se o aumento das taxas de aprovação é um ganho, tal fato não reflete nas estatísticas em termos de qualidade dos nossos jovens no final do ensino secundário. Muitos revelam pouca capacidade em comunicação escrita e oral, fraca capacidade de análise de conteúdos e de pensamento abstrato, bem como, baixo nível de conhecimento geral. Esta conclusão advém do fato de termos mudanças repentinas no curriculum, da diminuição da carga horária em disciplinas nucleares, do pouco hábito de leitura e de análise de textos por parte dos jovens da era digital, da cultura do facilitismo e de consulta exagerado no / do Google sem a capacidade de fazer síntese daquilo que se consulta, de pouco acompanhamento por parte dos país e encarregados de educação e de achar que educar é proporcionar todos os materiais didáticos e bens matérias que os educandos precisão. Nada mais falso! Falta uma cultura de educar para valores e princípios que a sociedade moderna carece e que muitos teóricos dizem que a “A Escola é parte de reprodução social”. Podemos acrescentar ainda a inexistência de formação contínua ou de programa de capacitação permanente dos docentes.
3 – Eis que a sociedade Cabo-verdiana deve rever no dizer do antropólogo Belga, Joseph Gevaert, quando este cita Scheler, dizendo o seguinte: “Nenhuma época soube conquistar tantos e tão variados conhecimentos sobre o homem como a nossa época. Contudo, em nenhuma época se tem conhecido tão pouco o homem como a nossa. Em nenhuma época o homem se fez tão problemático como a nossa.” Porque a referência a teóricos para analisar a evolução da sociedade Cabo-verdiana, neste tempo de tantos avanços? Hoje, penso que é momento de refletirmos porquê TANTOS AVANÇOS NA FORMAÇÃO E NA CAPACITAÇÃO dos Recursos Humanos, embora possamos aceitar algumas fragilidades, o nível de criminalidade urbana e juvenil aumenta de forma gradual, tornado o clima de insegurança generalizada nos grandes centros urbanos. A formação deve proporcionar melhores condições de vida e uma sociedade moderna livre, onde a culta de paz, tranquilidade e sossego seja o padrão de identificação de um povo e nunca algo que se consegue por uma miragem. Sabe-se que as escolas secundárias hodiernas se debatem com problemas de insegurança gritante, onde alunos levam armas brancas e não só e onde os professores têm medo de enfrentar determinados alunos chamados de indisciplinados, porque senão terão consequências.
4 – Uma consequência que advém da insegurança nas escolas e centros de ensino é o aumento da população prisional, do desemprego, do consumo de álcool e outras drogas bem como de um estado que diariamente investe mais nos hospitais, prisão, polícia e agentes de segurança, quando deveria estar a investir em escolas, portos, aeroportos, aumento de bolsas de estudo, propinas entre outras medidas sociais. Mais do que falar na delinquência, da insegurança, do desemprego, urge questionar se atualmente a forma como o estado por omissão de medidas estruturais, as famílias, as ONG, as Igrejas têm abordado tal problemática se coadunam com as medidas a adotar? O Estado tem sido severo nas medidas adotadas? As famílias têm sido responsabilizadas perante o falhanço na educação dos filhos? Porque nem tudo deve ser da responsabilidade do Estado, das ONG e das Igrejas. Acredito que uma boa parte do insucesso na educação deve-se a responsabilidade familiar. A máxima que orienta a educação religiosa e moral deve ser adotada por todas as famílias: “A família é a célula base da sociedade”.
5 – Na modernidade, em termos de investigação na educação, a tese que domina é a de Armadilha das Oportunidades. Ou seja, desde muito cedo as famílias foram incutidas pelo estado ou pelo discurso político de que a melhor forma de ascender socialmente é investir na educação. Quando os filhos chegam ao ensino secundário os empregos bem remunerados já só será possível com a graduação superior, por sua vez, quando se termina a graduação superior, os empregos bem remunerados exigem requisitos que já não existem nos estabelecimentos de ensino e formação. Os empregos que se convencionou chamar como fatores de ascensão social e de transformação da sociedade são acedidas por outros critérios não convencionais. As formações superiores deixam de ter uma relação direta com o trabalho. Daí surgirem na Europa e na América latina, movimentos de revolta de rua contra esta armadilha das oportunidades. A pergunta que não se cala hoje em Cabo Verde é: como estamos nesta matéria? Como está a nossa sociedade em relação a ligação direta entre a formação, a ascensão social e a transformação da sociedade? Continuaremos esta reflexão no próximo artigo.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 764, de 21 de Abril de 2022