Nereida de Carvalho Delgado, 36 anos, é licenciada em Biologia Marinha e Pescas, mas, por o teatro ser a sua primeira paixão, fez um mestrado nesta área e pretende agora desenvolver um projecto de teatro comunitário, em alguns bairros da Praia. Como afirma, esta é uma urgência em Cabo Verde.
Bolseira da Procultura, programa do Ministério da Cultura, Nereida Delgado realizou o seu mestrado em teatro, na Universidade de Évora, onde defendeu, em Março, a tese “Teatro Comunitário – Ensino de Teatro e Cidadania”.
A investigação, como diz, centrou-se nos pressupostos de Augusto Boal, célebre dramaturgo e encenador brasileiro, que introduziu o teatro nas camadas menos favorecidas do Brasil, através do chamado “teatro do oprimido”, género que procura estimular a discussão e a problematização de assuntos políticos, sociais, éticos e estéticos, entre outros.
Uma carreira no teatro
Nereida Delgado começou seu percurso nas artes cénicas em 2005, no Fladu Fla, conhecido grupo de teatro da Praia, tendo tomado parte em várias iniciativas e espectáculos. Nisso inclui a sua participação no Mindelact, bem como no Tearti, Somá Teatro, e ainda actuações nas festividades da Noite Branca, na cidade da Praia.
Em termos pessoais, com a experiência da Universidade de Évora, diz sentir-se “mais evoluída”, “com a mente mais aberta e sede de conhecimentos”. E que, diante disso tudo, vislumbra agora outros palcos para continuar a realizar os seus sonhos.
“Gostaria de um dia conhecer e participar no ‘FITO’, Festival Internacional do Teatro do Oprimido, onde grupos de todas as partes do mundo se encontraram no Rio de Janeiro, para apresentarem as suas peças, criadas com os métodos do Teatro do Oprimido, de Augusto Boal”, afirma com entusiasmo.
Ainda neste âmbito sonha trabalhar sobre “o papel da mulher na luta pela independência” de Cabo Verde. “Ao meu ver, não se tem dado o devido valor à forma que as mulheres intervêm, tanto na luta armada em si como em outras frentes na luta pela libertação nacional”.
Comunidades
Segundo a autora “Teatro Comunitário – Ensino de Teatro e Cidadania”, este desenvolveu-se sob forma de oficina de expressão e criação teatral, ao longo de quatro meses, com vista ao fortalecimento da relação criativa e de cumplicidade com os membros da comunidade, a partir de práticas teatrais colaborativas, que possibilitam “trazer para a cena as suas vivências e seu quotidiano”.
“Em Cabo Verde, mesmo que de forma tímida, o teatro comunitário vem ganhando espaço, mas ainda carece de um aprofundamento e de uma reflexão que confira mais qualidade e intencionalidade às práticas desenvolvidas”, salienta a nossa entrevistada.
“De momento estou a trabalhar com a comunidade de Eugénio Lima e pretendo retomar a iniciativa na Achada Grande Trás”, adianta.
Para Nereida, o teatro é uma das expressões artísticas mais reflexivas existentes, justamente, “porque os actores precisam estar de corpo presente e em dialéctica com o público”, por isso também, nas oficinas, ensina alguns pressupostos básicos para qualquer trabalho teatral, tais como: o que quero fazer? Qual a mensagem ou reflexão que se pretende impulsionar? Qual o público alvo e o objetivo a longo ou curto prazo da peça?”…
Uma urgência
Nereida confessa, entretanto, que o desafio de levar a cultura do teatro às comunidades não tem sido fácil, tendo em conta, nomeadamente, a falta de meios financeiros e materiais, a inexistência de espaços adequados, e principalmente o trabalho de desconstruir a ideia de que o teatro é somente para rir.
“O teatro comunitário surge como uma urgência, para as comunidades terem a oportunidade de fazer ouvir as suas várias vozes, diferentes com certeza, mas todas com extremo valor e, assim, terem também a chance de exprimir seus anseios, conhecimentos e experiências vivenciadas”.
Para os próximos tempos, Nereida Delgada espera poder publicar, em formato de livro, a sua tese e ministrar oficinas de curta duração, workshops, rodas de partilhas e outras actividades, bem como continuar a estudar e pesquisar o teatro nas comunidades.
Desta forma, Nereida acredita que os diálogos e as partilhas que se estabelecem, a partir desses encontros e ensaios teatrais, não podem ser substituídos, dando possibilidade às pessoas de se comunicarem e se divertirem através do teatro. “Trabalhar o teatro nas comunidades é conferir voz e vez a uma franja da população, que, muitas vezes, é marginalizada, posta de lado e não escutada”, conclui.
Por: Tiana Silva
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 766, de 05 de Maio de 2022