Carlos Jorge Fortes Silva, “Ralão”, fundador do Vólei Farense, clube de São Vicente, defende que o discurso de que não há recursos financeiros para as infraestruturas desportivas não pode mais ser utilizado como “desculpa”. Nem pelo Governo nem pelas câmaras municipais. Referindo-se ao caso de São Vicente, não tem dúvidas: “A situação é uma lástima”.
Carlos Jorge Fortes Silva, 49 anos, é um ex-jogador de futebol e voleibol. É fundador e treinador do time de voleibol do Farense, nas categorias mini e sénior. Formado em engenheira de máquinas, lecciona a disciplina de física na Escola Secundária Jorge Barbosa há 19 anos. Entretanto, conforme conta ao A NAÇÃO, por ser amante do desporto, nunca se desligou do sector. Isto é, fez formações de treinador nível um e dois, gestão desportiva, arbitragem e muitas outras formações, todas, ligadas ao voleibol.
Time Voleibol Farense
Como também refere, a ideia de fundar o time de Vólei do Farense resultou, primeiramente, de um acordo entre a Federação Cabo-verdiana de Vólei e a Confederação Africana de Vólei, que tinha como propósito co-financiar projectos de mini vólei em todo o continente, mas, posteriormente, esse apoio foi suspenso, mas nem por isso desistiu.
“Eu era jogador veterano de futebol no Farense, então, decidi apresentar a ideia ao presidente depois de terem suspendido o apoio da Confederação Africana de Vólei, o presidente aceitou desde que eu coordenasse o time, com base nisso, prosseguimos e actualmente tenho apoio do treinador Miguel Alves e adjunto a capitã Jacira Monteiro”.
Em 2015, nasceu o time feminino de mini-vólei do Farense que compreende crianças dos 6 aos 14 anos, bem como a equipa sénior, em 2016, formada por jovens dos 15 aos 18 anos. Um projecto que, como afirma, foi bem aceite e acredita que tem vindo a fazer sucesso, embora não terem tido ainda a oportunidade de irem para campeonatos nacionais devido à pandemia da covid-19.
Falta de infraestruturas desportivas
No ponto de vista do entrevistado do A NAÇÃO, a falta ou a melhoria de infraestruturas desportivas no país vem condicionando e até inviabilizando o desenvolvimento de profissionais na área do desporto. Aponta como exemplo a situação particular de São Vicente, que considera uma “lástima” e, em alguns casos, em claro contraste com o que se passa noutros pontos do país, particularmente a cidade da Praia.
“Em São Vicente a situação das infraestruturas desportivas é uma lástima, há muito por fazer. No campo de Chã de Alecrim, houve um muro que caiu e até hoje nunca foi consertado, o campo de Bela Vista está fechado há muito tempo, o pavilhão na zona norte há dez anos que está a ser construído, não há um campo relvado com iluminação, exceptuando o Centro de Estágio e o Campo Novo. Noutras ilhas, todos os campos relvados em bairros têm iluminação e horário de utilização mais alargado. A cidade da Praia é um exemplo, todos os campos relvados têm iluminação com horário alargado de funcionamento”.
Para Ralão, não estranha por isso que São Vicente esteja a perder a competitividade desportiva que chegou a ter noutros tempos. Do seu ponto de vista, “o que falta é um Estado, uma Câmara comprometida verdadeiramente com o desporto e que ajude os clubes a fazerem o seu trabalho”.
“O desporto não é levado a sério em Cabo Verde pelos nossos dirigentes”, continua no seu desabafo. “No caso de São Vicente temos uma Câmara Municipal praticamente inoperacional em relação ao desporto. Se reparamos, a maior parte das pessoas que se dedicam ao desporto estão no regime de voluntariado, ou seja, é gente que, ao invés de gastar duas ou três horas do seu tempo com a sua família ou desenvolverem outras actividade e terem um rendimento extra, dedicam esse tempo ao desporto porque amam esta actividade”.
Ralão acredita que Cabo Verde “tem excelentes condições para avançarmos no desporto, como o biótipo apropriado, e cada vez mais pessoas a gostarem e a formarem nesta área”, mas esbaram, infelizmente, na ausência de uma política acertiva para o sector.
Nisso, as suas críticas são dirigidas tanto para o Governo como para o poder local. “A falta de recursos financeiros para as infraestruturas desportivas já não pode mais ser utilizado como desculpa. Querendo, com uma política mais atenta e virada para o desporto, o dinheiro haveria de aparecer”, conclui.
Desporto nas escolas
Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística o concelho de São Vicente, comparado com alguns dos outros concelhos do país, possui percentagens baixas no que diz respeito à prática do desporto. Este é um quadro que, no dizer de Ralão, se repete tanto nas escolas como em federações/competições.
Aquele activista desportivo acredita, igualmente, que as mudanças (ou melhorias) deveriam começar pelas escolas. Estas deveriam ser dotadas de condições para a prática do desporto, até porque, como diz o ditado popular, “de pequenino se torce o pepino”.
Para colmatar este problema, Ralão aponta a Escola Secundária Jorge Barbosa como uma referência, uma vez que, com poucos recursos e com estabelecimento de parcerias, tem vindo a “esforçar” para mudar o cenário pouco animador existente no sector.
“Actualmente a ‘Jorge Barbosa’ possui um pavilhão que funciona praticamente todos os dias, das 07 às 23h00. Conseguimos colocar 10 projectores led no pavilhão e em parceria com a Federação Internacional de Voleibol, através de Federação Cabo Verdiana, conseguimos um piso sintético novo, sendo esta a segunda escola de Cabo Verde a receber um piso sintético”, diz.
Tal facto, segundo Ralão, comprova que, com vontade, esforço e dedicação, é possível ir longe no desporto, mas que primeiro é preciso “apostar nas condições básicas”, algo que nem sempre se vê, nomeadamente, em São Vicente.
Por: Louisene Lima
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 763, de 14 de Abril de 2022