Por: Odailson Bandeira*
Santo Antão, no contexto Cabo-verdiano, é uma ilha com vocação agrícola por excelência, dadas as suas características endógenas propícias para a prática da agropecuária, desenvolvimento do agronegócio e aumento da produtividade.
Tais características endógenas, nomeadamente: diferentes microclimas, solos férteis e alguma disponibilidade de água (superficial e subterrânea), fazem com que a propensão da ilha seja a agricultura, a pecuária, a transformação agroalimentar e o turismo de natureza e/ou montanha. A especificidade da ilha, com águas correndo nas ribeiras, culturas de cana sacarina, hortícolas, tubérculos, raízes, fruteiras diversas (bananeira, mangueira, papaeira, citrinos…) e de outros produtos, resultam na diversidade da produção e constituem a sua maior riqueza.
Por outro lado, a agricultura de sequeiro, também, é uma atividade muito importante, embora dependente da chuva. É um tipo de agricultura que ocupa uma vasta área, mas é muito centrada no cultivo do milho, feijão, abóbora, batata doce e batata comum.
A agroindústria (produção de grogue) e a transformação agroalimentar (doces, licores, sumos naturais, concentrados e polpas de frutas, queijo, enchidos, café torrado e moído, etc.), também representam pilares importantes no agronegócio e na economia local. Igualmente, o agroturismo e a comercialização de insumos agrícolas, são sectores em expansão e, a cada dia, com maior relevância.
Neste quadro, pode-se afirmar que a agricultura e a pecuária são atividades viáveis, porém é preciso que sejam ultrapassadas algumas barreiras que bloqueiam a economia agrária na nossa ilha. Neste sentido, tenho que concordar com o Sr. Presidente da Câmara Municipal da Ribeira Grande de Santo Antão, quando numa recente entrevista concedida à Rádio Nacional, disse que “A Agricultura é uma arte de empobrecimento dos nossos agricultores”. Entretanto, eu acrescentaria algo mais na frase: A agricultura é uma arte de empobrecimento dos nossos agricultores, quando somos governados por políticos pobres de visão holística e estratégica.
Ora, é claro e cristalino que, sem a água, sem o acesso ao solo, sem o acesso ao mercado, sem o financiamento, sem estratégias de comercialização e marketing dos produtos, sem uma devida organização dos produtores agropecuários e nem uma aposta forte na inovação tecnológica, a agricultura e a pecuária, enquanto atividades económicas, ficam estranguladas e gera um mar de prejuízos para os teimosos e esperançosos homens e mulheres da terra.
Neste quesito, o principal desafio da nossa ilha é a planificação e organização estratégica. No que diz respeito a planificação, os santantonenses defendem que a ilha deve ser pensada no seu todo, numa lógica em que o Estado deve definir as linhas orientadoras a nível macro, de acordo com as potencialidades e vocações da ilha e, posteriormente, as autoridades locais deverão liderar o pensamento, que passa pela definição de projetos impactantes e a implementação dos mesmos. Essas ações devem ser lideradas pela Associação dos Municípios de Santo Antão e pelo Gabinete Técnico Intermunicipal (GTI). Portanto, é preciso a concentração de esforços e sinergias, formando equipas multidisciplinares e valorizando cada técnico, de acordo com as suas competências e habilidades, visando pensar o desenvolvimento de Santo Antão. Assim sendo, o GTI terá um papel preponderante, sendo certo que este Gabinete, que já foi muito importante para a nossa ilha, terá que passar por uma nova reorganização e reestruturação em termos de orgânica, reforço institucional, recursos humanos e recursos financeiros. O foco deverá ser o planeamento a médio-longo prazo, centrado na ilha e nas suas potencialidades.
Por outro lado, a questão da mentalidade representa uma outra barreira de fundo, porque encontra-se enraizado pela via de hábitos e costumes de ordem tradicional e histórica, onde a atividade agropecuária é vista como uma atividade para pobres. Ou seja, as pessoas e as autoridades locais/nacionais continuam a olhar para este sector, como sendo uma atividade de subsistência. Logo, não investem como deve ser, quer em termos de recursos, pesquiza aplicada, inovação, tempo e dedicação. Em termos de inovações, por exemplo, a rega gota-a-gota tal como a diversificação de culturas, ainda enfrentam muita resistência por parte dos produtores. A rega por alagamento e a monocultura da cana sacarina continuam sendo uma realidade e tem sido muito complicado mostrar-lhes a importância de apostarem na horticultura e fruticultura. Ou seja, na nossa ilha, ainda, são poucos os que olham para a agricultura ou a pecuária como atividades produtivas e que podem gerar riquezas. Ainda faltam-lhes olhar para este sector como um verdadeiro negócio. Outrossim, é preciso continuar a trabalhar a vertente do empreendedorismo, educação empresarial e comportamental. Nesta ótica, é imprescindível que seja implementado um plano de formação, informação e sensibilização destinada a classe camponesa, através de campos-escola e campos demonstrativos, por forma a mudar de paradigma e que os nossos produtores possam estar mais abertos a inovações, mas também, orientados para adotar hábitos empresariais no verdadeiro sentido da palavra.
Um outro “colete de forças” que a ilha de Santo Antão foi submetida há já cerca de 40 anos é o maldito embargo dos seus produtos agropecuários. Todos sabemos que Cabo Verde é um pequeno arquipélago, e por si só, esta característica faz com que o seu mercado seja minúsculo e fragmentado. No caso particular de Santo Antão, a situação ainda é bem pior, tendo em conta que a referida ilha tem sido afetada por uma praga quarentenária denominada “praga mil-pés” que compromete, gravemente, a produção agrícola local. Esta problemática remonta à década de 80 (ano de 1984), quando o Governo, com o objetivo de evitar a sua propagação, decretou, através da portaria nº 58/84, um embargo à circulação de produtos agrícolas provenientes de Santo Antão e São Vicente, para as restantes ilhas. Embora tal medida governamental visasse a segurança alimentar nacional, esta teve um impacto extremamente negativo para os agricultores da região. Portanto, são já quase 4 décadas em que os agricultores da referida região, estão a ser castigados com este amaldiçoado embargo. Logo, é preciso coragem política e a audácia necessária para a resolução desta situação madrasta de uma vez por todas, isso porque caso a situação prevalecer, a economia da ilha será asfixiada até a morte, uma vez que a sua base produtiva é o sector primário (agricultura e pecuária).
Continuamos a defender que o sustento está no campo e se a nossa ilha não for, completamente, estrangulada pelas autoridades locais e pelo governo central, no que diz respeito à atividade agropecuária, a base da nossa economia será sempre a agricultura, associada à pecuária e ao turismo.
*Eng.º Agrónomo
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 759, de 17 de Março de 2022