“Comandante Pedro Pires: Memórias da luta anti-colonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde”, livro editado pela Fundação Getúlio Vargas do Brasil, é lançado hoje, na cidade da Praia. Esta obra apresenta, na primeira pessoa, a vida deste combatente e estadista, passando da sua infância na ilha do Fogo, guerra anti-colonial na Guiné-Bissau, à construção da República de Cabo Verde.
O livro, resultado de horas de conversa entre o combatente e estadista Pedro Pires e uma equipa de investigação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), liderada pelo professor brasileiro Celso Castro, constitui um longo processo de recolha da história-de-vida desta figura do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e de Cabo Verde.
Depois de publicado no Brasil, “Comandante Pedro Pires: Memórias da luta anti-colonial em Guiné-Bissau e da construção da República de Cabo Verde” chega agora a Cabo Verde, com apresentação marcada para esta quinta-feira, 31, às 17h30 na Assembleia Nacional.
Importância do interesse da Fundação Getúlio Vargas
“O interessante é que este trabalho é editado pela Fundação Getúlio Vargas, uma fundação bastante respeitada no Brasil, um dos melhores que se interessou em publicar este livro que não é bem uma das minhas memórias, mas sim uma parte dela”, observou Pedro Pires em entrevista ao A NAÇÃO.
“A Fundação Getúlio Vargas tem um departamento de história onde faz recolhas para a elaboração da história ou das memórias através do diálogo com uma pessoa ou protagonista. O facto de eles interessarem por esta parte da história africana, baseado nas minhas memórias, deixa-me feliz e satisfeito”, confessou o também ex-Presidente da República de Cabo Verde.
Para este que foi um dos líderes da luta anti-colonial em África, a presente obra publicada no Brasil tem um significado diferente da sua publicação em Cabo Verde, porquanto a sua difusão é “muito maior” nesse país da América do Sul.
“Foi uma instituição estrangeira que se interessou em publicar o meu percurso político”, sublinhou.
História africana baseada em memórias de Pedro Pires
Segundo Pedro Pires, uma parte do livro aborda a sua participação na luta pela libertação e, a outra, a sua intervenção como político e estadista em Cabo Verde.
“Trata das duas coisas, ou seja, a vida que fiz na luta e a minha intervenção como chefe do Governo e depois como Presidente da República. Não tenho dados sobre o interesse que despertou no Brasil, mas o facto de tudo isto ser contado neste país e neste contexto diferente, creio que aí é que está a sua importância”, explicou.
Pires acredita que o livro deixa os brasileiros, público ao qual é primeiramente destinado, com uma ideia da independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde.
“Através das minhas declarações conhecem um pouco mais esta parte da história da libertação em África. Aqui, a pessoa que conta a história pode ser importante mas, o mais relevante é a luta pela independência que se conseguiu e toda a batalha que se fez pela viabilização do país, referindo-se às dificuldades, aos problemas encontrados e ultrapassados ao longo do caminho”, explicou.
Pedro Pires considera que esse livro, organizado pelo professor Celso Castro, é de fácil leitura já que “qualquer um pode ler e entender este trabalho em poucos dias, dando a ideia do percurso que fiz enquanto combatente da liberdade da pátria e enquanto homem de Estado”.
Referências à figura de Amílcar Cabral
Como não podia deixar de ser, as memórias sobre luta anti-colonial na Guiné-Bissau e sobre a construção da República de Cabo Verde do combatente e então primeiro-ministro (1975-1991) e Presidente da República (2001-2011), naturalmente fazem referência à figura de Amílcar Cabral considerado como o ideólogo e pai das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde
“O livro fala das nossas relações, a forma como vejo a contribuição de Amílcar Cabral para a libertação de Guiné Bissau e Cabo Verde e também de África”, refere.
A obra de 213 páginas encontra-se dividida em 11 capítulos, começando pela infância de Pedro Pires, na ilha do Fogo, a sua passagem por Portugal, a luta armada na Guiné-Bissau, o assassinato de Amílcar Cabral, a independência nacional, a sua eleição como primeiro-ministro, a sua derrota eleitoral em 1991 e, finalmente, os seus mandatos na Presidência da República, dando assim, como afirma o Comandante, “um golpe de vista sobre os vários momentos da minha vida”.
Lançamento com presença de Pedro Pires e do autor
Depois de lançado no Brasil, em Abril de 2021,a obra vai ser apresentada hoje, às 17h30, na cidade da Praia, com a presença do Comandante Pedro Pires e do autor, Celso Castro.
Esse lançamento em Cabo Verde, visto como mais um contributo para a história do país, só acontece agora, conforme explicou Pedro Pires, por causa da pandemia.
“O autor estava à espera de uma oportunidade para vir cá e ser ele a lançar a obra. Por isso, não quisemos avançar com nada. Sendo possível agora, avançamos para o acto que considero de boa vontade por parte do autor Celso Castro”, justificou Pedro Pires.
“Memórias de Pedro Pires” ainda este ano
Partindo do pressuposto de que as entrevistas nunca são completas, Pedro Pires diz que tem em andamento a escrita das suas memórias, facto que lhe confere a necessária autonomia de escrever a sua própria história. Uma parte dessas memórias pode ser lançada ainda este ano.
Essas memórias contemplam dois volumes mas o Comandante vai logo explicando que não se trata de uma história sobre todo o acontecido, mas sim “sobre a minha participação, numa perspectiva de valorizar o combate que foi extraordinário em que tenho que valorizar e colocar à disposição para apreciação dos leitores e historiadores”.
“Não é uma recolha de dados mas sim uma visão pessoal”, esclareceu, sobre o período em apreciação.
Volume sobre Guiné-Bissau praticamente feito
“Estou a tentar fazer uma coisa mais completa, escrita por mim, sem ser escritor. Estou a tentar escrever as minhas memórias de como vejo a minha participação na luta pela libertação”, contou, revelando que o primeiro volume do livro, que é sobre a Guiné-Bissau, está praticamente feito.
“Fica a faltar a revisão e a arrumação, entre outras coisas que preciso ver com os meus colaboradores para a sua forma definitiva. Mas, o que depende de mim está feito”, avançou sobre a obra que pretende apresentar ao público ainda este ano.
Histórias ainda não contadas
Pedro Pires garante que os dois volumes terão histórias que ainda não foram contadas ou que são conhecidas por um grupo restrito de pessoas, como acaba por ser normal em situação do género.
Um tema incontornável é o assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1973, numa altura em que ele, Pedro Pires, encontrava-se no interior da Guiné.
“Traz as coisas em relação às quais as pessoas não falam, entre elas, o assassinato de Amílcar Cabral. Para além do ‘lado trágico da luta’, as minhas memórias trarão o ‘lado épico’ que são as vitórias, a conquista da Independência”, referiu ainda sobre a obra que de uma forma geral pretende “mostrar o percurso no sentido de o valorizar”.
Valorização da luta de libertação
Pedro Pires considera que a luta de libertação é uma conquista heróica que deve ser valorizada pelas sucessivas gerações. A questão, conforme alerta, é o uso que se faz desta conquista.
“O facto de haver muitos problemas actuais na Guiné-Bissau não desvaloriza, de maneira nenhuma, o que foi a luta pela sua libertação. Recebeu-se um património, uma luta que eu considero heróica, mas a questão é o uso que fizemos disto. Pois, a conquista e o uso da conquista são duas coisas diferentes porque não são as mesmas pessoas e a mesma geração”, concluiu,
Enriquecimento da história da luta de libertação dos países africanos
Fora deste projecto editorial, Pedro Pires revelou que faz ainda parte de um trabalho com historiadores a nível dos PALOP para enriquecer ainda mais a história da luta de libertação dos países africanos. Sem entrar em mais detalhes diz que o trabalho já está em andamento e que será uma mais-valia que completará, ainda mais, a história recente de Cabo Verde e da Guiné-Bissau.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 761, de 31 de Março de 2022