Marco Cruz, proprietário da Prosol, empresa sediada em São Vicente, está a desenvolver o programa “101 biodigestores” para a produção de biogás no meio rural. A seu ver, esta pode ser uma alternativa importante ao combustível fóssil cujos preços voltam a disparar em flecha nos mercados internacionais com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
Marco Cruz, 44 anos, formado em engenharia mecânica, proprietário da Prosol, quer levar o biogás a todos os cantos deste arquipélago. A partir de São Vicente, onde actua, tem em curso algumas experiências bem-sucedidas desse combustível retirado de matérias orgânicas, à mão de semear em qualquer ponto do país.
Como advoga, além de barato, trata-se este de um combustível mais amigo do ambiente do que a chamada energia fóssil (gasolina e gasóleo, por exemplo), sem falar na lenha.
Criada em 2014, a Prosol, empresa de Marco Cruz, presta serviços de instalação e montagem de sistemas renováveis, principalmente painéis solares ou fotovoltaicos em residências, empresas e indústrias.
Actualmente, emprega dois trabalhadores e conta com outros três colaboradores eventuais, portanto, para os padrões de Cabo Verde, uma pequena unidade empresarial, mas com potencial de crescer.
Preocupado, de resto, com o meio ambiente, o entrevistado do A NAÇÃO resolveu expandir e diversificar o seu negócio, tornando-se num produtor de biogás.
O biogás, como explica, “é um gás biológico derivado de uma mistura de gases, nomeadamente metano, CO2, e outras componentes, sendo o metano o mais importante. Este gás é obtido através de excrementos de animais. As bactérias desenvolvem-se com a ausência do oxigénio transformando-se em gás natural”.
Boa alternativa
Num país altamente dependente, ainda, da energia fóssil, Marco Cruz acredita que o biogás, a par da energia eólica e solar, pode constituir uma boa alternativa energética, sobretudo nos meios rurais de Cabo Verde.
“Com poucos recursos pode-se instalar biodigestores em todo o meio rural do arquipélago; as nossas experiências, em São Vicente, estão a funcionar com bons resultados, a meta agora é replicar a mesma ideia noutras ilhas, nomeadamente, Santo Antão, Santiago, Fogo e São Nicolau”, afirma.
Os custos da instalação de um biodigestor, adianta o nosso entrevistado, podem variar, consoante a dimensão desse mecanismo e da matéria orgânica a converter em gás, mas, grosso modo, poderão andar à volta de 200 mil escudos ou pouco mais.
Para o efeito, Marco Cruz concebeu já um programa destinado a esse fim – “101 Biodigestores para o mundo rural”– , no que espera poder contar com outros parceiros, nomeadamente, o Governo, câmaras municipais e demais interessados.
Para o nosso interlocutor, esta iniciativa surge como um desafio e uma forma de explorar recursos que o país tem disponíveis, diminuindo, com isso, a nossa grave dependência dos combustíveis fósseis.
Isto sem falar da redução dos impactos ambientais provocados pela produção clássica de electricidade através do fuel, por exemplo.
“As vantagens do biogás são inúmeras”, assegura Marco Cruz, apontando, uma vez mais, como exemplo, o que já conseguiu junto de algumas experiências em curso na ilha de São Vicente, que decidiram abraçar a sua proposta de produção de gás a partir de matéria orgânica e outros resíduos (ver “Experiência piloto”).
Transição energética no país
“Apesar dos investimentos já feitos no campo das energias renováveis, Cabo Verde ainda depende fortemente dos combustíveis fósseis (gasóleo, gasolina, gás metano, entre outros)”, diz Marco Cruz.
Com recurso às fontes alternativas (vento e sol), prevê-se que em 2030 a produção de energia seja 50% renovável e em 2040 cerca de 100% seja renovável, incluindo a mobilidade eléctrica.
O dono da Prosol considera que as metas estabelecidas pelo Governo são bastante ambiciosas, mas salienta que é importante acelerar o processo de transição energética, no que defende uma política mais forte e acertiva, sob pena de em pouco tempo o plano previsto ficar desaactualizado.
“Há cerca de 10 anos que foi realizado um investimento em parques eólicos com o intuito de reforçar a energia eólica que permitiu a transição de uma taxa de penetração de 5% para 20% renovável na rede eléctrica, mas tem de haver continuidade de investimento, caso contrário, o consumo de energia eléctrica vai aumentando e esse 20% vai diminuído, deixando de ter qualquer impacto”.
E, para que tal não aconteça, entende que a solução passa por resolver as questões de base e continuar a apostar em várias frentes.
“A transição energética no país envolve questões de base que devem ser resolvidas, primeiramente a regulação deve funcionar como deve ser, igualmente há que realizar uma campanha muito forte para diminuir as perdas de energia e apostar em várias frentes”, afirma.
“O problema é que quando estamos a falar de um país com uma taxa de 100% de penetração energia renovável na rede eléctrica, ou seja, toda a energia eléctrica fosse oriunda de energias renováveis, ainda assim, seria difícil falar num país renovável porque temos carros a utilizar combustíveis fósseis, continuamos a cozinhar a gás, ainda há empresas que usam muito gasóleo para produzir”, sublinha Marco Cruz, finalizando que, para além de atacar em vários sectores, parte dos desafios que se colocam ao sector energético depende também do sucesso da concecionária Electra.
Experiência piloto
A primeira instalação de biogás, feita pela Prosol, tem já dois anos. Situa-se na zona da Ribeira de Vinha, mais concretamente na “Nossa Quinta”, propriedade de Pedro Rocha, conhecido por “Pedro de Fantastic”.
E foi precisamente nessa fazenda, a poucos quilómetros do centro do Mindelo, que o A NAÇÃO foi ver de perto como de facto funciona a produção do biogás, conforme o modelo desenvolvido pela Prosol.
Pedro Rocha tem actualmente na sua propriedade cerca de 50 porcos, além de dezenas de outros animais, mas, para produzir o biogás de que necessita recorre maioritariamente ao excremento dos suínos e estrume seco.
Rocha conta, igualmente – e, de resto com muita satisfação – , as vantagens que obteve com a instalação de um biodigestor, dizendo acreditar que esta é uma das vias possíveis para o desenvolvimento meio rural cabo-verdiano.
“Com o investimento que fiz, já não tenho despesas com gás butano, uma vez que só uso o biogás. Antes gastava, por mês, cerca de oito contos com o gás”.
Para esse agricultor, são muitas as dificuldades que os produtores rurais como ele enfrentam no dia a dia. “Imagine se todos tivessem possibilidade de fazer esta instalação, mesmo que tivessem poucos animais, ou até mesmo estrume seco, já dava para produzir gás e com isso diminuir as despesas e certos custos que encarecem os nossos produtos”, diz.
Preocupado com a realidade do país, o nosso entrevistado alerta que a solução para o desenvolvimento de Cabo Verde, ou de São Vicente em particular, não passa apenas pela construção de hotéis, principalmente quando não se consegue produzir nada localmente para oferecer a quem nos visita, daí a necessidade de desenvolver também o mundo rural. “Infelizmente, nós, do meio rural, somos esquecidos”, lamenta.
“São Vicente não é só a cidade, há também uma parte rural, que existe e produz. Há muitos recursos que podemos aproveitar e não depender só da importação, ainda mais agora que vamos ter, em São Vicente, cerca de 2 mil e tal quartos, o que significa 2 mil e tal turistas, e se não tivermos nada para lhes oferecer, em termos de frescos e outros alimentos, vamos continuar pobres, na mesma. Porquê não desenvolvermos soluções para explorar mais os nossos recursos?”, pergunta, a propósito do programa “101 Biodigestores para o mundo rural”, concebido por Marco Cruz e a Prosol.
Além da instalação da “Nossa Quinta”, Marco Cruz revela que tem na fase de final uma segunda instalação de biodigestor na Sociave, conhecida empresa produtora de aves e ovos. E esta, devido à sua dimensão, para além da produção de gás, deverá contar, proximamente, com um sistema capaz de produzir eletricidade a partir também do biogás. `
As vantagens do biogás
“O biogás é um gás biológico derivado de uma mistura de gases, nomeadamente metano, CO2, e outras componentes, sendo o metano o mais importante. Este gás é obtido através de excrementos de animais”, afirma Marco Cruz.
A produção é feita através de um biodigestor, na prática, um reservatório que promove um ambiente propício para que as bactérias possam fermentar e proliferar e, através disso, produzir gás inflamável.
Este tipo de gás é uma fonte de energia renovável que pode ser utilizada para cozinhar, produzir electricidade, entre outras utilidades. Além disso, os dejectos, ao serem “tratados” e “reciclados” no biodigestor, produzem também um fertilizante de maior qualidade e com menos impacto no solo.
Vários países recorrem, hoje em dia, ao biogás como fonte alternativa de energia, havendo inclusive produções em larga escala a partir de aterros sanitários.
Por: Lousiene Lima
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 759, de 17 de Março de 2022