Eidilene Rocha encontra-se na fase final do curso de Ciências Náuticas, vertente pilotagem, na Uni-CV. Há cerca de um ano que estagia na CV Interilhas, onde já desenvolveu várias actividades como tripulante de navio de cabotagem. Esta sua curta, porém, intensa experiência fez com que “validasse” a sua opinião de que a mulher não é o “sexo frágil”.
Eidilene Rocha, ou Eidi, como é mais conhecida, nasceu há 26 anos em Pero Dias, ilha de Santo Antão. Aos sete, mudou-se para São Vicente com a família, porém, já conhecia a ilha do Monte Cara. É com alegria que recorda as viagens que realizava no canal Santo Antão-São Vicente, para ela, momentos de verdadeira magia.
“Nasci numa zona bem distante do mar e lembro-me da minha alegria quando me diziam que vinha para São Vicente, porque sabia que ia ver o mar e viajar de barco”, recorda nesta viagem ao tempo ao A NAÇÃO.
Conhecer o mundo
Com espírito aventureiro e uma vontade imensa de conhecer novos lugares, Eidi diz-nos que o seu sonho de infância era ser piloto de avião, mas, hoje, diz, infelizmente ou felizmente, não conseguiu realizá-lo.
“Quando criança, eu sonhava em ser piloto de avião, mas tendo em conta que era uma profissão exercida maioritariamente por homens, receosa, ainda cheguei a decidir que ia ser aeromoça. Na verdade, o que eu queria mesmo era viver a viajar pelo mundo, conhecendo novos lugares, e essas eram as profissões que, na minha maneira de olhar a vida e o mundo, poderiam dar-me essas possibilidades”.
Decisão pessoal
Diante das impossibilidades surgidas, entretanto, na hora de escolher o que fazer depois de concluído o ensino secundário, a nossa entrevistada diz que acabou por “adaptar” os sonhos, optando pelo curso de Ciências Náuticas. Mas confessa também que isso não foi fácil.
“Quando terminei o 12º ano estava preste a abandonar os estudos e começar a trabalhar por não ter condições financeiras de custear o curso, mas, felizmente, graças à ajuda da minha irmã que reside no exterior, consegui dar continuidade aos estudos. Mesmo assim, ainda tive de conciliar os estudos com vários trabalhos, garçonete, recepcionista e até de ferreira já trabalhei”, conta.
Embora tenha familiares que trabalham no sector marítimo, Eidi diz que não foi influenciada por nenhum deles, já que a sua opção foi feita de forma espontânea e individual.
“Eu tenho uma irmã que trabalha como empregada de câmara num barco e um tio que é marinheiro, mas não fui influenciada por eles. A minha escolha surgiu com um simples panfleto da UNI-CV com a lista dos cursos que havia disponíveis e, lendo-o, acabei por me identificar mais com o de Ciências Náuticas. Era o único que tinha alguma semelhança com o meu sonho de infância, ser piloto de avião ou aeromoça”, diz.
Uma escolha que considera certeira. Hoje, como nos conta, já não se imagina como sendo piloto de avião, nem aeromoça, mas sim como comandante de navio, com tudo que isso possa significar.
Estágio
Eidi começou a sua experiência, como marinheira, há cerca de um ano na companhia Cabo Verde Interilhas. No início confessa ter tido um certo receio de ser discriminada por ser mulher. Isto porque sempre ouviu comentários de que esta não é uma profissão para mulheres.
Mas nada disso aconteceu. Iniciou a sua primeira experiência em pilotagem no navio Chiquinho, na rota São Vicente/ Santo Antão, posteriormente nos navios Inter ilhas e Praia d’Aguada, fazendo outros percursos e passando mais tempo longe de casa e da família, no Mindelo. Tirando isso, diz que tudo lhe tem corrido bem.
“A primeira vez que pilotei um navio foi no percurso São Vicente/Santo Antão. Confesso que fiquei muito nervosa e, ao mesmo tempo, satisfeita comigo própria, era a minha primeira experiência real, fora do simulador da faculdade. Felizmente, tudo correu bem e de tanto os repetir hoje já faço isso naturalmente e sem nervosismo, além disso, tenho a certeza que é isso que gosto e quero continuar a fazer”.
Para além desta experiência, em pilotagem, Eidy esteve durante três meses nos estaleiros da Cabnave, aquando da manutenção do Praia d’ Aguada.
Esta foi, também, uma outra experiência que veio valorizar os seus conhecimentos.
Aqui adquiriu conhecimentos em conserto e manutenção de equipamentos de segurança e, nesta fase, diz que esteve sujeita a transportar objectos pesados, no meio de homens, mas, uma vez mais, não teve quaisquer dificuldades.
Mulher, sexo frágil?
Eidilene Rocha diz que, à luz da sua própria experiência pessoal, não sente que a mulher seja forçosamente o “sexo frágil” como diz uma certa tradição, cada vez mais em desuso. “Infelizmente, somos nós mesmos quem coloca as limitações nas nossas cabeças, fazendo transparecer isso”, responde. Acredita que, com esforço e dedicação, qualquer ser humano consegue chegar aonde quiser.
“O que aprendi até hoje foi graças aos meus colegas homens e mulheres, foram eles que me ensinaram, me ajudaram e acredito que tudo é uma questão de saber trabalhar em equipa, independentemente de quem seja a pessoa ou as pessoas com quem lidamos, no nosso dia a dia”, enfatiza.
Encontrando-se já no final do seu estágio na CV Interilhas, Eidilene Rocha sente que as suas expectativas foram largamente superadas e faz um balanço positivo dessa experiência, daí a sua ambição de ir mais longe, até à meta de ser comandante de navio.
“As minhas expectativas foram superadas, vou sair daqui com uma bagagem que não estava à espera e todo os receios que eu tinha inicialmente, por ser mulher, não se verificaram e espero dar continuidade a esta experiência, progredindo ainda mais nesta profissão que conto desenvolver em várias etapas. Os meus próximos passos serão 2º oficial, imediato e depois comandante, esta é a meta onde pretendo chegar”.
Agradecida pelo interesse do A NAÇÃO, para finalizar, Eidilene Rocha deixa uma mensagem a todas as mulheres e homens, neste Março, Mês da Mulher: “Nesta ou em qualquer outra profissão não deve existir a mentalidade de superioridade entre homens e mulheres, ou profissão para homens e mulheres, devemos sim trabalhar, em equipa, para que tudo possa funcionar da melhor forma possível”.
Por: Lousiene Lima
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 759, de 17 de Março de 2022