As obras do complexo turístico da Gamboa e Santa Maria, na cidade da Praia, do empresário chinês David Chow, levam três anos de atraso. A covid-19 e a prisão recente de um dos colaboradores mais próximos desse controverso operador do mundo do jogo em Macau, a par de outros problemas, adensam o risco desse super empreendimento não passar de um mega elefante branco num dos locais mais vistosos da capital cabo- verdiana.
O projecto integrado no ilhéu de Santa Maria e Gamboa, do macaense David Chow, foi anunciado em 2001, no mesmo dia da tomada de posse do primeiro Governo de José Maria Neves, mas a primeira pedra só viria a ser colocada 15 anos mais tarde, em Fevereiro de 2016.
Desde então, as obras têm avançado aos soluços. Ora com força, ora a meio gás, ora sem gás nenhum.
Obras paralizadas
Neste momento, elas estão, uma vez mais, paralisadas, algo que se verifica há já algum tempo, não havendo – como tem sido habitual também – qualquer informação so bre essa paralisação.
Na prática, já la vão seis anos do arranque das obras, que deveriam ficar concluídas num prazo de três anos. De tudo o que foi anunciado e prometido, sempre no meio de grande pompa, só foi edificado um enorme prédio, de vários andares, que sequer constava do projecto inicial, e a ponte que liga Gamboa ao ilhéu da Santa Maria.
Atraso de três anos
As obras, que tiveram um significativo abrandamento no seu ritmo mesmo antes do eclodir da pandemia da covid-19, estão com um atraso significativo (três anos), mas ninguém se pronuncia sobre os motivos da paralisação dos trabalhos desse empreendimento de David Chow, que, na altura do lançamento da primeira
pedra, em 2016, tinha afirmado que em três anos (2019) “os cabo-verdianos verão os resultados”.
Ou seja, volvidos os três anos prometidos, o sonho ou a ambição de colocar Santiago e a cidade da Praia no mapa do turismo internacional de jogos de casino encontra-se, por ora, adiado.
Banho-Maria
De referir que, antes disso, em 2017, depois de alguma especulação sobre uma eventual paragem das obras do complexo turístico do ilhéu de Santa Maria, por falta de financiamento, o projecto do Macau Legend Development Ltd, de David Chow, entrou em velocidade cruzeiro, com a construção do edifício dos escritórios.
Coincidência ou não, em Abril do mesmo ano, David Chow voltou a aparecer em Cabo Verde, à frente de uma delegação, desta feita, para solicitar a alteração do seu projecto, pedido esse que foi aceite, tendo sido recebido pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, e pelo presidente Jorge Carlos Fonseca. Já nessa altura veio a público que Chow pretendia investir num banco e no sector dos transportes aéreos.
BCV chumba banco de David Chow
Como foi noticiado por este jornal, o abrandamento das obras desse complexo turístico poderia estar ligado a uma eventual chantagem daquele investidor, que não conseguiu avançar com a criação de um banco em Cabo Verde.
O Banco Sino Atlântico, assim se chamava, foi chumbado pelo Banco de Cabo Verde que considerou que o seu promotor não possuía idoneidade para o efeito.
David Chow conseguiu convencer, na altura, a Câmara Municipal da Praia (CMP), presidida por Óscar Santos, a alterar o projecto do complexo turístico do ilhéu de Santa Maria.
Sem qualquer estudo de impacto ambiental e sem consulta pública, a CMP aceitou a proposta de alteração, que previa inicialmente um hotel tipo bangalós, para um hotel com perfil de cidade, de 14 andares.
Essa alteração, conforme uma fonte bem posicionada, só foi possível por causa da nomeação de Alberto (Beta) Melo para o cargo de coordenador do comité cabo-verdiano de seguimento das obras do empreendimento. Beta, que tinha cumprido um mandato como vereador de urbanismo na CMP, desempenhava, na altura, as funções de presidente da Assembleia Municipal da Praia. Hoje é deputado nacional, com pretensão de voltar a concorrer à CMP.
Elefante branco
O projecto turístico integrado do ilhéu de Santa Maria e Gamboa promovido pela Macau Legend Development (MLD), cujo accionista principal é o macaense David Show, está orçado em mais de 250 milhões de euros.
De acordo com a própria descrição do empresário, aquando do lançamento da primeira pedra, o complexo contempla as “mais variadas ofertas turísticas, que vão desde os serviços hoteleiros, venda a retalho, restauração, centro de convenções, museu, espaço destinado a realização de eventos e entretenimento.”
Quando concluído, o complexo ocupará uma área de 152.700 metros quadrados – o que o torna o maior empreendimento turístico do país – divididos da seguinte forma: “uma área de 88,100 metros quadrados”, mais “uma marina que irá ocupar uma zona marítima de 64.600 metros quadrados, por forma a poder desenvolver as mais diversas atividades náuticas”.
O complexo abrange todo o ilhéu de Santa Maria, a parcela de Gamboa em frente ao mesmo, assim como o espaço marítimo entre o “djêu” e a costa, onde será construída uma larga via.
E este empreendimento marca também, como tem sido várias vezes referido, o início da indústria do jogo em Cabo Verde em larga escala, através do casino que integra.
David Chow, que já explora espaços de jogo em Macau, beneficia de uma licença de 25 anos por parte do Governo de Cabo Verde, 15 dos quais em regime de exclusividade.
De referir ainda que o complexo turístico deverá gerar mais de dois mil postos de trabalho.
Interesse antigo de Chow por Cabo Verde
Segundo fontes próximas do então governo de José Maria Neves, David Chow procurava instalar-se, há muito tempo, em Cabo Verde.
As primeiras notícias do seu interesse por este arquipélago datam dos finais da década de 1990, através do então cônsul José Filomeno Monteiro, em Hong Kong, actualmente embaixador em Bruxelas.
Presentemente, o complexo que está a construir na zona da Gamboa e o ilhéu de Santa Maria é tido como apenas uma pequena parte daquilo que Chow dizia pretender realizar em Cabo Verde.
Uma das figuras fortes de Macau, ligada ao mundo dos casinos, os métodos de actuação de David Chow estão, todavia, longe de ser ortodoxos. Em tempos idos, chegou a constar que uma das condições para estabelecer-se em Cabo Verde é que o governo lhe facultasse duzentas cadernetas de passaportes diplomáticos que ele próprio trataria de gerir.
Não satisfeita essa exigência, o mesmo suspendeu, por muito tempo, o seu projecto para Gamboa, reaparecendo em 2016 com máxima força, para depois voltar a retrair-se quando não lhe foi permitido criar um banco em Cabo Verde, o Banco Sino Atlântico, conforme lhe chegou a ser prometido pelo governo de Ulisses Correia e Silva.
Mais recentemente, um dos colaboradores daquele empresário macaense – o também macaense Levo Chan – foi preso, em Macau, por crime de branqueamento e lavagem de capitais (ver “Detido co-presidente da Macau Legend Development”.
Pró-Praia preocupada
A Associação Pró-Praia diz não ter qualquer informação relativa à paralisação das obras do complexo de David Chow na Gamboa e ilhéu de Santa Maria.
O presidente dessa entidade, José Jorge Pina, disse ao A NAÇÃO, que desde que o então ministro José Gonçalves desmantelou a anterior comissão multidisciplinar de acompanhamento e nomeou Alberto (Beta)
Melo para o cargo de coordenador do comité cabo-verdiano de seguimento das obras do empreendimento de David Chow, “deixamos de obter informações sobre o andamento das obras”.
“O nosso desejo é que a obra fosse concluída de acordo com o projecto inicial”, realça o presidente da Pró-Praia, que considera que esse empreendimento “é bom para a cidade da Praia”, embora tenham tido, inicialmente, algumas reticências em relação ao impacto ambiental do mesmo.
Sem informações concretas sobre o assunto em causa, José Jorge de Pina diz que o que ele e os seus colegas da associação querem é que o empreendimento turístico seja construído e que “o Governo, como tem feito com obras estruturantes noutras ilhas, pressione o promotor, David Chow, a concluir o projecto turístico integrado no ilhéu de Santa Maria e Gamboa.
Nesta ordem de ideia, o responsável da Pró-Praia lamenta também o facto do Hotel Hilton, cuja primeira pedra foi lançada em 2016, não ter saído ainda do papel, assim como o projecto Santiago Resort, lançado em 1996, bem como o Complexo para a Praia Negra.
José Jorge Pina fala em “má vontade” em relação aos anunciados projectos turísticos a favor de Santiago e da Praia em particular em favor de outras ilhas, nomeadamente, Sal, Boa Vista e até São Vicente.
Detido co-presidente da “Macau Legend Development”
Levo Chan, co-presidente da Macau Legend Development, a mesma empresa que detém o empreendimento em construção no ilhéu da Praia (Santa Maria), encontra-se em prisão preventiva, depois de presente ao Ministério Público.
A detenção está relacionada com a suspeita de Chan integrar um grupo criminoso que fazia operações de jogo ilegais e branqueamento de capitais.
Segundo avançou o site macaense Ponto Final, a Macau Legend Development Ltd confirmou, em finais de Janeiro, a detenção do seu co-presidente, Levo Chan, também director da Tak Chun (uma das maiores empresas de ‘junkets’ em Macau). Outro indivíduo foi também detido, no âmbito da mesma operação.
A Polícia Judiciária daquele território autónomo da China garantiu que Levo Chan e o outro indivíduo foram detidos na sequência de uma investigação contínua, no decorrer do caso que envolveu Alvin Chau, preso em final de Novembro do ano passado por acusações semelhantes.
Segundo a mesma fonte, em conferência de imprensa, a PJ não quis divulgar a identidade completa dos suspeitos, avançando apenas que um dos detidos é um empresário residente de 49 anos, de apelido Chan, e outro de 34 anos, de apelido Choi, igualmente empresário, mas que ficou sob TIR.
Porém, em comunicado emitido no seu site, o presidente da Macau Legend Development Ltd – David Chow – , confirmou que o seu vice-presidente, Levo Chan, foi detido pela PJ.
Chow garantiu, contudo, que a detenção tem a ver com um “assunto pessoal” e que o caso não terá impacto na operação diária da empresa.
O certo é que, em Novembro de 2020, Levo Chan havia reforçado a sua participação na Macau Legend Development Ltd, de 20,75% para 33,19%, assumindo o cargo de co-presidente.
A prisão de Levo Chan, a par de outros problemas e dificuldades, vem adensar ainda mais o futuro do complexo da Gamboa e ilhéu de Santa Maria, na cidade da Praia.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 758, de 10 de Março de 2022