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Economia

Projecto “Little África Maio” com poucas chances de sair do papel

Ao que tudo indica, o Governo caiu mais uma vez no conto do vigário, ao acreditar no projecto do espanhol Enrique Bañuelos de Castro, que prometera investir mais de 500 milhões de euros na ilha do Maio. Isto, depois deste mesmo empresário não ter cumprido em relação à compra de 25,44% das acções que a Geocapital detinha na Caixa Económica. As autoridades não querem falar deste assunto.

O acordo de estabelecimento para a edificação do projecto “Little África Maio” foi assinado no dia 15 de Dezembro de 2020, em plena pandemia da covid-19, entre o Governo de Cabo Verde, representado pelo vice-primeiro ministro, Olavo Correia, e pelo sócio gerente e fundador da International Holding Cabo Verde, Lda, Enrique Bañuelos de Castro, no Palácio do Governo, na presença do primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, e de outros membros do executivo.

Contudo, volvidos nove meses, não há sinais das obras, que deveriam arrancar a 1 de Julho de 2021, conforme o compromisso assumido entre as partes, a 24 de Abril, data em que foi feita a apresentação pública desse mega projecto.

O silêncio da Cabo Verde Trade Invest

As autoridades preferem não tocar no assunto, como é o caso do presidente da Cabo Verde Trade Invest, José Almada Dias, que não disponibilizou pelo menos cinco minutos na sua agenda “super carregada” para falar com A NAÇÃO, no sentido de esclarecer o que poderá estar por trás deste dossiê.

Este jornal tentou entrar em contacto com Almada Dias desde 7 de Fevereiro, através de telefonemas, mensagens e sms, no sentido de obter informações sobre o “Little África Maio” e sobre o andamento das obras do complexo turístico da Gamboa, promovidas por David Chow, outro caso igualmente preocupante, mas o mesmo não se dignava em atender as nossas chamadas e em responder as nossas mensagens (ver “Cabo Verde Trade Invest presidida a partir do Mindelo”).

Tentamos, igualmente, falar com o presidente da Sociedade de Desenvolvimento Turístico das Ilhas de Boa Vista e Maio (SDTIBM), Luís Silva, mas este, também, não atendeu os nossos telefonemas.

Por seu turno, o presidente da Câmara Municipal do Maio, Miguel Rosa, contactado também por este jornal, afirmou que só emitiria uma opinião sobre o “Little África Maio”, depois de um pronunciamento das autoridades competentes.

Presidente da Câmara do Maio preocupado

Preocupado, entretanto, com o atraso no arranque das obras, em Outubro de 2021 (portanto, há quatro meses), aquele autarca convocou a imprensa para instar o Governo a dar seguimento e acelerar o dossier do projecto Little África Maio, sob pena de a ilha ficar para trás no processo de desenvolvimento e retoma do turismo no país.

“Se por um lado devemos congratular com o Governo da República, que tem demonstrado sentido de responsabilidade ao longo destes três anos, em relação ao Projeto Little África Maio, entendemos, que não se pode adiar mais a implementação do mesmo”, afirmou Miguel Rosa.

Para o autarca maiense, este é o momento oportuno para que o Little África Maio saia do papel e seja efetivamente implementado, sob pena de a ilha do Maio ficar para trás, com consequências negativas a vários níveis.

Para Miguel Rosa, em tempos difíceis, decorrentes da pandemia da covid-19, a concretização do “Litte África Maio” será um grande ganho tanto para o Maio como para Cabo Verde.

Na altura (Outubro), o pronunciamento de Miguel Rosa pareceu, aos olhos dos menos atentos, apenas mais um pretexto de colocar a ilha do Maio na agenda mediática. Ou então uma forma de pressionar o Executivo, na Praia, a desbloquear os obstáculos que poderiam estar a emperrar a “solução” dos problemas de desenvolvimento do Maio. Hoje, vendo bem, a história parece ser outra (ver “Little África Maio” bonito no papel).

Um mega projecto bonito no papel: investimento de 500 milhões de euros

As obras para a construção das infraestruturas de suporte do projecto “Little África” deveriam arrancar a 1 de Junho de 2021, mas, volvidos nove meses, não se regista nenhum sinal nesse sentido e também já não se fala do assunto.

UCS: maior investimento de sempre realizado no país

No acto de assinatura do acordo, o Chefe do Governo destacou o impacto económico e social “deste grande projecto” que deveria estender-se à ilha de Santiago e ao todo nacional. Ulisses Correia e Silva (UCS) considerou ainda que esse projecto “posiciona Cabo Verde com um investimento de referência que faz pontes entre a África e a Europa e se constitui como um hub para o continente africano”.

Este projecto de desenvolvimento turístico da ilha do Maio foi considerado, na altura, pelo chefe do executivo, como o maior investimento de sempre realizado no país, pelo seu valor, atingindo 500 milhões de euros, e pelo impacto a nível de empregos, criação de riqueza, geração de receitas fiscais, da localização de empresas internacionais e de atração de outros investimentos.

Mais de 8 mil postos de trabalho

“Assinar esta Convenção de Estabelecimento em plena pandemia da covid-19, é, sem dúvida, uma demonstração de confiança no futuro do país por parte do promotor que devemos reconhecer e que, certamente, contribuirá para uma maior credibilidade e atratividade do país para a realização de investimentos”, disse Ulisses Correia e Silva.

Se um dia o referido projecto sair do papel, são 500 milhões de euros que haverão de proporcionar a criação de mais de 8 mil postos de trabalho.

Projecto de “interesse excepcional, diz o Governo

O investimento promete mudar a realidade maiense com instalações que integram um Centro Turístico-Residencial, Cultural e de Negócios – Hub para África, na Zona de Desenvolvimento Turístico Integrado do Sul da Ilha do Maio, bem como nas áreas em que serão edificadas estruturas associadas (um aeroporto internacional, novo porto, áreas de produção de energia, água, logística, pedreiras e serviços processamento de materiais).

Diante de tamanhas promessas, o Governo de Cabo Verde declarou o empreendimento como sendo de “interesse excepcional” no quadro da estratégia de desenvolvimento socio económico do país.

O projecto, que foi negociado tendo a Cabo Verde Trade Invest como interlocutor, será constituído por duas enormes estruturas: o Africa World e o Maio Vila.

Africa World e Maio Vila

O Africa World engloba a parte de entretenimento. Neste espaço, será criado um grande complexo com museus e salas de exposições de países africanos, teatro, casino, lojas, centro de congressos/exibições e negócios, centro internacional de negócios, hospital de última geração, colégio internacional, habitação para executivos, quadros e outros trabalhadores. Incluirá ainda o complexo turístico Little África Resorts com 3000 quartos.

O Maio Vila está virado para o turismo residencial de luxo com vivendas com clube social, concierge, segurança e outros serviços. Será também constituída uma zona Franca Integrada de tax-free e lojas francas.

O investimento será feito em três fases, iniciando-se com a infraestruturação e construção das instalações do África World. A edificação das Vilas Maio East e das Vilas Maio West concluem a fase de construção do projeto.

Obras deviam arrancar a 21 de Julho de 2021

Em Abril de 2021, na apresentação do “Little África Maio”, o investidor espanhol Enrique Bañuellos disse que os trabalhos físicos da infraestrutura deveriam arrancar a partir de Julho de 2021, após a tomada de posse do novo Governo e da aprovação no Parlamento da lei que regulamenta as acções deste projecto, tendo em vista que o mesmo “já tinha sido estudado”, o que permitiu a assinatura de um memorando de entendimento entre o Governo e o referido grupo de investidores.

Compra de 25,44% da Caixa Económica

Bañuelos de Castro não conseguiu mobilizar 10 milhões

O que causa alguma estranheza é o facto de Enrique Bañuelos de Castro querer avançar com o “Little África Maio”, orçado em 500 milhões de euros, quando não conseguiu mobilizar 10 milhões de euros para a compra de 25,44% das ações que a Geocapital detinha na Caixa Económica de Cabo Verde (CECV).

Relativamente à intenção de compra da participação da Geocapital no capital social da CECV, no valor 25,44%, por parte de Bañuelos de Castro, em representação da IHCV – International Holding Cabo Verde, SGPS Sociedade Unipessoal Lda, A NAÇÃO sabe que o BCV, depois de feitas todas as diligências previstas e cumpridas todas as formalidades legais e regulamentares, não se opôs à venda dessa participação.

No entanto, para a “surpresa” do Banco Central o negócio não se concretizou no tempo legalmente previsto para o efeito, o que levou esta instituição a comunicar às partes envolvidas “o encerramento do processo de aquisição de participação qualificada correspondente a 25,44% do capital social da Caixa Económica de Cabo Verde, S.A. (CECV) pela IHCV – International Holding Cabo Verde, SGPS Sociedade Unipessoal, Lda., representada pelo Senhor Enrique Bañuelos de Castro.”

Entretanto, o Governo optou pela aquisição dessa participação. Ora, com isso, o Estado de Cabo Verde (Tesouro, INPS e Correios de Cabo Verde) dispõe, actualmente, de uma participação qualificada na CECV de mais de 80%.

Para o grande espanto dos conhecedores dessa matéria, nas vésperas das eleições legislativas de Abril de 2021, foi assinado com Bañuelos de Castro um acordo de estabelecimento para a edificação do projecto “Little África Maio”.

Ou seja, a mesma pessoa que, após autorização de compra da participação dada pelo BCV, já não estava em condições de consumar o negócio de poucas dezenas de milhões de euros, por alegadas razões financeiras e de os preços das acções serem muito altos, apareceu como o maior investidor que Cabo Verde teria, prometendo investir mais de 500 milhões de euros no projecto “Litle Africa Maio”.

Com isso, o “Litle Africa Maio” corre o risco de ser mais um mega projecto de “turismo de maquete”, lançado sempre com pompa e circunstância, acabando depois por cair no esquecimento.

Em trinta anos de economia aberta e virada para o turismo, é já extensa a lista de empreendimentos do género lançados e que nunca saíram da maquete. Miguel Rosa, edil do Maio, tem razões para estar preocupado.

Cabo Verde Trade Invest presidida a partir do Mindelo

Numa altura em que o Ministério do Turismo foi já transferido para a ilha do Sal, onde já se encontrava o Instituto do Turismo, o presidente da Cabo Verde Trade Invest, José Almada Dias, continua baseado em São Vicente, ilha onde reside.

Nomeado para o cargo em Março de 2020, aquele gestor e empresário nunca se mudou para Praia, continuando a tratar dos assuntos da entidade por ele presidida a partir da “delegação” do Mindelo.

O facto de a sua nomeação ter acontecido dias antes da chegada da covid-19 ao país (Março de 2020) terá sido usado para justificar a sua permanência em São Vicente.

Situação alegadamente ilegal

Porém, consultado a propósito, um jurista respondeu-nos que estamos perante uma situação “claramente ilegal”, porquanto os responsáveis directos dos órgãos das agências e de outras instituições do Estado devem residir e trabalhar lá onde estão sedeados.

Aliás, diante das dificuldades em falar com o PCA da Cabo Verde Trade Invest, esta reportagem Cabo Verde Trade Invest presidida a partir do Mindelo deu-se conta da situação ao ir pessoalmente à sede dessa entidade, na Praia, na perto da Praça Cruz de Papa, para tentar saber o que se passa com os projectos de David Chow, na Gamboa, e os de Enrique Bañuleos de Castro, na ilha do Maio.

Mas, logo à entrada, fomos informados que o PCA está em São Vicente e que teríamos que contactar a delegação no Mindelo para agendar uma conversa (entrevista) com ele.

“O presidente está muito ocupado”

Contactada a delegação, os nossos intentos voltaram a não surtir o efeito desejado, porquanto, do outro lado, recebíamos sempre a mesma resposta: “O presidente está muito ocupado”.

Porém, perante a nossa insistência, Almada Dias resolveu enviar-nos um sms, na sexta-feira, 25 de Fevereiro, perguntando de que assunto se tratava. A nossa resposta foi imediata.

“Peço desculpas tenho estado super ocupado e num período de muitas deslocações”, acrescentou, mesmo assim, marcou uma conversa com A NAÇÃO para terça-feira, 1 de Março, às 11 horas.

Desculpas e mais desculpas

Mas, na segunda-feira, 28, de manhã, a secretária ligou-nos para dizer que a entrevista tinha sido adiada para as 15 horas de terça-feira e, no período da tarde, voltou a ligar informado que a conversa passava para as 15:30.

Para o nosso espanto, quando faltavam cerca de duas horas para a entrevista que estava marcada para as 15:30 de terça-feira, recebemos mais um telefonema da secretária do presidente da CV Trade Invest informando-nos desta feita que a entrevista tinha sido cancelada, porquanto, nessa hora, Almada Dias teria um encontro com um ministro.

Membro do anterior conselho de administração da Cabo Verde Trade Invest, José Almada Dias foi nomeado PCA em 16 de Março de 2020, sucedendo Ana Lima Barber, chamada para comissária-geral do nosso país na Expo Dubai 2020. A CV Trade Invest tem como atribuições promover o crescimento económico sustentável, inclusivo e equilibrado do país, com a mobilização de investimentos de qualidade e a dinamização de exportações de produtos e serviços

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 757, de 03 de Março de 2022

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