Em 1858, a vila da Praia de Santa Maria ascendeu à categoria de cidade, altura em que só o planalto central (Platô) era considerado “cidade”. Hoje, quando o passado escravo-colonial, ilustrado por monumentos, é questionado no mundo, a capital cabo-verdiana não está isenta dessa tendência. Até que ponto devemos olhar com os olhos do presente o passado do qual emergimos como nação independente, que teve de lutar contra o colonialismo?
Da outrora “cidade das quatro ruas”, como era conhecida de forma depreciativa, a capital de Cabo Verde, Praia, estende-se hoje a um vasto aglomerado urbano que não para de crescer, tanto do ponto de vista físico, como populacional. Com isso também os seus vários problemas de circulação, habitação, saneamento, etc. Mas não é disso que versa esta reportagem.
Monumentos do Platô
Actualmente, quem circula pela zona histórica do Platô depara-se com vários monumentos – estátuas e bustos, além de nomes de ruas e travessas – que nos remetem ao passado colonial e escravocrata.
Afinal, descobertas no século XV por navegadores portugueses, as ilhas de Cabo Verde (com realce para Santiago, Ribeira Grande-Cidade Velha), foram por largo tempo entreposto de um comércio negreiro, da África para a América do Sul, hoje, claramente condenado pela história.
Alguns pontos e artérias da Praia, capital da República de Cabo Verde, apresentam monumentos e referências que, pelo seu valor histórico, integram o roteiro turístico cultural da cidade e do país.
Raros são, contudo, os cidadãos que conhecem essas referências, o seu significado, a começar pela estátua de Diogo Gomes, situada em frente ao Palácio Presidencial, com a cara virada para o mar, de onde surgiu a caravelha quinhentista para dar lugar ao país e nação que hoje somos, Cabo Verde.
Nos dias que correm o local e a imagem desse navegante têm sido uma espécie de ex-libris para quem nos visita, motivo por isso de fotografias dessa zona do Platô.
Estátua de Diogo Gomes
No caso de Diogo Gomes, trata-se de um monumento inaugurado em 1956, feito em ferro fundido, obra do escultor português Joaquim Correia, para celebrar os 500 anos do achamento de Cabo Verde.
Em 1974-75, no calor revolucionário de então, a estátua foi removida e esteve depositada num armazém até 1991, altura em que foi recolocada no lugar, sob o olhar do então presidente Mário Soares, de Portugal, da mesma forma que foram restituídos os nomes das ruas e praças, mudados também pela altura da independência nacional, em 1975, por nomes mais condizentes com o novo tempo histórico.
Para uns tratou-se de uma justiça histórica, para outros o contrário, um virar de costas à luta nacionalista que acabaria por levar Cabo Verde à independência nacional, no quadro de uma luta maior de todo o continente africano, no século XX.
Historiadores há, entretanto, que questionam o lugar que se atribui a Diogo Gomes na história destas ilhas, uma “história construída”, a partir do viés nacionalista do Estado Novo, regime de António de Oliveira Salazar, que governou Portugal de 1932 a 1974.
É o caso de Daniel A. Pereira, autor de uma vasta obra sobre as descobertas e nosso chamado período escravocrata.
“Quem oficialmente descobriu Cabo Verde foram António de Noli e Diogo Afonso”, afirma, ressaltando, portanto, que a atribuição da descoberta a apenas Diogo Gomes se deve a uma decisão do Estado Novo, no seu esforço de “nacionalizar” as “descobertas”.
António de Noli, ou da Nola, era genovês (portanto, italiano da região de Nola ou Noli, ao serviço de D. Henrique), daí a sua exclusão da paternidade da origem de Cabo Verde.
António de Noli tem, curiosamente, o seu nome ligado ao pico mais alto da ilha de Santiago, nos Órgãos, em crioulo Piku N’Toni, ou então “Pico d’ Antónia”, quando na verdade a denominação correcta é Pico de António.
Tirar ou não tirar ?
Daniel A. Pereira mostra-se crítico, também, do movimento do “apagamento” da história, em curso neste momento em várias partes do mundo, lembrando que, no caso de Cabo Verde, as estátuas coloniais já tinham sido retiradas depois da independência, em Julho de 1975, para voltarem em 1991, agora num outro contexto histórico, de democratização de Cabo Verde (ver caixa).
Busto de Alexandre Albuquerque
Polémicas à parte, e continuando o nosso percurso pelo Platô, temos a Praça Central, outrora Praça do Pelourinho e que depois de 1876 passou a chamar-se Praça Alexandre Albuquerque, em homenagem a Caetano Alexandre de Almeida Albuquerque, Governador destas ilhas, entre 1869-72.
Um reconhecimento, diga-se, do seu esforço para a dignificação da cidade e da sociedade praiense, tendo como preocupação a ornamentação, construção de edifícios públicos, e o embelezamento das ruas que integram esse centro, hoje, mais comercial do que político, apesar dos Paços do Concelho.
O busto data de 1927 e foi executado pelo escultor português Francisco Franco. Com a independência nacional, o local foi rebaptizado para Praça 12 de Setembro (em alusão ao nascimento de Amílcar Cabral, em 1924), isto até 1991, altura em que voltou ao seu nome original.
Busto de Serpa Pinto
Também na mesma praça está o busto de Serpa Pinto, edificado em 1926, um tributo igualmente da cidade da Praia a esse governador. Pois, foi na sua gestão, entre 1894 e 1897, que também se deram algumas melhorias da cidade.
O jovem artista Edmilson Varela, de 22 anos, que diz frequentar a praça Alexandre Albuquerque duas vezes por semana, beneficiando o serviço de internet grátis, diz desconhecer a história dos dois bustos ali presentes.
“Semanalmente venho à praça, porque ela é a fonte de inspiração para as minhas músicas sem dizer que aqui posso passear e relaxar, mas não sei a história desses monumentos”, confessa.
Numa outra conversa com Tatiana Correia, professora de Língua Portuguesa, esta demonstrou conhecer alguns monumentos. Como diz, de todos, “o que mais representa a nossa história é a estátua de Amílcar Cabral”, sem porém desvalorizar as outras estátuas e os bustos na praça Alexandre Albuquerque, por serem também de “de extrema importância para conhecermos a fundo a história de Cabo Verde”.
Tatiana assegura ainda que todos esses monumentos devem constar ou permanecer no currículo escolar para que os cabo-verdianos possam conhecer, desde cedo, a identidade cultural e histórica do seu país.
Busto de António Loreno
Circulando, agora, à frente à Escola Grande, está o monumento de António Loreno (“homenagem de gratidão”, dos praienses, lê-se na placa), construído no século XIX, situado diante daquela que foi no passado a Escola Central n°1 da Província de Cabo Verde.
Ao contrário dos demais monumentos, saneados em 1974-75, o desse médico português manteve-se, intocável, no local até os dias de hoje. De tão integrado na paisagem, quase ninguém dá pela sua presença. Mais do que isso, poucos sabem quem foi António Loreno ou da razão da homenagem.
António Loreno foi um médico dedicado aos seus doentes e cujo humanismo tocou os nossos antepassados, que, através desse busto, resolveram homenageá-lo. Como outros, integra por isso a história da cidade da Praia, como também do país que somos, formado a partir do encontro entre povos e culturas, de África e Europa.
Busto de Agostinho Neto
Entrando no Hospital Agostinho Neto (HAN), no quintal, está o busto de Agostinho Neto, médico e político, primeiro presidente de Angola, em homenagem ao período em que, como deportado do Governo colonial, exerceu a medicina em Cabo Verde (Ponta de Sol, ilha de Santo Antão, e Praia, Santiago), entre 1960 e 1961. Trata-se de uma oferta da Fundação Dr. Agostinho Neto, de Angola, e encontra-se no local desde 2015.
Memorial Amílcar Cabral
Na zona do Taiti, especificamente no largo da Biblioteca Nacional, situa-se o Memorial Amílcar Cabral, um monumento com cerca de seis metros de altura, erguido em homenagem ao líder da luta pela independência de Cabo Verde e Guiné.
É, sem dúvida, o monumento mais imponente da nossa urbe, destoando claramente dos demais. É o único que apresenta uma estrutura subterrânea, onde podem ser vistas fotografias a ilustrar algumas passagens da vida do mais importante Combatente da Liberdade da Pátria.
Construída na China, oferta desse país ao Estado cabo-verdiano, a inauguração do memorial aconteceu a 5 de Julho de 2000, no âmbito da comemoração dos 25 anos da independência de Cabo Verde.
Para variar, esse memorial não está também ele isento de controvérsia. Há quem critique a estética da estátua, como também o facto de Amílcar Cabral estar a olhar para o cemitério da Várzea.
A isso juntou-se o facto de, durante um certo período, o monumento ter estado ao abandono e cheio de lixo. Foi, aliás, a partir de uma reportagem do A NAÇÃO, em 2014, que levou a então Câmara Municipal da Praia, presidida por Ulisses Correia e Silva, a proceder a um trabalho amplo de remodelação do local, dignificação essa que perdura até hoje.
Em 2018 surgiu uma proposta também da CMP, na época presidida por Óscar Santos, para mudar o Memorial Amílcar Cabral para a rotunda “Homem de Pedra”, na Chã de Areia. Isso gerou controvérsia e, recusada que foi a ideia, nunca mais se voltou a falar do assunto.
Outras estátuas na cidade da Praia: “Homem de Pedra”
A menos de 500 metros do Taiti, numa das rotundas mais frequentadas da Praia, está a estátua “Homem de Pedra”, em representação ao homem cabo-verdiano e símbolo da nossa resistência diante das adversidades.
Criação do artista plástico cabo-verdiano Domingos Luísa, no tempo da presidência municipal de Jacinto Santos (1991-2000), a estrutura há muito clama por obras de recuperação.
Estátua do Papa João Paulo II
Na Achada Santo António, o bairro mais populoso da cidade, numa vista panorâmica para a praia de Quebra Canela, situa-se a estátua do Papa João Paulo II, na praça apelidado de “Cruz de Papa”, inaugurada em 2008, criação também de Domingos de Luísa, durante a presidência municipal de Felisberto Vieira (2000-2008).
Trata-se, pois, de uma construção que visa celebrar a passagem de João Paulo II pela cidade da Praia, em Fevereiro de 1990, momento de grande fervor religioso dos católicos, não fosse o catolicismo a religião maioritária do país, fruto de mais de 500 anos de presença neste arquipélago.
Esse monumento contempla à sua volta, além de um parque infantil, uma área de lazer e espaço verde e constitui um autêntico miradouro da cidade. De manhã, é possível ver gente no local em exercícios físicos. E, aos domingos, à tarde, enche-se de crianças em brincadeiras várias.
Padrão dos Descobrimentos
De volta ao Platô, diante do Liceu Domingos Ramos (LDR), situa-se o Padrão dos Descobrimentos, que marcou o quinto centenário da descoberta de Cabo Verde, em 1960.
O geógrafo e professor José Maria Semedo explica que o monumento foi alterado, sendo certo que antes havia um letreiro escrito “Por mares nunca dantes navegados”, lema do Infante Dom Henrique, mentor das Descobertas, inserto no clássico Lusíadas, do poeta Luís de Camões.
Uma vez mais, questionamos alguns estudantes e uma professora, que diariamente frequentam o local, sobre os conhecimentos que têm acerca do monumento. Nenhum soube reconhecer nem o nome, nem a história do “Padrão dos Descobrimentos”.
Hellen Gomes, estudante do 8º ano no LDR, diz que faz do local um espaço de lazer. “Todos os dias venho aqui e sento para lanchar, fazer os trabalhos de casa e encontrar-me com os amigos no intervalo, mas não sei o que significa”, confessa.
Obelisco no largo Sá de Bandeira
Outros alunos afirmaram conhecer as demais estátuas existentes na cidade, nomeadamente a de Amílcar Cabral e a do Homem de Pedra, mas ninguém elencou os bustos e os monumentos que ficam, ali mesmo, no Platô, caso do obelisco no largo Sá de Bandeira, construído em 1939, para assinalar o tricentenário da restauração de Portugal, em 1640, e inaugurado pelo então presidente Óscar Carmona.
Poucos sabem também que o “escudo português”, inserto nesse obelisco, é um trabalho artesanal de Bento Gonçalves, líder do Partido Comunista Português, preso na altura no campo de concentração do Tarrafal, onde haveria de morrer em 1942, vítima de biliose, uma doença que atacava os presos, fruto da picada de mosquitos, má alimentação e água imprópria para o consumo humano.
Aliás, no processo da remoção dos chamados símbolos coloniais, em 1974-75, não se percebe como esse monumento escapou do “saneamento” histórico.
Monumento às Vítimas do Desastre da Assistência
Na avenida que dá acesso ao Platô, mais concretamente na rampa de São Januário, está o monumento às Vítimas do Desastre da Assistência, em memória do sinistro que abalou o então arquipélago de Cabo Verde, colónia portuguesa, a 20 de Fevereiro de 1949.
Trata-se de uma criação do arquitecto cabo-verdiano Carlos Helmeberg, inaugurada em 2006, para assinalar aquela tragédia, que causou largas centenas de mortos.
Numa entrevista aquando dos 70 anos do referido desastre, assinalados em Fevereiro de 2019, o historiador António Correia e Silva afirmou a este jornal que esse acontecimento é pouco conhecido e lembrado pelos cabo-verdianos.
Isto porque, alertou, as informações sobre essa tragédia foram “censuradas”, na altura, dado o embaraço que o sinistro criou ao governo de Portugal. A isso juntou-se a tendência dos cabo-verdianos para uma certa “amnésia colectiva”.
No entender desse historiador, torna-se necessário os cabo-verdianos conhecerem melhor o Desastre da Assistência como um acontecimento importante na história do arquipélago, como também de vários outros acontecimentos do nosso passado colonial ou recente.
Inclusive, em novembro de 2021, foi lançado o livro “Cabo Verde, Um corpo que se recusa a morrer, 70 anos contra a fome”, de José Vicente Lopes. A partir do Desastre da Assistência, a obra descreve a história desse período para a conquista da nossa segurança alimentar.
Monumento ao Rotary Clube Internacional
Já na rotunda de Lém Ferreira, um outro monumento se faz presente, em alusão ao Rotary Clube Internacional, erguido em 2005, em honra à associação de clubes de voluntários que prestam serviços humanitários, promovem valores éticos e a paz a nível internacional. Na Praia o Rotary Clube foi fundado a 01 de Abril de 1992.
Curiosidades
Na Achada Grande Frente, esta reportagem foi ao antigo aeroporto da Praia, Gago Coutinho, rebaptizado de Francisco Mendes, ou Chico Té, um político da Guiné-Bissau e herói da luta pela independência desse país, falecido em 1977, numa altura em que a unidade Guiné-Cabo Verde, defendida pelo PAIGC, então partido nos governos dos dois países, estava no auge.
Hoje, o Aeroporto Internacional da Praia, inaugurado em 2005, ostenta o nome de Nelson Mandela – aliás, alertamos a ASA que as lâmpadas do letreiro, à entrada do complexo, andam há muito a precisar de ser repostas.
Além disso, chamando-se o referido aeroporto de Nelson Mandela é de se perguntar se não devia haver uma estátua ou uma outra forma de representação do líder sul-africano, à semelhança do que acontece com Amílcar Cabral, no aeroporto da ilha do Sal, e Cesária Évora, no aeroporto de São Vicente.
Memorial de Gago Coutinho e Sacadura Cabral em estado de degradação
Ainda no que resta do antigo aeródromo da Praia encontrámos um memorial em homenagem aos pilotos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em estado de degradação, simulando o “levantar voo” de uma aeronave.
Inaugurado em 1969, nas comemorações do primeiro centenário do nascimento de Gago Coutinho, o memorial foi feito para recordar a primeira travessia aérea Lisboa-Rio de Janeiro, através do hidroavião “Lusitânia”, com escalas no Mindelo e na Praia, em 1922.
Tratando-se de um evento mundial, relevante para a história da navegação aérea e cujo centenário completa-se no próximo ano, é de se perguntar se não seria de se recuperar o que resta desse monumento, colocando-o eventualmente num outro local mais condizente com a actual configuração da Praia e do seu aeroporto.
Monumento aos Emigrantes
Também na rotunda do actual aeroporto da Praia, há o monumento aos Emigrantes, inaugurado em Agosto de 2008, da autoria também de Carlos Helmeberg. Nele consta o célebre verso do poeta Eugénio Tavares: “Si ka badu, Ka ta biradu”, da “Morna di dispidida”.
Soldado tombado no Afeganistão
E para fechar esta “viagem”, pelos monumentos e marcos desta cidade-capital, em expansão, numa praceta da Achada Grande Frente consta uma placa em homenagem a Alberto Montrond, sargento norte-americano, nascido em Cabo Verde, morto no Afeganistão, em Fevereiro de 2006.
Alberto Montrond nasceu em 1978, foi para a América aos sete anos, alistou-se no exército norte-americano em 1998 e acabou por morrer em combate aos 27 anos, naquele conturbado país asiático. A mãe, Maria Montrond, com lágrimas nos olhos, lembra e conta-nos uma conversa que teve com filho.
“Depois de uma missão feita em Nova York em 2001, preocupada, eu disse-lhe para tomar cuidado e ele argumentou que iria onde for para proteger e defender as pessoas e o seu país”, assegurou dona Maria.
Em Abril de 2013, o então presidente Barack Obama distinguiu Alberto Montrond pela sua dedicação aos EUA e, dois anos depois, em 2015, a Câmara Municipal da Praia, presidida então por Óscar Santos, homenageou o sargento com uma placa em frente à casa dos pais na Achada Grande Frente. Praia tem, assim, um marco a assinalar a morte de um soldado norte-americano, nascido em Cabo Verde, morto em combate no Afeganistão.
Proposta de remoção de monumentos e a controvérsia gerada dentro e fora de Cabo Verde
Em Junho de 2020, à semelhança do que vinha acontecendo em vários países, na Europa, nos EUA e no Brasil, Gilson Varela, um cabo-verdiano da diáspora, endereçou uma carta ao presidente da República, da Assembleia Nacional e ao Governo, a defender a remoção de monumentos considerados pró-esclavagistas e lançou, posteriormente, uma petição para o efeito.
Da proposta constava, igualmente, a retirada de nomes das ruas do mesmo período, no fundo, uma reedição do “saneamento” feito em 1975.
Com a polémica, o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, garantiu que “não há estátuas a serem removidas em Cabo Verde” e defendeu que o país precisa conhecer a sua história de forma profunda.
No entanto, na percepção do promotor da petição “Remoção de monumentos pró-esclavagistas e coloniais em Cabo Verde”, a ideia não é apagar a história, mas sim ensinar e contar a história de Cabo Verde como aconteceu, sendo certo que parte dessa história será apagada tanto nos países colonizadores como os países que foram colonizados.
No caso da estátua do “descobridor” de Cabo Verde, diz aquele cidadão, “Diogo Gomes não foi só um descobridor, mas também um traficante de escravos, e nesse sentido é necessário possivelmente criar uma comissão de historiadores para investigar exactamente o que aconteceu”. Isto é, se faz sentido um país vítima da escravatura homenagear um “escravocrata”, como é o caso desse navegante.
Em Agosto de 2021, o promotor da referida petição voltou à carga, entregando desta feita ao presidente da Assembleia Nacional, Austelino Correia, o documento com mais de 1.800 subscrições, o que de novo gerou vários comentários sobre o assunto.
Carlos Morgado, director da revista Master Menu, comentou, ironizando, numa publicação no Facebook que, a ter que levar a sério Gilson Varela, não será só a estátua de Diogo Gomes a ser removida do local em que se encontra.
“Também tem que acabar com a cidade velha, com a língua que ele (Gilson Varela) fala, já não sei qual, a sua identidade com mistura dos povos africanos e outros povos. Tinha que acabar com muita coisa, a própria independência de Cabo Verde estaria em jogo”.
Por sua vez, Melissa Rodrigues, uma jovem cabo-verdiana da diáspora declarou “tantos comentários sem conhecimento histórico (…) são o reflexo da importância e urgência que Cabo-verde tem de pensar o seu passado colonial (ainda muito presente)…”
Francisco Lopes Moreira, guia turístico do Instituto do Património Cultural (IPC), afirma que respeita a opinião de outrem em relação a este assunto, sem dúvida apaixonante, mas entende que as estátuas não devem ser retiradas porque fazem parte da história “única” de Cabo Verde.
“São pessoas que marcaram uma época e a história de Cabo Verde e são referências fortes para a nossa história única de Cabo Verde e do mundo”, ressalta Moreira, afirmando ainda que é graças a toda essa história que emergiu a Nação cabo-verdiana.
Ao tomar parte desta controvérsia o historiador Daniel A. Pereira entende que “a História assume-se, não se contesta”. E explica: “Não fomos nós a escolher a nossa história. Houve escravatura em Cabo Verde durante quatro séculos e esse facto marcou-nos profundamente. Temos que saber gerir como é que isso nos marcou, que mal nos causou e como poderemos ultrapassar os nós que temos na cabeça”.
Tiana Silva
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 755, de 17 de Fevereiro de 2022