Por: Germano Almeida
Há duas semanas fiz publicar neste jornal uma “carta aberta” ao presidente da Assembleia Nacional na qual o alertava para o evidente abuso do direito que os tribunais estão a cometer na pessoa do deputado Amadeu Oliveira capciosamente metido da cadeia da Ribeirinha desde Julho passado.
Achava que depois disso seria inútil voltar ao assunto na medida em que, alertado o sal desta panela do desvio da legalidade cometido aquando da suspensão do deputado, certamente que ele, defensor do direito e da democracia, arranjaria forma de corrigir esse grave desvio da legalidade formal que foi a suspensão do deputado Amadeu Oliveira.
Mas eis que no seu discurso do dia da Liberdade e da Democracia, 13 de Janeiro, S.Excia o senhor PAN dignou-se honrar-nos com uma resposta/informação (escritores, advogados e tuti quanti) prevenindo que não vale a pena termos a maçada das cartas abertas para nos dirigirmos a ele, nós até que sabemos onde encontra-lo, é só pedir audiência.
Aparentemente essa informação pode vir a ser útil. Porém, não deixa de ser verdade que ela cortaria toda a dimensão que normalmente se quer dar a uma carta aberta publicada nos jornais. No caso, por exemplo, S.Excia o PAN é apenas o primeiro destinatário, porque o que se quer realmente é que o assunto da mesma chegue ao maior número de pessoas que se espera que de alguma forma tomem posição sobre ele, porque se supõe que esse clamor acabará chegando a S.Excia, ajudando-lhe (pressionando) a despertar para o mal ou o erro ou seja o que for que foi ou está sendo cometido.
Bem, no caso de Cabo Verde, infelizmente a coisa é algo perfeitamente inútil, ter mandado uma carta confidencial produziria o mesmo efeito que essa tal carta aberta, como diria o poeta Jorge Barbosa “Ninguém sabe/ninguém dá por isso/a rádio não fala/os jornais não dizem/ninguém telegrafa”.
De modo que tendo aprendido que S.Excia não gosta de cartas abertas, mas precisando eu continuar a insistir em dizer a S.Excia que o Amadeu Oliveira está mal e abusivamente preso (sabe, senhor PAN, gosto de pensar que escolhemos os melhores de entre nós para o exercício dos melhores cargos e funções, por isso mesmo permito-me acreditar que V.Excia está nesse restrito número), escolho dizer essa verdade nesse meio termo que não é nem carta aberta nem carta confidencial.
E porque insisto em fazê-lo? Porque ouvi com atenção o demorado discurso de S.Excia o PAN no dia da Liberdade e da Democracia. Admitia que das suas palavras alguma explicação nasceria a aclarar essa gravíssima questão do levantamento da imunidade parlamentar a um deputado sem estarem reunidas as condições legais imperativas, que eram exigência até no nosso regime de partido único.
Confesso, pois, a minha desilusão ao ouvir as palavras do senhor PAN. Porque não as ouvia em abstrato, antes endereçadas a um caso bem concreto e atual. E a obrigação inalienável dos órgãos de soberania eleitos de defender a Justiça e o estado de direito, tem que ter um travão, qual seja, a lei! Ninguém de senso espera ou deseja que o Parlamento se junte aos ataques ao Sistema Judicial. O que se espera realmente é que essa obrigação inalienável dos órgãos de soberania eleitos, seja para com o direito aprovado e promulgado. O que não se espera é que instituições como a Assembleia Nacional só respeitem as leis quando isso corresponde a algum interesse particular.
E neste momento pode-se afirmar que, de acordo com as palavras de Sua Excelência o Senhor Presidente da Assembleia Nacional, o deputado Amadeu Oliveira está ilegalmente preso e acusado e vai ser condenado, sobretudo com a conivência dessa instituição que sobre todas as outras deveria ser o garante das liberdades e garantias dos cidadãos.
Por mais que Amadeu Oliveira tenha vilipendiado os magistrados, por mais que esses ataques mereçam ser contidos, na realidade ele não está preso por causa deles. Está preso por algo que não existe no caso: um crime contra o Estado de Direito.
Mas mesmo que exista. Admitamos como mera hipótese académica que a caricata peça levada à cena pela dupla Amadeu-Teixeira consubstanciou-se num crime contra o Estado de Direito. Admitamos!
Houve prisão de algum deles em flagrante delito? Não houve! Houve um processo judicial instruído com esses factos, acusado, pronunciado por um juiz de Direito a declarar a existência de um crime de um deputado a merecer por isso ser-lhe retirada a imunidade parlamentar? Não houve! Amadeu Oliveira está pois ilegalmente preso. E está ilegalmente preso, com a bênção do Presidente da Assembleia Nacional: “Os ataques ao sistema judicial, particularizando e vilipendiando os seus titulares, têm sido inqualificáveis e devem ser contidos”. Certo! Mas mesmo ignorando lei imperativa? Francamente, com isso ninguém contava, especialmente afirmado no dia da Liberdade e da Democracia.
Além de preocupante, Senhor PAN, é aterrador, quando quem devia zelar pelos direitos dos cidadãos e dos eleitores se põe manifestamente ao lado dos violadores da lei, ainda que em nome da Justiça!
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 751, de 20 de Janeiro de 2022