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Fome no Sal: Juventude Activa, uma mão para os mais necessitados

Juventude Activa é uma “força jovem”, muito presente na ilha do Sal, sobretudo quando se trata de apoiar as comunidades mais carenciadas, numa terra onde a pobreza se esconde atrás do turismo. Sem fins lucrativos, essa associação, criada há seis anos, aliou-se ao Banco Alimentar Contra a Fome para combater a pobreza no seio das famílias, sobretudo a carência alimentar, agravada pela pandemia.

Em 2006, nasceu na ilha do Sal a Associação Juventude Activa, uma iniciativa de um grupo de jovens locais no combate à pobreza. O grupo esteve inactivo entre 2011 e 2016, mas, por necessidade, teve que ser retomado, conforme contou ao A NAÇÃO o seu actual presidente, Adiel Monteiro.

“Na altura em que foi fundada a associação, eu ainda não fazia parte dela. Aliei-me a esta iniciativa em 2016, depois de anos de inactividade do grupo, dando continuidade às boas acções que a cada dia se têm mostrado mais necessárias diante das dificuldades que as famílias mais carenciadas da ilha do Sal enfrentam”.

Este é o quadro traçado por Adiel Monteiro sobre a associação que, para além das suas acções habituais, de terreno, também representa o Banco Alimentar Contra a Fome de Cabo Verde no Sal.

Bairros mais vulneráveis

“Aliamo-nos ao Banco Alimentar para combater a carência alimentar, um dos grandes problemas do momento nesta ilha. O nosso foco é combater a pobreza que, ‘do grosso’, só se vê o turismo.

Estamos voltados para as famílias dos bairros mais críticos onde as outras ajudas não chegam”, explicou o nosso entrevistado, acrescentando que a Juventude Activa e o Banco Alimentar têm também um ponto focal na Boa Vista para o mesmo efeito.

Tendo em conta o número de pessoas vulneráveis nas comunidades do Sal, o presidente da AJA diz trabalhar com o cadastro das famílias para abranger o seu público-alvo.

“Antes da pandemia, fazíamos cadastro de pessoas vulneráveis e neste momento contamos com 946 famílias dos bairros mais precários desde Terra Boa, Alto São João, Santa Cruz, Feijoal, África 70, com foco em bairros de barraca que apareceram também em Palmeira, por exemplo, o Feijoal entre outros”, especificou.

A ideia, como referiu também, é atingir a meta de mil famílias para atribuição de ajudas. Estas vão da cobertura de casas que perderam o teto, à doação de colchões, roupas, entre outros utensílios.

Foco no combate à carência alimentar

Considerando que o quadro alimentar na ilha sofreu um forte agravamento nos últimos tempos, a Juventude Activa encontra-se focada na atribuição de cestas básicas às famílias em situações mais críticas. “Neste momento o desafio é basicamente combater a carência alimentar”, sublinha Adiel Monteiro.

“Atingimos nos últimos tempos 800 famílias com sestas básicas. E, muitas vezes, repetimos porque estas pessoas não têm outro tipo de ajuda e correm o risco de passar fome. Temos bairros em que fazemos doações semanalmente”, acrescenta, recorrendo para essa acção aos parceiros para dar resposta à demanda crescente.

“O Banco Alimentar, por exemplo, é sediado na Praia, mas ao representar-lhe no Sal, recebemos doações das empresas parceiras aqui, na ilha, e fazemos entrega desde produtos alimentícios, higiénicos, entre outros”, especificou o nosso entrevistado destacando as firmas Importex, Irmão Correia, Soprobel, centro comerciais chineses, entre outras empresas, sua maioria estrangeiros, entre os que mais fazem doações para esta luta contra a fome na ilha do Sal.

“Esta situação difícil não é de hoje”

Apesar do tempo difícil por causa da pandemia, Adiel Monteiro avança que a carência na ilha do Sal não é uma questão nova. Mas, “com a pandemia, muitas pessoas ficaram sem emprego e há muito mais gente em situação difícil na ilha do Sal do que se pensa. Mas, muito antes da pandemia, já havia pessoas nestas condições e outros que até passam fome. Estes, dependem da nossa ajuda semanalmente”.

Esta é uma situação que, no dizer do nosso entrevistado, precisa ser conhecida pela opinião pública local e nacional.

“Há famílias numerosas em que nem o pai nem a mãe trabalham. Estou a falar de pessoas que vivem em situações precárias, não só em termos de alimentação, mas também que vivem sem nenhuma dignidade”, especificou.

Por meio das dificuldades, as moradias clandestinas na ilha do Sal não param de aumentar, com todos os males sociais disso advenientes, uma vez que “a vida não está fácil para ninguém”.

“A maioria vai para as zonas clandestinas por necessidade.

Não tem mais o que fazer. Mas, outros que trabalham e que têm uma vida mais ou menos, também estão a fazer isso para escapar das despesas do arrendamento porque as dificuldades só aumentam, ultimamente”, realçou.

Mais solidariedade

Diante destas dificuldades, um dos principais desafios da Juventude Activa tem sido encontrar parcerias para não deixar de ajudar quem mais precisa.

“Nós não recebemos ajudas em dinheiro e sim em produtos. Mesmo quando fazemos construção de casas, pedimos ajudas junto dos parceiros e empresas em materiais de construção. Os três ou quatro voluntários que fazem cadastro dos que mais precisam em cada bairro facilitam-nos o trabalho porque, muitas vezes, deparamo-nos com situações constrangedoras. Por exemplo, vamos a uma determinada comunidade para fazer doação e logo aparecem mais pessoas a pedir. Por isso precisamos de mais ajudas”, explicou, realçando que há necessidade de maior engajamento, sobretudo dos cabo-verdianos.

“Recebemos muita solidariedade das empresas estrangeiras, mas muito pouco dos cabo-verdianos, infelizmente. Estes ficam com medo de perder, mas mal sabem que quando fazem uma doação, para além de boa acção, acabam por ganhar de uma outra forma, como os chineses, a Soprobel, entre outros. Nós passamos uma declaração com o valor dos produtos doados que, na hora de fecho das contas da empresa, acaba por ser abatido nas Finanças, como doação e isto acaba por ser de uma grande relevância para essas empresas”, salientou.

Sem deixar de apoiar aqueles que mais precisam, a associação presidida por Adiel Monteiro almeja doar equipamentos hospitalares para melhorar prestação de serviços na área da saúde na ilha do Sal. Uma iniciativa que conta com a boa vontade dos emigrantes das comunidades cabo-verdianas na diáspora.

Onda de solidariedade para adoçar a vida amarga de Maria das Dores

Uma semana após a reportagem “Há fome em Cabo Verde e a culpa não é só da covid”, publicada no número anterior do A NAÇÃO, a vida de Maria das Dores, moradora no bairro Eugénio Lima, na Praia, na qual relata as dificuldades que enfrenta para levar a panela ao lume no seio da sua família constituída por oito elementos, começa a melhorar.

Ao tomar conhecimento do drama dessa família, pessoas de bom coração, tanto no país como na diáspora, directamente ou através das redes sociais, se afirmam dispostas a ajudar no que for possível, de modo a que nem alimento nem escola faltem à Maria das Dores, ao marido (doente) e às seis filhas do casal. Aliás, um emigrante na Europa prontificou-se a pagar as propinas em falta da filha do casal em formação universitária.

Uma outra grande conquista de Maria das Dores, mal a reportagem foi publicada, foi a cobertura de betão para os dois primeiros quartos que tinham tombado há cerca de três anos.

Ao que tudo indica, a Câmara Municipal da Praia (CMP), presidida por Francisco Carvalho, decidiu assumir a questão.
Afinal, conforme aquela munícipe relatou na nossa reportagem, o teto em questão desabou aquando da reabilitação da estrada, com escavações e outras acções que, de alguma forma, acabaram por afectar a construção dessa família, quase matando quem estava debaixo do teto no dia da queda do teto.

“Nas minhas andanças, por tudo quanto é lado, disseram-me que a minha casa vai ser reabilitada no programa PRRA do Governo”, disse-nos Maria das Dores, referindo-se a obras feitas na altura em que Óscar Santos era o presidente da CMP.

De volta à casa da Maria das Dores, desta vez ficamos a saber das novidades de que a sua vida está a melhorar, através das ajudas que vem recebendo. Emocionada, essa mulher disse não ter palavras para a reportagem do A NAÇÃO.

“Ainda ontem (terça-feira) esteve aqui uma senhora com uma bolsa de alimentos. Graças a isso não dormimos com fome. Muito obrigada a todos. Deus abençoe a cada uma destas pessoas que decidiram ajudar a minha família no momento em que mais precisávamos”, concluiu.

A melhoria na vida desta família, do bairro Eugénio Lima, na Praia, deixa o A NAÇÃO satisfeito com o impacto da sua reportagem. Um trabalho que esbarrou, várias vezes, nas dificuldades das próprias pessoas falarem da fome endémica em que vivem, todos os dias, algo fortemente presente na vida de inúmeras outras famílias deste país. Assim, faz-se o necessário, assim se faz também o jornalismo social, de rosto humano, “mostrar para conhecer e saber para resolver”.

Fernando Elísio Freire, ministro de Estado e Família, Desenvolvimento e Inclusão Social
“Naturalmente que há famílias que ainda passam dificuldades”

Apesar de não se ter dignado a atender ao nosso pedido de entrevista sobre o quadro da pobreza, para a reportagem “Há fome em Cabo Verde e a culpa não é só da covid”, publicada no número anterior do A NAÇÃO, o ministro de Estado da Família, Desenvolvimento e Inclusão Social foi confrontado ontem, pelos jornalistas, sobre o assunto, à margem do lançamento do Projecto CENORF-Móvel.

Elísio Freire reconheceu que há famílias a passar por momentos difíceis em Cabo Verde, reiterando que “a segurança alimentar é uma das questões sagradas pelo Governo”.

Aquele governante admitiu ainda que a vulnerabilidade social se agravou com a pandemia, o que levou o Governo a investir, nos últimos dois anos, mais de 20 milhões de contos para combater os efeitos em várias áreas.

Sem especificar o que se tem feito do concreto retorquiu: “Naturalmente que há famílias que ainda passam dificuldades mas o que queremos é que todos estejam numa situação de vida que lhes permita ter uma vida digna, estamos a viver em tranquilidade e estamos a trabalhar neste sentido”.

Posto isto, procurou normalizar o quadro reinante, dizendo que, neste momento, “não há nenhum país no mundo com pessoas fora da pobreza e não há nenhum país que não tenha problemas”, pelo que Cabo Verde, no tocante a gente a passar oor situações de fome, não é excepção.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 753, de 03 de Fevereiro de 2022

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