Para além dos sucessivos avales e garantias do Estado, o Governo injectou milhões de contos, de forma avulsa, na TACV. Essas injecções foram reveladas agora com o parecer do Tribunal de Contas, agravando ainda mais o buraco financeiro nessa companhia durante a gestão do executivo de Ulisses Correia e Silva.
Em 2018, segundo o parecer do Tribunal de Contas (TdC) sobre a conta geral do Estado, o Governo injectou cerca de quatro milhões de contos na TACV/Cabo Verde Airlines, isto sem contar com 550 mil contos disponibilizados à administração da empresa, em forma de avales, durante o mesmo ano.
No contraditório, o Ministério das Finanças alegou que que se trataram de “apoios correntes” que o Governo já vinha fazendo enquanto accionista, tendo em conta o défice operacional e financeiro estrutural da empresa (2.833.039.000 CVE).
“Parte dos montantes tiveram como objectivo apoiar a empresa no processo consequente de paralisação por três semanas pela não entrega atempada, pelos fornecedores, das aeronaves cujas operações de leasing em meados de 2018 (1.110.000.000 CVE).
O TdC aceitou as explicações do Ministério das Finanças sublinhando que o artigo 45º da Lei do Orçamento do Estado de 2018, “frisa que o Estado fica autorizado a adquirir créditos, bem como assumir passivos das empresas públicas e das sociedades de capitais públicos objecto de reestruturação e saneamento”.
Buraco aumenta
Um conceituado economista contatado por A NAÇÃO também não vê ilegalidade nessa injeção de capitais na TACV, mas alerta para o montante em causa (cerca de quatro milhões de contos), é, para ele, “muito elevado”.
“Foram gastos cerca de quatros milhões de contos no processo de privatização da TACV, que, como se sabe, foi vendida por 48 mil contos, montante esse que nunca entrou nos cofres do Estado, o seja cerca de um por cento da verba gasta na preparação da privatização da empresa”, lembra.
Para além disso, o Governo concedeu avales “avultadíssimos” à TACV, que rondaram oito milhões de contos. E nesses avales, o Estado de Cabo Verde, que detinha 49% das acções dessa companhia aérea, assumiu a totalidade das responsabilidades, inclusive dos 51% detidos, na altura pela Icelandair.
De acordo com a lógica dos avales, a Icelandair, que comprou a TACV, na altura, deveria assumir 51% dos avales e o Estado apenas 49% dos montantes contratualizados. “Como desde o início, a intenção da Icelandair era não gastar nenhum tostão, mas, sim, vir cá buscar fizeram com que o Governo que é o gestor do Estado assumisse a totalidade dos avales e não de forma proporcional em função do montante do capital de cada uma das partes”.
Descaso
As consequências desse descaso do Governo, no entender do nosso interlocutor, são “extremamente graves” para
o tesouro nacional. Na prática, o Estado ficou agora com a responsabilidade de pagar todos os débitos e as dívidas da TACV/CVA.
“Se, por acaso, o Estado tivesse assumido apenas 49%, que era a proporção do valor que detinha no capital social,
só teria que pagar o valor correspondente à essa percentagem. Agora terá que pagar os 49% e mais 51% dos islandeses.
Portanto, estamos perante um negócio extremamente ruinoso para Cabo Verde”.
Tudo isso, consoante a nossa fonte, vai engrossar o nível do endividamento “extremamente elevado” do país, tornando a dívida “mais insustentável”, que “nós os contribuintes teremos que pagar”. Ou seja, “o país ficou seriamente e de forma múltipla a perder com esse negócio”.
PAICV quer CPI
A NAÇÃO sabe que Grupo Parlamentar do PAICV já solicitou o agendamento de uma Comissão Parlamentar
de Inquérito (CPI) sobre os transportes aéreos no quadro das privatizações.
Segundo o deputado Julião Varela, a sua bancada está à espera de uma resposta dos tribunais para saber se há algum processo pendente a nível judicial, comn despacho de pronúncia, para que a CPI possa ser agendada. “Se calhar há muitos mais segredos a desvendar em relação à TACV”, foi dizendo.
“Apesar de toda injeção financeira, a privatização a nível internacional falhou, com todos os prejuízos daí advenientes, e o país é obrigado a assumir a responsabilidade pelo avales e garantias, que já foram emitidos e que, agora serão transformados em dívida pública”, realçou.
Em relação à BestFly, Julião Varela também diz que “há um conjunto de indefinições” e afirma que o Grupo Parlamentar do PAICV defende o regresso da TACV para as rotas domésticas.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 753, de 03 de Fevereiro de 2022