O Hospital Dr. Baptista de Sousa, na ilha do São Vicente, conta com uma lista em torno de 700 pacientes a aguardar por uma cirurgia de catarata. Hilário Santos, de 84 anos, é um deles. No seu caso, não sabe quando é que poderá ser operado, de modo a poder voltar a ver e assinar o seu nome.
Hilário dos Santos, morador na Ribeirinha, é um dos 700 pacientes, neste momento, a aguardar por uma cirurgia de catarata no hospital regional de São Vicente, Dr. Baptista de Sousa. Há dois anos, ao consultar-se com um oftalmologista, foi-lhe diagnosticada uma catarata.
O problema desse cidadão, octagenário e antigo emigrante em Portugal, onde trabalhou na construção civil como operário, pode ser resolvido com uma cirurgia, segundo o médico que o diagnosticou.
Sem demoras, deu entrada do seu processo no Hospital Baptista de Sousa (HBS) na mesma época. Mas até à última consulta, realizada há dias, não se sabia quando é que irá realizar a cirurgia.
Limitações
Na última consulta, a única informação que obteve é que deve continuar a aguardar e que o seu caso, neste momento, consta da “lista prioritária”. Enquanto aguarda, Hilário dos Santos segue a sua vida com muitas limitações.
Como relatou ao A NAÇÃO, já não consegue enxergar muito bem de perto e quase nada de longe, o que implica estar sempre acompanhado, quando pretende deslocar-se a um ou outro sítio que não seja próximo da sua residência, na Ribeirinha.
Isto para além de outros constrangimentos, como não reconhecer as pessoas não muito próximas do seu alcance visual e também não conseguir sequer escrever o seu nome nos documentos que tem de assinar.
“Apenas vejo ‘nevoa’”, diz. “Se uma pessoa estiver a 50 metros não a vejo. Hoje já nem consigo assinar o meu nome”.
Temendo pelo agravamento da sua visão e descontente também com a demora na resolução do seu problema, Hilário dos Santos apela a uma maior atenção a idosos como ele.
“Falam que estão a apoiar a terceira idade, mas, neste meu caso concreto, não é verdade”, finaliza, um tanto ou quanto desconsolado.
Muita demanda
Abordado pelo A NAÇÃO, um elemento do corpo clínico do HBS, que pediu para não ser identificado, explicou-nos que a lista de espera, que já era extensa, aumentou com a covid-19.
Isto é, antes da pandemia, essa unidade hospitalar vinha dando o seu máximo para diminuir a referida lista, tanto com as cirurgias realizadas por médicos locais como as feitas por equipas de médicos estrangeiros, através de parcerias com as associações de cabo-verdianos no exterior.
Inclusive chegou-se a acordar com três equipas médicas do exterior que deveriam vir para São Vicente, mas que tudo foi suspenso com a pandemia.
150 cirurgias em 2021
A nossa fonte acrescenta ainda que, mesmo com as limitações impostas pela covid-19, no ano passado, o HBS conseguiu, nesse quadro, efectuar 50 cirurgias em Agosto (em parceria com médicos da cidade da Praia) e 100 em Novembro (parceria com a Associação Help).
Neste momento, de acordo com a mesma fonte, decorrem negociações com três outras entidades (Kriol-itá, Grupos de Cabo-verdianos dos Estados Unidos, Igreja Jesus Cristo dos Últimos Dias), para o mesmo fim, mas tudo continua a depender da evolução ou não da covid-19 em Cabo Verde, e em São Vicente em particular.
Selecção dos pacientes e gestão das cirurgias
Ainda de acordo com as informações obtidas pelo A NAÇÃO, por ser um hospital regional, a lista de espera no HBS abrange toda a região norte do arquipélago e as cirurgias são feitas conforme a gravidade dos casos e não por ordem de chegada dos utentes.
A isso juntam-se outros critérios, dado que a cirurgia de catarata é aparentemente simples, mas se houver complicações torna-se numa das mais complicadas intervenções no universo da oftalmologia. Além disso, relativamente às equipas médicas que vêm do estrangeiro, elas é que decidem que tipo de cataratas (moles ou duras) operam.
“Normalmente essas equipas têm realizado apenas as cirurgias de cataratas moles, as cataratas duras são realizadas pelos médicos locais, do Hospital, uma vez por semana. Quando as cirurgias são realizadas, apenas um olho do paciente é intervencionado, ficando o segundo olho, em caso de necessidade, a aguardar pela próxima cirurgia, de modo a dar prioridade a outro paciente”, explicou a fonte do HBS.
Fora isso tudo, os utentes, que estão na lista de cirurgia de catarata, fazem um controlo regular de consulta, uma vez por ano, para acompanhar a sua evolução. O nosso interlocutor aconselha, de resto, às pessoas na lista de espera a ficarem atentas aos seus telefones, visto que, em alguns casos, o serviço liga e o visado não atende.
Sobrecarga e limitações
Conforme nos foi também explicado, o Hospital Baptista de Sousa possui neste momento três médicos oftalmologistas, que se ocupam das consultas diárias, das urgências e das operações.
As cirurgias de catarata são realizadas por um único médico uma vez por semana (quinta-feira), totalizando uma média de quatro a cinco cirurgias por semana.
No HBS, até o momento, utiliza-se com mais frequência a microinsição (técnica não moderna, intermediária que tem baixo custo), tida como a mais adequada a cataratas mais “duras”, que são as predominantes e as complicações são mais baixas do que as das técnicas modernas.
Aquele hospital tem um bloco de quatro salas, mas não possui um bloco dedicado exclusivamente à oftalmologia. Possui, contudo, equipamentos necessários, nomeadamente a facoemulsificação (técnica moderna), tida como a mais indicada para as cataratas mais moles, mas os consumíveis são caros.
Resumindo, a acreditar na fonte do A NAÇÃO, a resolução do problema de Hilário dos Santos e das várias centenas de utentes da região norte do país não depende apenas do HBS, visto que a sua capacidade de resposta é condicionada por factores vários, isto é, estruturais, recursos financeiros, humanos, entre outros.
Catarata, o que é?
A catarata é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como sendo uma nebulosidade na lente do olho, que pode levar a uma visão cada vez mais desfocada. O risco de desenvolver uma catarata aumenta com a idade. Nesse sentido, apesar de poder ser evitada, pode ser tratada com intervenções cirúrgicas para reduzir o impacto na acuidade visual.
Dado que a catarata piora com o tempo, as pessoas que não forem tratadas tendem a sofrer uma deficiência visual cada vez mais grave, o que pode levar à cegueira e a limitações significativas no seu funcionamento geral.
Ao que tudo indica, é este o caso de Hilário dos Santos, há dois anos à espera de uma intervenção cirúrgica, sem a qual, na prática, não pode levar uma vida normal.
Louisene Lima (Estagiária)
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 751, de 20 de Janeiro de 2022