Para além do Parlamento, as Organizações da Sociedade Civil (ONG ́s) também pre- cisam estar preparadas para monitorar e fiscalizar as contas do Estado, no tocante à aplicação efectiva dos recursos orçamentados. Foi com este porpósito que o programa Pro PALOP-TL ISC realizou na passada quinta-feira, 09, o “Seminário de Orçamentação Sensível ao Género e Monitoria Social das Despesas Públicas com enfoque no Género”, tendo por base a proposta de Orçamento de Estado (OE) para 2022. O seminário decorreu, pela primeira vez, simultaneamente em duas ilhas, mais precisamente nas cidades da Praia e Mindelo, ligadas via plataforma Zoom.
Essa fiscalização tem sido trabalhada pelo Programa para a Consolidação da Governação Económica e Sistemas de Gestão das Finanças Públicas nos PALOP e Timor Leste (Pro PALOP-TL ISC), promotora do seminário e que tem intervindo junto de diversas organizações civis.
O principal objectivo, segundo Graça Sanches, oficial nacional para o Empoderamento da Mulher e Orçamentação Sensível ao Género, foi colocar, no mesmo espaço as organizações da sociedade civil, a academia e a mídia, para apresentar os resultados da proposta de Orçamento de Esta- do 2022, que estava em discussão no Parlamento e ver as portas de entrada para a monitoria da sua execução.
Fiscalização e avaliação da implementação do OE
A metodologia do Pro-PALOP-TL está dividida em três partes, uma das quais passa, segundo Graça Sanches, pelo processo de monitoria, fiscalização e avaliação da implementação do OE.
Em Cabo Verde, sublinha, o orçamento já é definido na perspectiva do género, com a introdução de um marcador de género e um relatório, acompanhado de um mapa orçamental. Falta agora verificar se há coerência entre aqui- lo que é planificado, orçamentado e executado.
“Se não fizermos esse pro- cesso de monitoria não iremos saber qual é o impacto das verbas que são alocadas à promoção da igualdade de géneros na vida das pessoas. Para saber isso é preciso que o cidadão e a sociedade civil acompanhe a monitoria. Então, nós apresentamos um conjunto de ferramentas que permitem às organizações da sociedade civil fazer essa fiscalização”, explicou.
Ferramentas de fiscalização
Uma destas ferramentas, aponta, é o Relatório Orçamental, apresentado ao Parlamento a cada três meses. Existe ainda o Portal de Transparência e Orçamento Cidadão, que fornece elementos sobre a execução orçamental com regularidade, para além do portal E-Budget do Pro–PALOP-TL, em fase de finalização e que congrega todos os orçamentos dos PALOP e Timor Leste, incluindo a sua execução.
“A partir do momento em que o orçamento é aprovado e nós já co- nhecemos as rubricas orçamen- tais para a promoção da igualda- de de géneros, devemos monitorar se, efectivamente, as verbas que são inicialmente alocadas a estes programas e projectos são implementadas e executadas e as ferra- mentas disponíveis no momento facilitam este processo”, alerta.
Graça Sanches recorda que Cabo Verde já teve uma experiência semelhante de monitorização, aquando da implementação da lei Violência Baseada no Género, em que havia um plano, mas não ha- via verbas no orçamento para executá-lo.
Bons exemplos: São Tomé, Angola e Guiné-Bissau
A título de exemplo de boas práticas, a nossa interlocutora aponta os casos de São Tomé e Píncipe e Guiné-Bissau, em que organizações da sociedade civil têm feito um “trabalho meritório”, utilizando a metodologia do pro- grama como instrumento de advocacia.
“Em São Tomé, por exemplo, houve a retirada de um programa muito importante do orçamento, e através da nossa análise, construíram um argumentário no sentido desse programa voltar para o OE e conseguiram”, explica, mencionando situações semelhantes em Angola e Guiné-Bissau.
“É este o quadro que nós que- remos criar em Cabo Verde. Deixar as organizações empoderadas para que possam advogar pela promoção da igualdade de géneros, da transparência e da monitoria”, apontou.
OE 2022 e Plano Nacional para Igualdade de Géneros
Salvaguardando que no OE 2022 ainda vigorou o plano anti- go, Graça Sanches considera que as alocações orçamentais do país ao longos destes anos demostra que “há alguma coerência” entre aquilo que diz a planificação e aquilo que está orçamentado.
“Temos verificado que, não obstante a questão da pandemia e a diminuição das verbas no orçamento, houve investimentos em relação às questões de género. Ou seja, nós continuamos a ter investimentos em programas di- retamente ligados à promoção da igualdade de géneros”, indicou.
São programas, segundo disse, ligados ao Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG), ao Ministério da Família e Inclusão Social, mas também ao Ministério da Educação.
“Essas questões de género es- tão transversalizadas no quadro do OE. Então, nesse aspecto, Cabo Verde tem tido uma boa prática”, sublinhou.
Diante deste quadro, indicou, importa agora saber se as verbas que estão no quadro do orçamen- to de Estado, destinados a estes programas e projectos, estão a ser efectivamente implementadas e executadas.
O plano actual para a promoção da igualdade de géneros, explicou, vem dar continuidade às acções que não foram implementadas no quadro do plano anterior e também àquilo que diz o Programa do Governo e o Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável. Um alinhamento que, na sua visão, dá alguma confiança de que não haverá retrocesso na matéria.
Melhorar diálogo entre Governo e sociedade civil
O processo para a transparência passa também pela inclusão e pelo envolvimento de todos os cidadãos na elaboração de políticas públicas, segundo observa a activista Graça Sanches.
Portanto, entende, é necessário melhorar o diálogo entre o Governo e as organizações da sociedade civil, no sentido de elas também poderem dar um contributo mais efetivo e influenciar essas políticas públicas.
“Por outro lado, nós estamos num processo construtivo com os tribunais de contas para incluir nos pareceres das contas gerais do Estado a questão que tem a ver com os ODS e, indiretamente, as questões de género”, indicou.
Do lado das ONG, disse, tomaram consciência, “finalmente”, de que precisam melhorar o seu pro- cesso de monitoria em relação ao OE e incluir esta questão no seu objecto de trabalho.
Verba do OE 2022 para Igualdade e Equidade de Género é insuficiente
Para a presidente do Instituto Cabo-verdiano para a Igualdade e Equidade de Género (ICIEG), Marisa Carvalho, o envelope financeiro destinado à promoção da igualdade de género ainda é “manifestamente insuficiente”, tendo em conta os 0,04% do OE geral, destinado especificamente ao ICIEG.
Entretanto, reconhece que, através da transversalização em várias pastas e da implementação dos indicadores de género, verefica-se uma preocupação com a igualdade de géneros na maior par- te dos programas do Governo.
O aumento de 0,6% em relação ao OE 2020 tam- bém é considerado insu- ficiente, mas “significati- vo” pelo facto de ser um aumento.
“Há esta intenção, agora é necessário realmente que se verifique na prática. Daí acho que o ICIEG pode ter um papel fundamental na questão da monitorização, trabalhando com os ministérios para assegurar que essas alo- cações sejam realmente feitas, tendo em conta o género”, indicou.
Marisa Carvalho explicou que o novo Plano Nacional para a Igualdade de Géneros, aprovado em Conselho de Ministros, tem a particularidade de ser multissectorial, o que pressupõe que cada ministério deve “assumir a sua parte”.
Para além do orça- mento disponível, a im- plementação do plano conta com parcerias in- ternacionais e outros fi- nanciamentos.
O seminário “Orçamentação Sensível ao Género” envolveu, para além do Pro-PALOP-TL, a representação do Governo de Cabo Verde, das Nações Unidas, da União Europeia e várias organizações da sociedade civil.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 746, de 16 de Dezembro de 2021