Por: Germano Almeida
Amadeu Oliveira continua sequestrado na cadeia da Ribeirinha. Passados os primeiros 120 dias da “medida de segurança” com que está sendo domesticado, e quando se pensava que com ou sem acusação ele seria libertado, a coisa ficou automaticamente renovada, aparentemente por via da acusação criminal inserta no processo contra ele instaurado. É que essas arbitrariedades estão legalmente disfarçadas com o nome de prisão preventiva.
E, no entanto, não enganam nem o mais inocente. São realmente medidas de segurança, em nada diferentes das que se aplicavam durante o regime fascista aos indivíduos que, não tendo embora cometido qualquer crime, eram tidos como indesejáveis na sociedade.
Alguém pode pensar que estou a especular ou mesmo a exagerar, mas na realidade é justamente o acórdão nº 113/2021 de 11 de novembro passado do STJ (que confirmou a decisão do Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Barlavento de validar o mandado de detenção fora de flagrante delito de Amadeu Oliveira emitido pelo Procurador do Círculo de Barlavento), que o diz aberta e expressamente.
Para que não haja dúvidas, cito o referido acórdão: “o perigo de perturbação da ordem pública não pode deixar de se ter bem presente, quando se está perante um arguido dotado de recursos financeiros suficientes para” …
Mais:“ Tal perigo torna-se mais premente quando o mesmo arguido é personalidade de enorme influência social, até por ser Deputado”…
Ainda:…”que será do Estado de Direito Democrático, constitucionalmente estabelecido em Cabo Verde, se se permitir que, quem pelo seu estatuto”…
E: “Finalmente não pode deixar de merecer ponderação o facto de… ser de se recear justificadamente que o arguido, caso permaneça em liberdade, venha a abusar desse estatuto (de deputado)para continuar a levar a cabo actos de intimidação e pressão sobre os Tribunais e os magistrados”…
Em resumo: Amadeu está encarcerado porque os nossos órgãos jurisdicionais simplesmente têm medo dele! Têm medo que ele, solto, continue a levar a cabo atos de intimidação e pressão sobre os Tribunais e os magistrados.
Francamente! Ler isso dito pelo Supremo Tribunal de Justiça!
Nos violentos dias da Revolução francesa, houve um acusador público que dizia: Dêem-me uma única frase de um homem, e eu arranjarei matéria para o condenar à morte!
Ora o Amadeu está em pior situação porque ele não deu apenas uma frase para os magistrados o odiarem e quererem mantê-lo sequestrado. Ele despejou leviana e profusamente por tudo quanto foi oportunidade, dezenas de frases acusatórias contra muitos desses magistrados, todas configurando possíveis crimes de calúnia que, uma vez investigados e averiguados e provada a sua falsidade, deveriam levar à condenação a prisão do advogado Amadeu Oliveira.
Porém, as gravíssimas acusações tecidas pelo advogado Amadeu Oliveira contra determinados magistrados deviam merecer uma averiguação profunda. Os órgãos ligados à Justiça são aqueles que menos suportam qualquer nódoa, sob pena de ficar minada a confiança da sociedade. E diga-se francamente que uma comissão de inquérito ou averiguações constituída por colegas dos magistrados acusados, nasce ferida de morte, por maior que seja a honorabilidade dos seus membros.
De modo que as acusações feitas pelo Amadeu Oliveira permanecem. E ele não será para sempre silenciado, não há medidas de segurança ou prisão preventiva por tempo indeterminado. Porque, não obstante a forma algo iníqua como este caso está sendo manipulado, mais dias menos dias acabará por vir ao de cima a circunstância de vivermos num estado de direito, e o arbítrio não poderá mais prevalecer. E, portanto, é uma certeza que Amadeu será julgado.
Mas será julgado por quem, e por que crime? Por esses mesmos juízes que agora o perseguem, e pelo perfeito disparate que é a acusação por crime de atentado contra o Estado de Direito?
Diga-se o que se disser, tanto a Relação de Barlavento como o Supremo Tribunal perderam uma excelente oportunidade de mostrar ao Amadeu Oliveira que não são nada daquilo que ele tem vindo a dizer deles. Pelo contrário, que são gente séria, íntegra, respeitadora do direito que têm o encargo de aplicar. Mas não! Em vez disso, apanharam o Amadeu a jeito e ferraram-no.
A Relação de Barlavento precisou de 14 páginas para dizer que o Amadeu está incurso num crime de atentado contra o Estado de Direito; o Supremo usou 67 páginas para confirmar essa decisão; e a acusação do MP ficou com um pouco menos, apenas 21 páginas.
E tudo isso para quê? Para dizer, no essencial, que o Amadeu está incurso num crime de atentado contra o Estado de Direito. Porém, factos por ele praticados que configurem esse crime odioso, não obstante essa aleluia de páginas, não existem.
Muitos juízes têm às vezes dessas exageradas impropriedades, lembro-me que os acusados no processo da reforma agrária foram condenados por crime contra a segurança do Estado por terem sido achados na posse de uma espingarda G3 e três munições que tinham, por acaso, encontrado numa casa que tinham revistado.
Assim é com o Amadeu, pelo menos na cabeça desses magistrados. Ele é defensor oficioso desse réu há seis anos, e deputado há apenas seis meses. Porém, a partir da investidura nessa função, seja o que for que faça na vida, vai faze-lo enquanto deputado. E assim se conseguiu acusá-lo de um crime de atentado contra o Estado de Direito porque terá ajudado a sair do país alguém que estava proibido (não impedido!) de o fazer.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 745, de 9 de Dezembro de 2021