Marcos Rodrigues, empresário foguense, encabeça uma das duas listas, na corrida à liderança da Câmara de Comércio de Sotavento, nas eleições desta sexta-feira, 10. Defende uma transformação profunda no tecido empresarial, através da inovação. Como alerta, “enquanto pensarmos que o desenvolvimento assenta num processo de há 20 ou 30 anos atrás, não vamos a lado nenhum”.
Marcos Rodrigues, empresário que já actuou em Portugal e Angola, garante que a sua visão para os associados passa pelo aproveitamento das “oportunidades transformacionais” que Cabo Verde está a viver, com foco na “empregabilidade e a geração de riqueza”.
“Dou um exemplo, as questões da logística entre o consumidor e o produtor começam a ter uma relação de proximidade, cada vez maior, e começam a deixar de existir a intermediação. E, se nós tivermos em conta que Cabo Verde é, essencialmente, um país de intermediação, pois, mais de 70% das nossas actividades empresariais situam-se na questão apenas comercial, e, como ainda não temos um tecido produtivo sustentável, leva-nos a equacionar que Cabo Verde poderá ter problemas muito sérios a curto prazo”, alerta.
Contudo, diante do quadro descrito, admite que não será fácil transformar as empresas para a inovação que se impõe. “Nós temos micro e pequenas empresas que vivem numa gestão focada num processo de há 30 anos atrás, quando as transformações que estão em curso são de certa forma transformacionais que podem pôr em causa a existência dessas empresas”.
Instado, sobre a realidade do país, o contexto pandémico, e as medidas que estão a ser implementadas, como o aumento do IVA, que medidas é que tem em carteira, caso venha a ser eleito, este candidato propõe, antes demais, “uma conversa muito séria, face to face, com o poder” para “dizer qual é o meu caderno de encargos e o que pretendo para o sector empresarial”.
Conhecimento
Além da premissa da inovação, Marcos Rodrigues diz-se ciente dos problemas reais das empresas, como a falta de liquidez, aumento do IVA, os custos de produção, que continuam muito elevados, mas alerta que Cabo Verde “sempre viveu” com esses problemas, e que a mudança tem de ser outra.
“O que temos de mudar primeiro é a mentalidade do tecido empresarial cabo-verdiano e mudar a mentalidade da generalidade dos reformadores de Cabo Verde”, opina, para defender que a maioria dos países ricos no mundo, hoje em dia, “não têm matéria prima e vivem do conhecimento”.
O conhecimento, garante, “está focado em áreas específicas: investigação e educação”, pelo que, na sua óptica, “o tecido empresarial tem de fazer aqui uma conectividade com as universidades para poder criar valor acrescentado”.
Ruptura e ambição
O problema, como trata de sublinhar, é que o tecido empresarial cabo-verdiano está focado “apenas na importação e na comercialização”, e não em áreas de “valor acrescentado”, como por exemplo, a agricultura.
“Há o caso de Israel que tem problemas iguais a Cabo Verde, mas que, com o conhecimento, acrescentou valor e, hoje em dia, é um dos grandes exportadores de laranjas a nível global. No entanto, essas laranjas são produzidas no deserto. Nós, hoje em dia, temos produção em silos, a biotecnologia, a ciência e o conhecimento colmata, onde quer que estejamos, as ineficiências que Cabo Verde tem”, defende.
Para este candidato, “enquanto pensarmos que o desenvolvimento assenta num processo de há 20 ou 30 anos atrás, não vamos a lado nenhum”, pelo que defende uma “ruptura e um pouco de ambição”, para se investir em áreas estratégicas.
“Há dias fui assistir ao lançamento do livro de José Vicente Lopes (Cabo Verde, Um corpo que se recusa a morrer), e fiquei preocupadíssimo, quando constatei que mesmo anos de boas chuvas apenas conseguimos produzir 20% dos alimentos de que precisamos, tudo o mais é importado. Fiquei a reflectir que se, durante a Covid, não chegassem os barcos, a Cabo Verde, nós, em noventa dias, começaríamos a ter problemas graves de abastecimento”.
Isto para atestar que o país possui “resiliência” e que as soluções dos problemas “estão nas nossas mãos”, justificando porquê: “Eu visitei países como a Holanda e o Sul de Espanha, em que assisti à produção em silos, em que não é preciso praticamente terra. Vi mangas a serem produzidas, em países nórdicos europeus, algo que há 15 anos era impensável, porque dizia-se que as mangas só eram produzidas em países tropicais. Mas, hoje, encontramos mangas a serem produzidas nos países nórdicos”.
Isto, porque, como esclarece também, actualmente, “através do controlo de produção e da biotecnologia e da ciência”, consegue-se “alimentar toda a população”.
Cabo Verde, advoga Marcos Rodrigues, “tem de fazer um rasgo suficientemente forte para poder ir buscar a ciência e colocar ao serviço do desenvolvimento”.
“Eu dei o caso da agricultura, mas temos outros. Estamos a fazer algumas caminhadas no sector tecnológico. Mas, quanto a mim, é urgente uma viragem muito profunda, porque em Cabo Verde, infelizmente, só pensamos em startups tecnológicas, mas não pensamos em startups na área agrícola, ou em outras várias áreas”, finaliza.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 744, de 02 de Dezembro de 2021