A Profilaxia Pré-exposição (PrEp) é o mais novo método de prevenção ao HIV. Recomendado desde 2014 pela OMS, o método combinado pretende reduzir o número de novas infecções pelo vírus no mundo. Cabo Verde pretende, em breve, analisar a implementação do método na população vulnerável. Para já, em 2022, serão implementados os autotestes para facilitar o diagnóstico, conforme avança o Comité de Coordenação de Combate à SIDA (CCS-SIDA).
Quarenta anos após a descoberta do HIV, nos EUA, os avanços científicos para travar o vírus não param. Apesar de ainda não existir vacina e nem cura, o desenvolvimento de uma terapia antirretroviral altamente eficaz, o crescimento da compreensão do comportamento do vírus e sua transmissão e avanços na prevenção como a PrEp são marcos notáveis.
A Profilaxia Pré-exposição (PrEp), por exemplo, é recomendada desde 2014 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pretende combater o número de novas infecções. Trata-se, na verdade, de uma combinação de medicamentos (tenofovir e entricitabina) em um único comprimido que impede com que o HIV se estabeleça e se espalhe pelo corpo, em caso de contacto
com o vírus.
Prevenção combinada
Ao adoptar este método de prevenção, a pessoa deve tomar o medicamento todos os dias e fazer exames regulares, lembrando que a PrEp previne apenas o HIV, pelo que o uso de preservativos é recomendado para evitar outras infecções sexualmente transmissíveis. A OMS tem analisado, também, novos protocolos para que o uso do medicamento não seja diário e sim horas antes e depois do sexo.
Este método de prevenção tem sido usado, principalmente, para os públicos de risco em vários países que, por hábito ou descuido, abdicam-se do preservativo, ou então por usuários de drogas injetáveis.
Para a ONUSIDA, a PrEp deve fazer parte da resposta geral ao HIV por complementar outras abordagens de prevenção e diminuir o número de contaminações nas populações vulneráveis, fazendo com que se atinja a meta de eliminar o HIV até 2030.
“Para por fim à epidemia do HIV, é necessário sinergia em torno dos três zeros: zero novas infecções, zero discriminação e zero mortes relacionadas com a Sida. A implementação da PrEp deve aprimorar os programas de HIV, inclusive testagem e ampliação do tratamento. A PrEp complementa outras abordagens de prevenção informadas por evidências, incluindo programas de preservativos, redução do risco nas pessoas que usam drogas injetáveis e, diminuir, para várias outras pessoas, o risco de contrair o HIV”, indica a ONUSIDA.
O método tem tido resultados eficazes no Brasil e na Europa na redução de novas contaminações e aumentado a testagem entre o público de risco, como estratégia da PrEp.
Cabo Verde analisa estratégias
Em Cabo Verde, este método de prevenção ainda não foi adoptado por “não constituir a prioridade” do país, conforme avança Maria Celina Ferreira, secretária executiva da CCS-SIDA. Contudo, garante que o assunto será analisado para o plano de atividades de 2023 e, assim, mobilizar recursos e elaborar um protocolo para a implementação da PrEp em Cabo Verde.
“O país define prioridades. A prioridade é diagnosticar e tratar em primeiro lugar todas as pessoas que vivem com HIV, garantir uma boa adesão e melhorar a sua qualidade de vida.
Quanto à profilaxia pré-exposição (PrEp), é preciso criar as condições necessárias para a sua implementação, designadamente a elaboração de protocolo, a quantificação das necessidades de medicamentos, mobilizar fundos para a aquisição de medicamentos entre outras”, explica Maria Ferreira ao A NAÇÃO, que avança que Cabo Verde tem seguido inovações científicas e recomendações da OMS no combate ao HIV/SIDA.
Enquanto não se implementa este método em Cabo Verde, a secretária executiva da CCS-SIDA destaca que o país garante acesso gratuito a preservativos e gel lubrificantes, considerados meios eficazes de prevenção ao HIV e refuta a ideia de que Cabo Verde estaria estacionado na prevenção enquanto a ciência avança.
Dados do III Inquérito Democrático de Saúde Reprodutiva (IDSR) de 2018, apontam que 70% dos homens e 48% das mulheres usam preservativos nas relações de alto risco, sendo que todas as estruturas de saúde e ONGs distribuem preservativos e realizam testes de despiste.
Autotestes disponíveis em 2022
Para 2022, a nossa fonte assegura que se está a trabalhar para a introdução de autotestes como uma estratégia de massificar, ainda mais, o acesso ao diagnóstico e fazer com que as pessoas conheçam a sua serologia, para além de aumentar os trabalhos de sensibilização e mitigar vulnerabilidades.
O país tem também aplicado a quimioprofilaxia disponível em todos os centros de saúde para pessoas que acidentalmente se expõe ao vírus, como em casos de estupro ou em relacionamentos onde um dos parceiros é seropositivo e o outro não.
Não obstante os avanços, Cabo Verde também adotou, desde 2018, a estratégia de tratar todas as pessoas diagnosticadas com HIV, com tratamento antirretroviral, independentemente de critérios de carga viral e de Cd4, no sentido de evitar o desenvolvimento de SIDA e assim romper a cadeia de transmissão da infecção.
A caminho da eliminação da transmissão vertical
Os ganhos do país prendem-se, ainda, com a eliminação da transmissão vertical do vírus. Nos últimos anos, em cada 100 crianças nascidas de mães que vivem com HIV, 98 nascem saudáveis e o diagnóstico infantil precoce é observado em 99% dos casos, segundo a CCS-SIDA.
“Este resultado coloca o país dentro dos critérios da OMS para a certificação da eliminação vertical do HIV. Um grande ganho, pois, toda a criança tem direito de nascer livre do vírus. Com o acesso às consultas de pré-natal, o rastreio da infeção do HIV nas grávidas é de 98%”, avança Maria Ferreira, que informa que até 2023 pretende-se alcançar a certificação da eliminação vertical do HIV e da sífilis congénita.
São passos que o país tem adotado para atingir o objetivo de eliminar o HIV/Sida até 2030. Até esta data pretende-se ter zero novas infecções por HIV e que todas as pessoas que vivem com o vírus estejam indetectáveis e com isso, sem carga viral suficiente para transmitir a infecção. Uma meta ambiciosa que Cabo Verde pretende alcançar com ajuda de parceiros.
“Faltam oito anos para 2030. Até lá, Cabo Verde, conjuntamente, com os seus parceiros técnicos, financeiros e de implementação temos grandes desafios a ultrapassar. Neste contexto, várias estratégias estão já definidas no V Plano Estratégico Nacional do VIH-SIDA referente ao período 2022-2026”, informa a secretária executiva da CCS-SIDA.
Este plano será publicado agora em dezembro e possui estratégias que visam acelerar a resposta cabo-verdiana ao combate ao HIV no contexto de vulnerabilidade socioeconómica provocada pela pandemia de covid-19. Esta estratégia visa assegurar o acesso ao tratamento antirretroviral e aos meios de diagnóstico e de seguimento às
pessoas que vivem com o vírus, reforçar e habilitar as associações das pessoas seropositivas e mitigar o estigma e a discriminação face ao HIV, entre outras medidas.
Situação epidemiológica
Cabo Verde registou uma diminuição das novas infecções por HIV em 2018. De 0,8%, a taxa de prevalência do vírus passou para 0,6%, sendo que a maioria das contaminações está concentrada em populações chaves, segundo o III IDSR de 2018.
Até 2020, 85% das pessoas com HIV conheciam seu estado serológico, 78,8% estavam em tratamento antirretroviral e 53,2% mantinham carga viral indetectável. O número atual de pessoas em tratamento antirretroviral é de 2753, sendo que a doença regista, ainda, uma média de 80 mortes por ano.
Em todo o mundo o número de infectados é de 38 milhões de pessoas, conforme aponta a OMS, contudo a ciência e as novas formas de prevenção e sensibilização têm diminuído o número de novos casos no mundo.
Para já, sabe-se que há, pelo menos, quatro projetos de vacina em andamento, bem como desenvolvimento de medicamentos injetáveis que prometem impedir a transmissão do vírus e melhorar a qualidade e expectativa de vida de pessoas que depositam na ciência a esperança pela cura, pela imunização e por zero novas infeções até 2030.
Indetectáveis reescrevem nova história do HIV: De sentença de morte à doença crónica
De uma sentença de morte, o HIV passou a doença crónica nos últimos anos devido aos avanços no tratamento e na melhoria da qualidade e expectativa de vida dos seropositivos. O tratamento antirretroviral trouxe esperança e
consigo o conceito indetectável.
A supressão da carga viral causada pela adesão aos antirretrovirais, ajudam os seropositivos a reescreverem uma nova história do HIV, com melhor qualidade de vida e sem capacidade de transmissão do vírus.
A estratégia, aliás, têm sido massificar o acesso e a adesão ao tratamento antirretroviral para que todas as pessoas HIV positivo tenham carga viral indetectável, contribuindo assim para que não haja novas infecções pelo vírus, já que indetectável equivale a intransmissível.
As pessoas que vivem com HIV de forma indetectável podem passar a ter uma vida dita normal, com acompanhamento médico, inclusive ter filhos, sem contaminar o (a) parceiro (a).
Josefa Rodrigues, 49 anos, vive com o vírus do HIV há 17 anos. Contaminada pelo marido, que já morreu, o diagnóstico foi “difícil e complicado”, na altura ainda regado de estigma e preconceito. O resultado positivo, como diz, soou a uma sentença de morte. Ainda sem muitos avanços na altura, chegou a engravidar, sem saber da sua serologia, já que não se realizavam exames de HIV nas grávidas na altura. A filha, nascida de parto normal e que amamentou, “por sorte” nasceu saudável, mas Josefa só soube que era seropositiva depois do nascimento da filha.
Hoje, após adesão ao tratamento antirretroviral, Josefa mantém carga viral indetectável e não têm mais capacidade para transmitir o vírus e vive com mais qualidade de vida. “Tinha medo de não ver minhas filhas crescerem. Hoje, com maior expectativa de vida devido ao tratamento, não só consegui acompanhar o crescimento das minhas filhas, como já presenciei o nascimento do meu neto, coisas que pensei que jamais ia ver”, conta emocionada ao A NAÇÃO.
Novo paradigma
Para Josefa Rodrigues, os indetectáveis reescrevem uma nova história do HIV e chega a dizer que têm um “grande papel” na eliminação do vírus. “O futuro está nos indetectáveis porque a partir do momento que todas as pessoas conhecem sua serologia e passam a se tratar a ponto de ficarem indetectáveis, conseguimos bloquear a cadeia de transmissão do vírus.
Se não tem ninguém com capacidade de transmissão, o número de novos casos será de zero”, enfatiza.
Actualmente Josefa Rodrigues é vice-presidente da Rede Nacional de Pessoas que Vivem com HIV e têm feito um trabalho de sensibilização para que pessoas com o vírus aderem ao tratamento, bem como sensibilizar as famílias e sociedade no combate ao preconceito e estigma, ainda carregados pelo vírus.
“Temos trabalhado para que as pessoas que vivem com HIV tenham o seu próprio sustento, para que não fiquem dependentes das cestas básicas. Ministramos algumas formações, nomeadamente em arte de cabedal e outras áreas no sentido de capacitá-los e posteriormente conseguirem um emprego”, avança.
Segundo a vice-presidente desta rede, Cabo Verde tem tido uma “boa” actuação no combate ao HIV, seja no tratamento ou prevenção e destaca a atenção dada à transmissão vertical do vírus e na adesão ao tratamento antirretroviral.
Dificuldades financeiras comprometem activismo
Criada em 2009 em São Vicente, a Abraço é uma associação não governamental de pessoas que vivem com o HIV. Ailton Lima é o seu presidente e vive ele próprio com o vírus há 19 anos.
Diagnosticado em 2003, data em que o paradigma do HIV ainda não estava totalmente definido, no início Ailton Lima teve dificuldades em aceitar e tratar a doença.
Com o apoio de outras pessoas, que também vivem com o vírus, conseguiu encarar de frente a sua nova condição e
criou a Associação Abraço, juntamente com outros seropositivos.
Esta ONG tem trabalhado com pessoas seropositivas no atendimento, acompanhamento e distribuição de cestas básicas, além de ações de sensibilização nas comunidades, mas revela que as dificuldades financeiras têm travado o trabalho da Associação Abraço.
“Não temos feito um trabalho melhor porque não temos tido nenhum recurso, nem humano e nem financeiro para colocar o nosso plano de atividade em prática. A mobilização de recursos tem sido a nossa maior dificuldade. Temos dificuldades de ter acesso a materiais informativos, para terem uma noção”, avança Ailton Lima à nossa reportagem.
A nossa fonte destaca que a associação tem a preocupação de acompanhar as pessoas que vivem com HIV e estimular o acesso ao tratamento para que fiquem indetectáveis, como forma de evitar novas infecções. No entanto, avança que a pobreza e as desigualdades têm condicionado a adesão ao tratamento da forma correta, principalmente agora com a pandemia da Covid-19.
Desigualdades e pobreza
“Temos um tratamento eficaz que nos dá mais esperança de vida, porém a qualidade de vida deixa a desejar.
Não adianta nos dar esperança, quando não há emprego, não temos comida, nem uma casa de banho e nenhuma dignidade. A pandemia da Covid-19 infelizmente veio piorar tudo e colocou em pausa o nosso trabalho e piorou a pobreza sentida nas pessoas que vivem com o vírus”, exprime.
Este líder associativo pede o reforço das ações de sensibilização e testagem, por ter a percepção de haver uma diminuição na procura de preservativos e um baixar da guarda da população em relação à prevenção.
No entanto, está ciente que com a ajuda das associações e da sociedade em geral, Cabo Verde vai conseguir atingir a meta de eliminar o HIV até 2030, mas para isso, entende ser necessário implementar
avanços científicos na prevenção com a introdução da PrEp, combater as desigualdades e massificar o tratamento antirretroviral para que o número de indetectáveis seja cada vez maior.
Conceitos
Diferença entre HIV e SIDA – HIV é o vírus que provoca a imunodeficiência humana e Sida é o estágio avançado da doença quando a pessoas apresenta infecções oportunistas.
Carga viral -Termo técnico para a concentração do vírus no paciente infectado.
Indetectável e intransmissível – Quando um paciente tem carga viral indetectável, com pouca presença do vírus no organismo, fica indetectável e consequentemente intransmissível. Para garantir carga viral indetectável é necessária a adesão ao tratamento antirretroviral.
Cd4– É uma molécula que se expressa na superfície de algumas células T afetada pelo HIV.
Quimioprofilaxia– É uma profilaxia indicada em caso de urgência, indicada para pessoas que se expuseram ao HIV como violência sexual, casais com serologia diferente e acidentes de trabalho.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 743, de 25 de Novembro de 2021