A insuficiência de meios de conservação e tratamento do pescado, assim como a inexistência de um desembarcadouro ou um cais de pesca no Tarrafal de Monte Trigo preocupam os pescadores dessa zona piscatória de Santo Antão. A associação local fala em “abandono do sector” e a exclusão da mesma nos assuntos referentes à pesca nessa localidade. Já na cidade, o sector “vai bem”, segundo a associação que opera no concelho.
Porto Novo possui umas das maiores frotas de pesca do país, contudo os cenários são diferentes dentro do município. Se aos pescadores da cidade o sector “vai bem”, para os do Tarrafal de Monte Trigo a situação é “complicada”, querendo com isso dizer que navega quotidianamente num oceano de dificuldades.
Para Isaías Pires, presidente da Associação dos Pescadores do Tarrafal de Monte Trigo, a falta de meios de conservação do pescado constitui, no momento, o maior problema enfrentado pela classe. Como diz, a produção de gelo é insuficiente e não corresponde à demanda dos mais de 90 pescadores que operam na zona.
“Tínhamos duas máquinas de produção de gelo, mas há mais de um ano a Câmara Municipal levou uma das máquinas para conserto e nunca mais a devolveram. Desde então temos enfrentado problemas na aquisição de gelo para a conservação do pescado. A situação está cada dia pior”, lastima Isaías Pires ao A NAÇÃO.
Pescado comprometido
Com apenas uma máquina de produção de gelo à disposição, Isaías Pires diz que a insuficiente produção tem comprometido a conservação do pescado. E, por causa disso, tem os pescadores vêm registado perdas importantes, neste que é um dos maiores bancos de pesca do país, o chamado banco do noroeste.
A falta de condições de tratamento do pescado é também uma preocupação dos pescadores, que apelam por um espaço adequado para o fim, com condições de higiene e que dê um “aspecto mais saudável” aos turistas que visitam a localidade.
Os pescadores defendem a instalação de uma unidade de conservação e tratamento do pesca- do no Tarrafal de Monte Trigo, que corresponda à demanda, para além de um desembarcadouro.
“Quando o mar está revolto os pescadores têm muitas dificuldades em arrastar os botes que, muitas vezes, ficam ao largo. Um desembarcadouro ou um cais de pesca resolveria o problema”, entende Isaías Pires.
“Situação complicada”
Esse representante diz mesmo que a situação está “complicada” e que o sector está “abandonado” na zona. Isto porque, conforme avança, o Governo e a Câmara Municipal do Porto Novo têm excluído a Associação dos Pescadores do Tarrafal do Monte Trigo das decisões à volta do sector. Segundo Isaías Pires, os pescadores e a associação “não são ouvidos”, o que tem causado falha de comunicação entre as partes.
“A Câmara Municipal não contacta a associação para saber quais são os nossos problemas. Tenta fazer tudo sozinha e exclui a nossa associação e os pescado- res, não sei o porquê”, avança Pires.
Como exemplo, cita algumas iniciativas promovidas pela autarquia portonovense na localidade que “não são comunicadas” à associação, bem como uma missão do Ministério do Mar que esteve em Tarrafal do Monte Trigo em Agosto, para avaliar a possível localização do desembarcadouro de botes, mas que “deixou de lado” a associação local.
Este activista pede que a associação e os pescadores sejam ouvi- dos e incluídos para que juntos venham a resolver os problemas que afetam o setor da pesca em Tarrafal de Monte Trigo.
Cidade com cenário “melhor”…
Já na cidade do Porto Novo o sector da pesca “vai bem”, segundo o presidente da Associação de Pescadores e Peixeiras, Atlermiro Neves, mas reconhece que há, ainda, “muitos desafios” no sector a começar pela fiscalização, licenciamento, financiamentos e infraestruturas.
Diferente do Tarrafal de Monte Trigo, que passa pelo problema da conservação do pescado, na cidade a produção isso já não é mais problema. Com duas unidades de produção de gelo à disposição dos pescadores, a conservação do pescado é um dos maiores ganhos, bem como a aquisição de embarcações autossuficientes com maior capa- cidade de navegabilidade.
Já há passos para a industrialização da frota, a terceira maior do país, com a melhoria de condições de navegabilidade de alguns barcos, mas a falta de financiamen- to, segundo Atlermiro Neves, tem sido um dos pontos fracos.
Outro ganho, citado por aquela fonte, é a melhoria na comercialização do pescado, com “mais qualidade e regulado”, estando um mercado de peixe em construção na cidade, que pretende retirar 27 peixeiras e 10 tratadores de peixe das ruas e agregar qualidade e higiene ao pescado.
Pesca artesanal enfrenta dificuldades
No entanto, nem tudo são rosas. A pesca artesanal tem enfrentado dificuldades, principalmente no que diz respeito à sustentabilidade. Atlermiro Neves avança que os pescadores artesanais têm se deparado com dificuldades de manutenção das embarcações e dos motores, além da falta de financiamento.
Além do mais, muitos pescadores têm tido problemas com uma fiscalização “rigorosa e exagerada”, como adianta o presidente da associação, e que muitas vezes, segundo Neves, deixa de lado a pedagogia.
“Temos tido algum problema com a fiscalização. A Associação dos Pescadores reconhece a necessidade e as vantagens de ter uma fiscalização firme e actuante. Mas temos verificado um certo exagero por parte dos inspetores de pesca. Quando encontram uma embarcação numa situação de ilegalidade a nível de documentação há um exagero enorme. Lançam ao mar o pescado recém capturado, deixando os coitados ao deus dará”, conta Neves com alguma indignação.
Atlermiro Neves pede um “meio termo” na fiscalização, apelando aos inspetores a servirem-se da pedagogia para corrigir determinados erros nas embarcações.
Cais de pesca, prioridade e urgência
À semelhança do Tarrafal de Monte Trigo, na cidade do Porto Novo reivindica setambéma construção de um cais de pesca. Promessa antiga, os pescadores não vêem a hora do projecto existente sair do papel, tendo em conta os meios de captura e as embarcações disponíveis na cidade.
“A infraestrutura é uma necessidade. As embarcações de pesca tem dificuldades em descarregar o pescado quando há embarcações de cabotagem no cais. Têm de esperar que as embarcações saiam para que possam atracar”, explica Atlermiro Neves.
Em suma, apesar dos avanços, os pescadores do Porto Novo pedem maior acesso a financiamentos e solicitam ao Governo a criação de incentivos para que os armadores possam melhorar as embarcações artesanais e responder às dificuldades a nível da sustentabilidade.
Câmara Municipal e “projectos concretos” para pesca
A Câmara Municipal do Porto Novo garante que já desenhou um “grande programa”, denominado de MIPESCA, que versa a modernização e a inovação da pesca no município. De acordo com o vereador Valter Silva, a edilidade tem consciência do peso da pesca na economia do concelho e dos problemas que se colocam para o seu desenvolvimento.
Valter Silva, o vereador responsável pela economia, explicou ao A NAÇÃO que a autarquia tem projectos “muito concretos” que passam pela construção de um cais de pesca, requalificação das zonas balneares, formação de pescadores, construção de cadeias de frio e canais de distribuição.
Aquela fonte avança ainda que em parceria com o Ministério da Economia Marítima, a CMPN tem apoiado os pescadores com a melhoria das suas embarcações, nomeadamente em relação à fibragem, melhoria de redes, pintura, distribuição de motores fora de borda,
equipamentos de navegação, etc. Ainda a autarquia diz estar a trabalhar noutras comunidades piscatórias como Monte Trigo, nomeadamente na expansão da unidade de produção de gelo.
“Dobramos a capacidade de 500 para 1000 kg de gelo. Hoje, em Monte Trigo, há fornecimento de gelo autónomo, temos painéis solares que ajudam na produção, para abastecer as embarcações de pesca que passam naquela zona”, assegura o vereador.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 740, de 04 de Novembro de 2021