Conhecidos os resultados eleitorais de domingo, 17, os candidatos começam a fazer contas ao “investimento” feito na caça ao voto. É com alívio, aliás, que tanto José Maria Neves, como o tesouro público vêem a disputa a ser resolvida logo à primeira volta. Caso contrário, só o Estado teria de desembolsar mais 170 mil contos para uma segunda ronda eleitoral.
Entre vencedores e vencidos, no fim das contas, todas as candidaturas estão expectantes quanto ao valor que cada uma vai encaixar com os votos conquistados. Esta é a forma que o “sistema”, ou melhor, o Estado encontrou para financiar os partidos políticos e os candidatos à Presidência da República.
Estado deve gastar cerca de 300 mil contos
De acordo com a directora do Gabinete do Processo Eleitoral (DGAPE), Arlinda Chantre, de Abril, até agora, o Estado deve ter gasto aproximadamente, 300 mil contos com as Presidenciais (ver caixa).
Se para algumas candidaturas, dá para constatar que os valores arrecadados ajudam a cobrir as despesas no “investimento” da caça ao voto, incluindo toda a propaganda de campanha (entre t.shirts, bandeiras, cartazes, outdoors, páginas na internet, etc.), no caso de outras, em que não se verificou grandes investimentos, ainda saem a ganhar, no lucro.
Segundo o site oficial das eleições do NOSi, dados provisórios de quarta-feira, 20, quando ainda faltava fechar a votação em Santiago Sul, davam conta que José Maria Neves tinha conquistado 95.776 votos. Se cada voto corresponde a 750 escudos, essa candidatura vai encaixar 71 mil e 832 contos.
Candidatura de JMN: entre 50 e 70 mil contos
Apesar de o A NAÇÃO ter tentado saber junto da candidatura de JMN qual o valor, ainda que aproximado, do orçamento da sua campanha, a mesma disse ser “impossível” dar números porque ainda não fechou as contas. Porém, é provável que tenha desembolsado, por baixo, entre 50 e 70 mil contos para chegar ao Palácio do Platô.
“Há que fechar as contas para apresentar à CNE. E, neste momento, o que se pode avançar é o que se falou, inclusive nos debates, que a campanha de JMN foi muito regrada e comedida, até pelos parcos recursos, que se basearam, sobretudo, no empréstimo junto à banca, com referência na estimativa dos votos a serem conseguidos”.
Também, esta candidatura serviu-se da angariação de fundos junto dos apoiantes de JMN para ajudar a cobrir os custos financeiros da campanha.
“Foi com base nessas duas fontes (empréstimo bancário e apoios) que se fez toda a campanha. Como se pôde ver aos olhos de todos, é nítida a diferença abismal de recursos do candidato apoiado pelo Governo (Carlos Veiga) e do que foram os gastos do nosso candidato”.
Em suma, os responsáveis dessa candidatura dizem que foram “gastos prudentes, para evitar dívidas pós campanha”. Aliás, o facto de a disputa ter sido resolvida logo à primeira volta foi recebida com manifesto alívio. De acordo com uma fonte, já foi difícil concluir a campanha eleitoral, por isso, a haver uma segunda volta, a dor de cabeça seria maior.
Candidatura de Veiga:cerca de 115 mil contos
Já a candidatura de Carlos Veiga disponibilizou as verbas que diz ter investido na campanha, ainda que sejam “estimativas” e não “valores finais”.
“Estimamos os custos totais na ordem dos 115 mil contos”, avançou ao A NAÇÃO um elemento daquele candidato.
Questionado sobre o orçamento da campanha e a proveniência do dinheiro, o candidato apoiado pelo Governo afirmou que foi feito um empréstimo bancário de 80 mil contos junto da banca e que havia cerca de 35 mil contos em “apoios”. Dos 115 mil contos estimados, cerca de 15 mil destinou-se a “gastos” com as equipas de marketing e material de propaganda.
Feitas as contas, esta candidatura investiu 115 mil contos na campanha, tendo arrecadado em votos, segundo os dados provisórios, 58. 818 mil contos, equivalentes a 78.424 votos conseguidos.
Ou seja, ainda que tenha conseguido mais de metade do valor contraído junto da banca, contas feitas, resta um défice ou um prejuízo à volta de 56 mil contos que será preciso pagar.
Candidatos independentes
Já os outros candidatos (independentes, sem apoio de partidos políticos), também conseguiram encaixar verbas significativas, se tivermos em conta os investimentos de campanha e, em alguns casos, quase inexistentes, se comparados com os candidatos apoiados pelos principais partidos.
Aliás, os cinco (Casimiro Pina, Hélio Sanches, Fernando Rocha, Gilson Alves e Djack Monteiro) contestaram, ao longo da campanha, os milhares de contos que os candidatos apoiados pelos partidos estavam a gastar na campanha, ainda por cima em plena crise que o país vive, com aumento de preços e do IVA de produtos importantes.
No caso de Casimiro Pina, que ficou em terceiro lugar com 3.343 votos, este vai encaixar 2.507.250 escudos. Já Hélio Sanches, que ficou em quarto lugar, terá por receber 1.587.750$00, provenientes dos 2.117 votos alcançados. Acima de um milhão de escudos estão Gilson Alves e Djack Monteiro. O primeiro teve 1557 votos, equivalentes a 1.167.750$00, enquanto Djack Monteiro conquistou 1.375 votos, que, se multiplicados por 750$00, lhe vão permitir encaixar 1.031.250 escudos.
750 escudos por cada voto: Candidatos são compensados com o dinheiro dos contribuintes
A diretora do Gabinete de Apoio ao Processo Eleitoral (DGAPE) Arlinda Chantre, estima em 170 mil contos a poupança que o Estado vai conseguir ao não haver uma segunda volta para as eleições presidenciais.
Arlinda Chantre recorda que para todo o processo eleitoral está contemplada uma verba de 300 mil contos.
O Código Eleitoral estabelece o valor de 750 escudos por voto à candidatura que receber pelo menos 10% dos votos válidos.
Contudo, um candidato presidencial (Joaquim Monteiro), nas eleições passadas, que teve menos dessa percentagem, recorreu da decisão da CNE que lhe negou o pagamento da subvenção, com base neste artigo 390° do Código Eleitoral. Voltou a recorrer ao Tribunal Constitucional e obteve provimento.
Questionada sobre o assunto, Arlinda Chantre preferiu não se pronunciar, lembrando que as suas competências são meramente técnicas, de logística eleitoral.
De resto, não é de hoje que o facto dos candidatos receberem uma compensação directa pelos votos alcançados, à luz do Código Eleitoral, levanta questões junto da opinião pública, especialmente, devido ao desempenho de alguns candidatos, ou partidos, isto tendo em conta também o pressuposto de “qualquer um” pode ser candidato, em termos de perfil.
Aliás, em África, a proliferação de partidos e candidatos à Presidência da República tem precisamente a ver com a possibilidade de se transformar qualquer acto eleitoral numa fonte de rendimentos, nomeadamente, por indivíduos pouco escrupulosos ou que, na sua megalomania, se mostram dispostos a concorrer a qualquer eleição.
“Sou contra a compensação direta de 1 voto= 750$. Devia haver um resultado mínimo, digamos 5%. É porque assim qualquer lunático pode concorrer, como aliás acontece. Vejamos, o candidato menos votado, que mal se mexeu na campanha, com uns ridículos 0,7% dos votos, ainda assim leva 1.000 contos do Estado!
Inaceitável”, escreveu no Facebook, o internauta César Schofield, num post sobre as Presidenciais de domingo passado, que abordava outras questões, também.
Naturalmente, esse post teve várias reacções e houve quem não soubesse inclusive que se ganhava por cada voto alcançado. Houve também quem defendesse que não é preciso muito para conseguir ganhar alguma coisa, mesmo não sendo eleito.
“Concorrer para a PRCV (Presidente da República em Cabo Verde), its a win win game.
Mesmo se não for eleito, com uma boa dose de ‘boca sabi’ e demagogia, consegue-se um bom troco”, escreveu Barrais Varela.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 738, de 21 de Outubro de 2021