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Mobilidade: Nossa grande vitória!!??

Por: Carlos Carvalho

Em tempos, publiquei neste jornal um artigo que intitulei “Mobilidade e Dignidade”. Nele, levantava dúvidas na concretização de nossa nova panaceia, a Mobilidade.  Transcrevo aqui um extracto do que em substância pensava sobre ela:

« A substância dessa mesma Comunidade (CPLP) é, para todos os cidadãos a ela pertencentes, a possibilidade de todos poderem livremente circular no seu espaço. E é o circular livremente no seu espaço o busílis da Comunidade. Em todas as reuniões  e cimeiras ela aparece e é objecto de uma série de discussões, mas ruzultadu k balé … kela nunca. Vai-se “pintxandu k barriga”, encontro sim, encontro não! 

A história voltou a repetir-se na nossa linda e acolhedora Mindelo. »

O artigo foi escrito após a Reunião do Mindelo. Apresentei, na altura, os motivos pelos quais duvidava da tão procurada Mobilidade. No artigo, disse que até poderia vir a concretizar-se, mas seguramente não seria no mandato de nosso PR, JCF.

Assim, quando ouvi e vi ser assinado o documento aprovador da Mobilidade na CPLP, pensei comigo:

– Omi nhu ten k da mo a palmatoria…porque, afinal, o nosso Zona la conseguiu levar seus parceiros na curva e … aí esta …

A Mobilidade foi conseguida.

Pensei ainda:

– Ago … nhu ten k ben publikamenti fla ma … prognostico di nho … fadja.

Aprovado o Acordo, pensei que … finalmente … já poderíamos ir a Lisboa e Fortaleza sem nenhum problema. Já não seríamos mais injuriados no Centro Comum de Vistos e ou outros podoris di vistu nas nossas Praças africanas. 

Mas, antes de vir dar mão à palmatoria, decidi ir ver o que estava no Acordo assinado pelos nossos altos dirigentes…para com melhor conhecimento de causa … estender a mão.   

Autoria intelectual do Acordo – Um equívoco-maior meu

Estava convencido de que todo o processo foi superiormente arquitectado e pilotado pelo génio criador de nossos governantes, liderados por SE o Sr. PR, o perseguidor-mor da Mobilidade, e pelo anterior Ministro dos Negócios Estrangeiros, meu amigo Luís Filipe.

Acabei/amos por saber, pela boca do nosso “babamente” idolatrado Prof. Marcelo, PR de Portugal, que, afinal, a ideia que acabou por conduzir ao actual Acordo é toda ela da autoria do Premier Português, António Costa (AC).

Confesso que fiquei muito desapontado… frustrado… mesmo!!

  

A mobilidade – O Acordado

Como dizia, para escrever com alguma ciência sobre tão importante assunto e não falar / escrever asneira, tive que ir ler: 1. A Resolução sobre o Acordo …; 2. O Preâmbulo ao Acordo; e 3. Os 39 artigos que conformam o mesmo Acordo.

Da leitura

Li tudo!! De A a Z.

Acabada a leitura, a 1ª coisa que me passou pela cabeça foi:

Qual o cabo-verdiano ou qualquer “cepelepiano”, normal, vai dar-se ao luxo de ler … para entender/compreender as substâncias dos 39 artigos do Acordo?

Imaginem agora o Zé Povinho, semi-analfabeto ou pior ainda o analfabeto, desses países?

Do conteúdo

Confesso que, no decorrer da leitura, a minha desilusão foi-se acentuando. Será impossível, num artigo de um jornal, fazer a análise de todo o articulado no Acordo. Mas, farei a leitura possível, dentro dos limites que me impõe o jornal.

Dos factos

Apresento aqui só alguns artigos para quem não vai dar-se ao trabalho de ler o Acordo. Nos quase todos os trinta e nove artigos, impera duas figuras: 1. As restrições; e 2. Os acordos regionais/internacionais das Partes, que condicionam quase todo o Acordo, no que de mais importante o comum do cepelepiano almeja, circular livremente entre os PLP.

Vejamos alguns exemplos.

Logo no Preâmbulo pode-se ler: 

Considerando que a mobilidade é um dos principais meios de fortalecimento dos vínculos entre pessoas […] a mobilidade dos cidadãos nos territórios que a compõem deve ser tão livre quanto possível, exceto quando razões de interesse público imponham restrições razoáveis;

Ressaltando […] Acordo permite aos Estados-Membros, se tal se mostrar necessário, condicionar, num quadro de razoabilidade, a efetivação do acesso ao seu território ao preenchimento de certos requisitos que sejam essenciais para a salvaguarda do interesse público […];

E considerando, por fim, que o presente Acordo salvaguarda os compromissos internacionais dos Estados-Membros em matéria de mobilidade […]

Quase todos os parágrafos seguintes do Preâmbulo fazem referência a especificidades/restrições dependentes dos Acordos a que estão vinculados. Sobre os artigos em si, porque poderia aqui citar quase todos, eis só alguns exemplos.

Artigo 4.o

Princípios Estruturantes

2. O Acordo é estruturado com base nos seguintes princípios:

d)  Salvaguarda dos compromissos internacionais das Partes em matéria de mobilidade decorrentes dos Acordos regionais de integração nos quais sejam Partes.

Artigo 10.o

Restrições de entrada e permanência

1. Sem prejuízo do disposto no presente Acordo, é permitido às Partes restringir a entrada ou permanência dos cidadãos da outra Parte no seu território por razões ligadas à necessidade de salvaguarda da ordem, segurança ou saúde pública.

Artigo 12.o

Compromisso de incremento

3. Às Partes não é exigível o cumprimento de obrigações que se mostrarem incompatíveis com os compromissos internacionais […]

Artigo 30.o

Entrada em vigor

1. O presente Acordo entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte à data em que três Estados-Membros tenham depositado na sede da CPLP […]

2. Para cada um dos Estados-Membros que vier a depositar posteriormente […] o Acordo entra em vigor no primeiro dia do mês seguinte à data do depósito.

Conclusão

De tudo o que aqui foi transcrito, podia transcrever quase todo o Acordo, eis a conclusão a que se deve chegar.

Apesar de assinado com pompa e circunstância e de ter-se gabado de atingir o desiderato maior de nossa Presidência da CPLP, deve-se, no fundamental, concluir que:

… Tornamos a pintxar com a barriga a tão procurada MOBILIDADE.

É que mesmo com o Acordo, o meu patrício da Guiné não irá chegar e entrar no aeroporto Nelson Mandela, sem chatices.

O Zé Povinho … de fundo de cutelo de qualquer PALOP … não irá pegar na sua trouxa e rumar a Lisboa ou Fortaleza, sem que lhe encostem ao lado, na Polícia da Fronteira.

Não!! Ainda não!!

Aliás, o agora anterior Secretário-geral da Comunidade, o Embaixador Ribeiro Teles, quando perguntado se já podemos sair pelos PLP a tratar de nossos affaires, foi logo dizendo que … NÃO É BEM ASSIM…AINDA!!

Já o Ministro angolano dos Negócios Estrangeiros, novo Chefe da CPLP, foi logo dizendo que seu business é ECONOMIA. A nossa querida Mobilidade não irá seguramente constituir prioridade para os nossos irmãos mangolés.

O que vai então acontecer “Cepelepianos”- Africanos?

Vamos todos ainda esperar…para ver … como vamos mover nos nossos PLP.

É que com todos as restrições que o Acordo impõe nada mudou em relação ao status quo actual.

Cada país continua amarrado aos seus compromissos regionais, portanto, esses acordos anteriormente assinados prevalecem em relação a este.

Todos vamos ter que provar ter meios de subsistência para podermos entrar no país outro da Comunidade.

Vamos todos ter que esperar que todos os Parlamentos aprovem/retifiquem o Acordo e mais … e mais!!

Bom, para provar que eu tinha razão de que somos os principais interessados nessa estória toda da Mobilidade, fomos logo, a correr, levar o assunto ao nosso Parlamento que o ratificou, creio, por unanimidade.

Pudera!!!

Estou quase certo de que a maioria de nossos deputados nem leu, comme il faut…o que aprovaram.

O importante tínhamos que dar o exemplo e sermos o 1° a o depositar na Sede da CPLP.

Depois…

Vai ainda depender, por exemplo, de se o CHEGA não for nunca Governo em Portugal…e não é tão improvável que isso venha a acontecer.

Vai depender, por exemplo, di kel Busunaku di kelotu ladu, não voltar a ganhar as eleições daqui há uns dois anos.

Vai depender, por exemplo, de se o braço armado do Estado Islâmico em Moçambique for completamente derrotado…e desmantelado.

E…vai depender de etc., etc., etc.

Portanto…em relação a MOBILIDADE…

… A Procissão ainda vai no adro.

Bem gostaria de dar a mão a palmatoria e pedir desculpas ao nosso PR por meu errado julgamento feito em DIGINDADE e MOBILIDADE.

Infelizmente, creio ainda ter razões para reescrever quase tudo o que havia escrito em DIGNIDADE E MOBILIDADE!!

Até o dia em que … finalmente … iremos poder meter em qualquer avião … sem chatices…desembarcar num aeroporto qualquer “cepelepiano”.

Nesse momento … inicial … como escreveu o poeta Jorge Barbosa, virei para dar um GRANDE SARAVÁ a MOBILIDADE DE FACTO.

Tenho dito. 

Julho 2021.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 727, de 05 de Agosto de 2021

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