A RiftOne é um dispositivo de computador inteligente criado por Saulo Montrond e sua equipa, que pretende ser um passo importante em África para a criação de tecnologia. Além de permitir o acesso e a utilização da tecnologia, a menor custo e de forma mais acessível, permite gerar outros dispositivos e transformar o seu utilizador também num criador de tecnologia.
Apesar de ter mais de um bilião de pessoas, África representa apenas 3% do tráfego de internet no mundo.
O acesso a um computador é uma realidade em 10% das suas habitações e os custos de internet, assim como de dispositivos de acesso, ainda são elevados.
Estes foram alguns dos factores que levaram o empresário Saulo Montrond e sua equipa da Green Studio a desenvolver a RiftOne.
A RiftOne é um dispositivo de computador inteligente, que para além de ser mais acessível às famílias de baixa renda, oferece as ferramentas necessárias para que a criança deixe de ser um mero utilizador de internet e passe a ser também criador de tecnologia.
RiftOne e suas várias funcionalidades
A RiftOne comporta várias funcionalidades num único dispositivo. Funciona como um mini computador pessoal tipo desktop e setup box, oferecendo ao utilizador a possibilidade de instalar aplicativos do sistema Android. Funciona, ainda, como um descodificador de televisão digital.
“Notamos que em Cabo Verde, e em África de uma forma global, há uma ausência de plataformas.
Existem hoje plataformas de distribuição de conteúdos digitais, mas basicamente não temos uma plataforma OTT (Over The Top) que tenha não só uma plataforma digital online, mas também que disponha de um dispositivo físico, igual temos hoje a Apple TV, a Firestick, entre outros”, explica Saulo Montrond.
Educação: custo acessível para estudantes
O dispositivo propõe ainda preencher uma lacuna a nível da educação.
“Temos alguns desafios e um deles tem a ver com o acesso a internet. Em África a internet ainda tem um custo elevado, comparado com outros países, e também muita latência em relação à velocidade.
Isso deve-se ao facto das grandes companhias não terem servidores no continente, então é muito mais caro e demora mais tempo”, específica.
Para além do custo e qualidade da internet, um outro desafio prende-se com o acesso a dispositivos. Em Cabo Verde, por exemplo, já se pode utilizar internet 4G e 5G, eventualmente.
Mas o acesso a computadores ainda não faz parte da realidade de boa parte das famílias.
“Um estudante precisa de um computador para estudar, um criativo para criar conteúdos precisa de um computador, pois não vamos estar a editar um grande projecto num telemóvel ou escrever textos”, exemplifica, lembrando que o custo de um computador ainda é elevado.
Esse dispositivo, segundo Montrond, para além de ser pequeno, 2consome pouca energia.
“Consome 10 watts de energia, pode ser alimentada com duas pilhas e custa a partir dos 4500 escudos, o que representa um ganho brutal, para que alunos e famílias possam ter acesso a um computador em casa”, garante.
Produto de patente nacional
Todo o software e hardware da RiftOne foi desenvolvido de raiz, o que faz dele um produto 100% nacional.
“É um sistema que chamamos de Single Board Computer, onde nós temos todos os componentes de um computador normal, numa só placa.
Igual o telemóvel que é ao mesmo tempo processador, memória, placa gráfica e armazenamento, todos dentro de uma única placa”, explica.
O hardware foi desenvolvido em parceria com uma empresa na China, que é a mesma que fornece dispositivos hardware para a Google nos EUA. A Green Studio, que detém a sua patente, desenvolveu ainda o software, com dois sistemas operativos.
“Quando ligas a box num televisor ou num monitor tens a opção de escolher se queres entrar no sistema operativo Linux, que é igual ao Windows, mas com a vantagem de ser totalmente gratuita, ou seja, não precisamos pagar licenças. É também Open Source, ou seja, qualquer pessoa pode entrar e modificar o sistema e é muito mais seguro”, esclarece.
De utilizador a criador de tecnologia
Qualquer pessoa pode abrir o minicomputador e criar outros projectos em cima.
Por exemplo, em parceria com o Ministério da Educação e as cooperações luxemburguesa e portuguesa, a Green Studio esteve a ensinar coding às crianças durante quase dois anos.
Não só a iniciação à programação, mas também como criar projectos tecnológicos, usando a placa mãe do computador.
“Estavam a criar robôs, sistemas de irrigação inteligente gota-a-gota e equipamentos de meteorologia, a partir da RiftOne.
Permite criar qualquer tipo de dispositivo, desde máquinas inteligentes, drones, etc”, explica Montrond.
Saulo Montrond sublinha que em África somos essencialmente utilizadores de tecnologia importada, mas não temos sido criadores. Neste sentido, a visão do projecto é que as crianças possam quebrar essa barreira do consumo passivo e passar também elas a criar.
Utilização do RiftOne em escolas de Santiago
Neste momento, oito escolas da ilha de Santiago já utilizam o dispositivo, que se revelou de extrema importância no último ano, quando a pandemia da covid-19 impulsionou o ensino à distância, que, por sua vez, veio revelar as fragilidades em termos de acesso à tecnologia.
A RiftOne permite, por exemplo, que um televisor antigo seja transformado em um computador.
“Mesmo as pessoas que têm aqueles computadores antigos, podem ligar a nossa box e transformar essa TV antiga num computador. Precisa só ligar teclado e rato. Ao mesmo tempo, ligando uma antena no descodificador da televisão, pode transformar esse computador antigo num computador digital e aceder à TDT.
É uma solução holística para os desafios de conteúdos e da educação”, considera.
Lançamento comercial ainda este ano
Todo o projecto está finalizado e espera-se o seu lançamento comercial até o final deste ano. É, entretanto, um projecto que exige financiadores, já que até esse ponto tem sido a própria Green Studio a investir.
“Neste momento queremos lançar o produto no mercado de forma comercial. Qualquer Governo pode aderir ao programa e também pessoas individuais”, termina Saulo Monteiro.
Através da RiftOne, a Green Studio tem explorado outras possibilidades de criação. Uma delas é uma plataforma de videoconferência denominada Reunion (reunion.cv) e foi lançada em 2020, no ápice da pandemia.
Apesar de funcionar da mesma forma que o Zoom ou o Teams, acresce a vantagem de ser totalmente gratuita, sem custos adicionais para aceder. A plataforma suporta chamadas de até 100 pessoas, sem limite de tempo.
“Neste momento temos cerca de 800 utilizadores mensais. Para além de não haver custos para aceder à plataforma, nós queremos que as pessoas utilizem a Reunion sem o consumo de dados, que é outro grande desafio do Zoom, onde 30 minutos consome cerca de 600 megas”, explica o promotor.
Para que o a plicativo seja utilizado sem gasto de dados, a empresa precisa trazer o seu servidor para Cabo Verde e instalar junto das operadoras nacionais.
Através da RiftOne foi desenvolvida ainda uma plataforma OTT, que se chama Rift Play, que se equipara à Netflix, com a diferença de que qualquer pessoa pode criar o seu canal lá dentro. O processo é igual a quando se cria um canal no Youtube e pode ser monetizado.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 727, de 05 de Agosto de 2021
