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Economia

Calhau – São Vicente: Camarão “made in” Cabo Verde

A Fazenda de Camarão, em São Vicente, almeja satisfazer toda a procura do mercado nacional desse marisco. Emprega dezenas de pessoas no Calhau, sobretudo mulheres, e o consumo desse fresco só não é maior devido à falta de transportes inter-ilhas, diz o seu promotor e gerente, Nelson Atanásio Santos.

Fundada em 2017, a Fazenda de Camarão é pioneira nacional em aquacultura. Tem a particularidade de os viveiros serem instalados em terra e em ambiente controlado, o que se traduz num impacto ambiental mais reduzido quanto possível, explica, com o entusiasmo que o caracteriza, o empresário Nelson Atanásio Santos.

Conforme diz, a alimentação dos camarões é orgânica, já que à base de microalgas produzidas, igualmente, na fazenda, fora a parte da ração que é feita com farinha de peixe e farinha de milho. A outra metade da ração para a alimentação é importada do Brasil.

O mentor e administrador do projecto avança ao A NAÇÃO que, no ano passado, a fazenda produziu 22 toneladas de camarão fresco, e garante que este ano vai ultrapassar as 44 toneladas, mesmo com todas as condicionalidades impostas pela pandemia de covid-19. 

“O país tem um potencial enorme quer em aquacultura, quer maricultura. Ainda assim, acredito que a aquacultura feita em terra, ao invés de no mar, como é o nosso caso, é melhor controlada”, afirma esse conhecido empresário de São Vicente, natural da Boa Vista, que destaca as possibilidades enormes dessa indústria, especialmente nas ilhas mais planas do país.

Uma iniciativa inspirada no Brasil

Em Abril passado, a Fazenda de Camarão celebrou quatro anos de existência, mas, conforme o seu promotor, a ideia do projecto vem de muito antes, “muitos anos”… Tudo começou durante uma deslocação sua ao Brasil, onde viu como se produz camarão em terra. Ao ver o que viu, rapidamente intuiu que este arquipélago também reúne condições para esse tipo de exploração.

No contexto de Cabo Verde, encontrou constrangimentos vários, especialmente, ao nível do financiamento, dado que na época “ninguém acreditava na aquacultura”. “Mesmo assim”, acrescenta, “fizemos o projecto e concorremos a um financiamento internacional, em parceria com uma empresa brasileira e outra nacional. Assim nasceu a Fazenda de Camarão”.

Em 2017, o investimento foi de 600 mil contos destinados à produção de 200 toneladas/ano de camarão marinho, em dez viveiros e num espaço total com aproximadamente 30 hectares de área molhada em tanques semi-escavados.

A ideia inicial passava pela engorda de camarão, com a importação de larvas dos Estados Unidos da América, mas quando a Cabo Verde Airlines (TACV) deixou de fazer as ligações de São Vicente/Boston ou São Vicente/Lisboa, a empresa viu-se obrigada, para sobreviver, a remodelar o projecto.

“A partir desse momento começámos a produzir as nossas próprias larvas, e continuamos a resistir, sabendo todos que nada é fácil em Cabo Verde”.

Actualmente, já são 40 viveiros instalados. Mas desses apenas oito estão com água, pois ainda “é preciso financiamento para bombear mais água do mar para enchê-los, para produzir para o mercado nacional” e “em breve e exportar”.

Resposta do mercado mesmo sem transportes

Nelson Atanásio lamenta o facto de a empresa ter a capacidade para abastecer todo o mercado nacional mas que por falta de transportes inter-ilhas isso não acontece.

“As conexões entre as ilhas não são regulares e carecem de condições para o transporte de produtos refrigerados ou frescos, como os nossos. Inclusive, para conseguir colocar 50 quilos de camarão na cidade da Praia, tivemos que comprar uma arca frigorífica para encher e enviar, o que é extremamente inviável caso quiser despachar uma tonelada”, avalia Atanásio.

Mesmo assim, esse empresário acredita que o produto da Fazenda de Camarão está, na medida do possível, a “entrar bem” no mercado.

“A população está a ver o nosso camarão como um produto de qualidade e com um preço aceitável. Por isso, os cabo-verdianos consomem cada vez mais os nossos camarões”.

Formação de  moradores do Calhau

Para criar uma empresa com características específicas,  como  é o caso da Fazenda de Camarão, que opera com aspectos fundamentais como o controlo de produção, a saúde animal, a segurança alimentar e a protecção ambiental, Nelson Atanásio Santos destaca a importância da formação dos colaboradores.

 “Tínhamos que ter pessoal qualificado mesmo sem nunca ninguém ter produzido camarão em Cabo Verde. Foi a nossa bióloga a fazer a formação dos nossos funcionários, recrutados entre os moradores do Calhau, principalmente mulheres”.

Actualmente, 65% dos seus funcionários são mulheres, recrutadas na maioria daquela zona de São Vicente. Como diz orgulhoso o entrevistado do A NAÇÃO, “são elas que alimentam os camarões e, muitas vezes, fazem as leituras dos parâmetros da oxigenação da água, salinidade, entre outros aspectos técnicos”.

Neste momento, por causa do contexto em que Cabo Verde se encontra, ditado pela covid-19, a fazenda está a operar com cerca de trinta funcionários, mas o número pode chegar aos noventa empregos de forma directa quando produz a cem por cento da sua capacidade.

Aposta nas energias renováveis

Em meio às preocupações com os custos de electridade, as fontes de energias limpas tornam-se cada vez mais uma solução viável à actual matriz energética no país.  A ideia é, até ao final do presente ano possa, reduzir o consumo de electricidade clássica para apenas 20%, o que significa que estará a produzir 80% da energia que consome através das renováveis, nomeadamente energia solar e eólica.

Contra ventos e marés, Nelson Atanásio Santos espera que o problema dos transportes internos e para o exterior seja logo resolvido e que a covid-19 seja, também ela, ultrapassada.

Sem essas duas pedras no caminho acredita que em breve os camarões “made in” São Vicente, ou “Made in Cabo Verde”, estarão à mão de semear de qualquer cabo-verdiano. Mais do que isso, de país importador desse marisco, este arquipélago poderá tornar-se um exportador, como vinha acontecendo antes da pandemia e do estrangulamento criado pela retirada da TACV de São Vicente.

(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 723, de 08 de Julho de 2021)

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