PUB

Ambiente

Casal reduz custo de casa própria ao construir o primeiro Cobi ecológico do país

Engenheira ambiental de profissão, Neiva Cardoso, quis trazer para a esfera pessoal o que defende para o meio ambiente. Ela e o marido, Filomeno Borges, construíram, em São Domingos, a primeira habitação de arquitetura sustentável, inspirada no modelo Cobi, muito utilizado em alguns países africanos. Uma forma de reduzir os impactos ambientais da construção e diminuir os custos de casa própria.

Neiva Cardoso conta ao A NAÇÃO que sempre quis ter uma casa “diferente”, que fosse auto-sustentável e que fugisse do convencional. A ideia do Cobi surgiu em 2016, quando ficou a saber, pela televisão, de uma formação ministrada na ilha de São Vicente, sobre casas ecológicas.

De imediato, explica, entrou em contacto com a formadora norte-americana e a convidou-a a ministrar a mesma formação também em Santiago.

“Ela esteve connosco durante nove dias e nesse tempo construímos um quarto e uma casa de banho. A partir daí demos continuidade e terminamos o projecto”, acrescenta.

À base de argila, palha e pedra

A casa, localizada na zona de Caiada, à beira da estrada que dá acesso a Rui Vaz, é feita à base de argila, palha e pedra, extraídos do solo onde foi feita a construção. Não contém nem cimento nem ferro, o que diminui de forma considerável os custos da sua construção, segundo avança o jovem casal.

“No nosso caso, como a terra era muito argilosa, tivemos de acrescentar areia mecânica, mas há situações em que não é necessário. De resto, tudo foi encontrado aqui mesmo no local”, garante.

Para colocar o projecto de pé, todos os trabalhadores participaram da formação, pois, como se trata de uma parede maciça, de bloco único, detalhes como canalização e electricidade precisam ser feitos ao mesmo tempo em que se fazem as paredes.

“Este não é o tipo de parede que se quebra depois, como acontece com os blocos. Portanto, participaram desde o engenheiro civil, a arquiteto, pedreiro, canalizador e electricista”, especifica.

O casal contou ainda com a ajuda de vizinhos na construção e eles próprios colocaram a mão na massa, para aproveitar aquela experiência nova e aprender.

Custo acessível

Com o grosso dos materiais disponíveis na natureza, o custo de construção caiu para menos de dois terços de uma casa convencional. Por ser uma habitação em forma arredondada, também não se utilizam ferros para as paredes. Tudo isso permitiu, de acordo com os jovens, que a casa fosse feita com economias próprias, sem necessidade de recorrer ao banco.

“Se fosse para fazer uma casa normal não seria possível, ou então teríamos de recorrer ao banco e pagar pelo resto da vida”, observa Filomeno Borges.

Vantagens

Há muitas vantagens em comparação com uma habitação de betão, começando pela temperatura.

“Acaba por climatizar o ambiente automaticamente. Não há sequer necessidade de ar condicionado, mesmo em dias quentes, pois o interior conserva uma temperatura fresca”, garante um dos elementos do casal.

Por outro lado, não há um impacto notável no meio ambiente, especialmente porque não se utiliza cimento.

“O cimento é uma indústria e toda a indústria polui o meio ambiente. Neste caso, como são recursos retirados do próprio solo, não há escombros e mais tarde tudo volta à natureza”, explica a engenheira.

Também é considerada uma casa bastante resistente, salvaguardando, entretanto, que o telhado deve ser mais longo do que o normal para proteger a parede da chuva.

Incentivar outros jovens

A ideia do casal foi também incentivar outros jovens a fazer este tipo de construção, ou mesmo entidades públicas que fazem habitações sociais para pessoas com menos recursos. Não obstante, dizem, apesar de chamar a atenção e despertar o interesse de muitos curiosos, falta coragem e ousadia por parte das pessoas.

“Muitos mostram interesse, mas sentimos que falta coragem e ousadia para colocar em prática. No início recebemos muitas críticas. As pessoas passavam na estrada e deitavam abaixo a ideia. Não acreditavam que daria certo”, recorda um dos jovens, assegurando que, entretanto, tinham estudado sobre o assunto e estavam convictos daquilo que queriam materializar.

Na altura, segundo dizem, muitas pessoas também viram a ideia como sendo “coisa de pobre”. Curiosamente, essa abordagem reverteu -sedepois do acabamento.

“Agora dizem que não têm dinheiro para isso”, acrescenta Filomeno, considerando que apostar em algo diferente é uma questão de ousadia e mentalidade. 

Ideia 100% sustentável

Por enquanto, o casal Neiva e Filomeno Borges usa a electricidade convencional, mas a ideia é ter uma residência completamente sustentável, com painéis solares.

No que toca à utilização de água, a construção dispõe de um sistema de reaproveitamento, com canalização de esgoto e lavatórios separados. Tem ainda uma cisterna e fazem a coleta da água das chuvas, que depois é utilizada para a rega de plantas e para os animais.

Neiva, que trabalha com questões que se prencem com o impacto ambiental de projectos, diz que a sua profissão influenciou na escolha ao decidir transportar para a esfera pessoal os conhecimentos aplicados na vida profissional.

Para além dos impactos no meio ambiente, a engenheira acredita que o projeto impacta também na própria saúde da família.

“É diferente de estar numa casa de cimento, a sentir todo o calor. A casa de barro quase que respira, oferece melhor qualidade de vida. Então acredito que se o impacto não é na saúde física é, pelo menos, na saúde mental e psicológica.

No futuro, o casal deseja alargar o projecto para o ramo do turismo, com a construção de bangalós para receber visitantes.

Não se sabe se o projecto chegou a dar frutos na ilha de São Vicente, mas o certo é que na ilha de Santiago esta é a única habitação do género. Uma alternativa às construções convencionais de betão e perfeitamente adaptável à realidade de Cabo Verde, tendo em conta a disponibilidade dos materiais utilizados. 

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 723, de 08 de Julho de 2021

PUB

PUB

PUB

To Top