A reunião extraordinária da Câmara Municipal da Praia (CMP), realizada na terça-feira, com a participação de apenas seis vereadores (quatro do MpD e dois do PAICV), é nula e as decisões tomadas não produzem qualquer efeito. Por força da lei, qualquer reunião da Câmara é convocada e presidida pelo seu presidente. Porém, este é também obrigado a convocar uma reunião extraordinária sempre que a pedido da maioria dos vereadores
O impasse está instalado na Câmara Municipal da Praia (CMP), por via do braço de ferro que opõe o edil Francisco Carvalho a um grupo de seis vereadores num total de nove.
Na sequência de uma desavença com Francisco Carvalho, os vereadores Samilo Moreira e Chissana Magalhães (PAICV) decidiram aliar-se aos quatro colegas do MpD (oposição), Maria Aleluia Barbosa Andrade, Manuel Vasconcelos, Ednalva Cardoso e José Eduardo dos Santos, para convocar e realizar uma reunião extraordinária da Câmara, à revelia do edil.
A reunião aconteceu, na sede da SOCA (Sociedade Cabover-diano de Autores), na Praia, na terça-feira, portanto, fora do espaço da CMP.
De acordo com um comunicado de imprensa enviado à nossa redação por Samilo e Chissana, “a reunião realizou-se, não obstante a ausência do presidente, em conformidade com o Estatuto dos Municípios que no seu artigo 47o salvaguarda a legalidade das decisões do órgão Câmara Municipal”.
Vereadores terão usurpado poderes do Presidente
Entretanto, A NAÇÃO consultou o artigo 91o da Lei 134/ IV/95 de 03 de Julho, que aprova os Estatutos do Municípios. Este estabelece, no seu ponto 4, que “as reuniões são convocadas e dirigidas pelo seu presidente”.
O referido artigo diz também, no ponto 3, que a “Câmara Municipal poderá reunir-se extraordinariamente por iniciativa do presidente ou a pedido da maioria dos vereadores não podendo, neste caso, ser recusada a convocatória”.
Com isso, portanto, constata-se que os referidos vereadores usurparam poderes do presidente da CMP. Neste caso porque a convocação de uma reunião extraordinária, mesmo por solicitação da maioria dos vereadores, é de competência exclusiva do presidente, que também deve dirigir a sessão.
Com a sua postura, conforme um jurista contactado por este Jornal, os referidos vereadores “violaram” os Estatutos dos Municípios.
Francisco Carvalho não convocou reunião extraordinária
Mas, por outro lado, há também uma “violação” por parte do presidente, Francisco Carvalho, que não convocou a reunião extraordinária solicitada pela maioria dos vereadores.
Conforme o mesmo jurista, para convocarem a referida reunião, os vereadores ter-se-ão estribado no regime geral de organização e actividade de Administração Pública, que é aprovado pelo Decreto Legislativo no 02/95 de 20 de Junho.
“Mas isto não se aplica neste caso específico, porquanto os municípios regem-se por normas especiais, neste caso, os Estatutos dos Municípios”, alerta.
Entretanto, se o presidente da CMP não convocar uma reunião extraordinária solicitada pela maioria dos vereadores, os mesmos podem, quando muito, recorrer ao Tribunal solicitando a condenação de Francisco Carvalho à prática daquele acto.
Contudo, essa “violação” pelo presidente da CMP não implica a sua perda de mandato que só acontece caso vier a cometer um crime de responsabilidade de titular de cargo político, de atentado ao Estado de Direito e de impedimento de bom funcionamento de um órgão do poder local.
Decisões da reunião extraordinária dos vereadores
Reunidos em sessão extraordinária na sede da SOCA, e sem a presença de Francisco Tavares, os seis vereadores decidiram anular o despacho presidente da CMP que desprofissionaliza Samilo Moreira e Chissana Magalhães.
Nesse acto revogaram também a ordem de serviço 01/GP- CMP/2021 que reforma e reafecta os pelouros, assim como o despacho no 18/2021 de 01 de Julho, que aprova a alteração da sua composição.
“Esta afectação não foi concertada com os demais vereadores, foi imposta pelo que tivemos de analisar tudo isso e chegámos a algumas conclusões, já que nem sabemos quem vai gerir as pastas de vereação”, explicou Ednalva Cardoso, em conferência de imprensa, manifestando o interesse em encontrar “um consenso” para que ninguém saia prejudicado desta crise.
Conforme aquela vereadora, os participantes na reunião resolveram ainda apoiar a decisão de Chissana Magalhães e Samilo Moreira de apresentar queixa-crime contra Francisco Carvalho, que acusou os dois vereadores de corrupção.
De acordo com aquela fonte, os ofendidos vão apresentar queixa também à Comissão Nacional de Protecção de Dados pela instalação abusiva e ilegal de aparelhos de georreferenciação nas viaturas da autarquia a eles atribuídos.
Na sua comunicação, aquela vereadora do MpD realçou igualmente que a decisão do presidente carece de concertação e autorização prévia dos implicados, da Câmara e da Assembleia Municipais, assim como de cabimentação no orçamento aprovado e em vigor, e o contrato com a empresa que prestou o serviço que deveria ser feita através de concurso, conforme as normas de aquisição pública.
Afirmou, ainda, que dada a “intransparência” do processo, os participantes na reunião extraordinária decidiram solicitar ao presidente da CMP o acesso ao contrato assinado por ele, e acesso a todos os contratos do pessoal que iniciou funções a partir de Dezembro de 2020.
Mal-estar na Câmara da Praia
Samilo Moreira e Chissana Magalhães são acusados, por Francisco Carvalho, de tentativa de perturbar o normal funcionamento da autarquia, tendo avançado com a desprofissionalização dos mesmos. Os dois acusam, por seu turno, Carvalho de agir de forma autocrática, sem ter em conta a opinião dos vereadores, esquecendo-se que a gestão municipal é “colegial”.
Transparência e combate à corrupção
Este braço de ferro entre os autarcas que estão no poder no município da Praia, sob a chancela do PAICV, tem por base, segundo Francisco Carvalho, um “conjunto de medidas fundamentais”, que foram compromissos assumidos durante a campanha eleitoral, cuja bandeira foi a transparência e combate à corrupção.
O presidente da CMP apontou a criação de uma unidade de gestão onde toda a aquisição feita pela edilidade passa a ser centralizada através de um processo transparente, que observa o código de contratação pública, e implementação de uma caixa única de pagamento da Câmara com cobrança centralizada na Direcção de Administração Fiscal, como alguma das medidas tomadas.
“Nós dizemos que a razão maior que tem Samilo Moreira e Chissana Magalhães contra a Câmara da Praia é porque estão contra as medidas de transparência e cumprimento da legalidade, ou seja, Samilo Moreira e Chissana Magalhães estão a defender que tenhamos uma câmara onde a gestão é feita à margem da lei e contra corrupção”, declarou, frisando que quem não gosta de transparência e de uma gestão com base na legalidade não concorda com as decisões tomadas.
Colocação do dispositivo GPS
Outra medida que foi tomada e que os vereadores consideram de perseguição por parte do presidente da CMP, é a colocação do dispositivo GPS nas viaturas da autarquia. Uma medida que Francisco Carvalho explica que foi adoptada para controlar a frota e evitar a circulação de viaturas fora do horário normal de expediente.
“As pessoas da Praia já estavam cansadas de verem viaturas de matrícula amarela a circular de um lado para outro, nas praias, ou bares, e nós quando apresentamos a nossa candidatura, um dos assuntos que consideramos central, foi tratar os carros da CMP com dignidade, para respeitarmos as pessoas”, declarou, afirmando que esta medida incomodou profundamente Samilo Moreira e Chissana Magalhães e que inclusive a vereadora retirou o GPS da sua viatura com as próprias mãos.
De acordo com o edil praiense, a colocação de dispositivos de GPS abrange todas as viaturas pertencentes à CMP, incluindo a do presidente, lembrando que é um líder camarário defensor da transparência e poupança de recursos financeiros.
Francisco Carvalho acusado de “autoritarismo”
Francisco Carvalho é, por outro lado, acusado por Samilo Moreira e Chissana Magalhães de “autoritarismo, manipulador da verdade e violação da lei”.
Samilo Moreira disse ser “falsa” a afirmação de Francisco Carvalho sobre a criação de uma Unidade de Gestão de Aquisição, (UGA), porquanto a sua funcionalidade dependerá sempre de uma certificação da ARAP.
Por considerar que tais acusações são “graves”, Samilo Moreira garantiu que irá apresentar uma queixa-crime contra o presidente da CMP, exortando-o, ao mesmo tempo, a provar as acções de corrupção.
Samilo Moreira acusou ainda o presidente de estar a misturar e delegar a gestão dos pelouros, acção que chocam com os “princípios da transparência e legalidade”, acrescentando que Francisco Carvalho tem governado com “graves atropelos à lei”, no que se refere à aprovação de propostas nas reuniões internas, que quando publicadas no Boletim Oficial são “alteradas”.
Por seu turno, Chissana Magalhães considerou que Francisco Carvalho teceu “graves e danosas acusações” de que ela e o vereador Samilo Moreira defendem “uma Câmara da Praia onde temos corrupção, onde a gestão é feita à margem da lei”.
As medidas anunciadas pelo edil praiense sobre a governação na base de transparência e legalidade e que os vereadores acima referidos não estariam de acordo, são, segundo Chissana Magalhães, “falsas”, uma vez que, sustentou, não tiveram conhecimento de nenhuma medida implementada pela CMP.
A vereadora considerou ser hipocrisia por parte do presidente, quando afirmou que é uma pessoa preocupada com a poupança de recursos financeiros, isto, ajuntou, quando o mesmo contratou mais de seis ou mais assessores e directores que auferem um salário de quase duzentos contos e alguns mais de duzentos contos mensais.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 723, de 08 de Julho de 2021)