Ary Gomes, ex-atleta cabo-verdiano radicado no Luxemburgo, é o mentor da Escola de Atletismo Dimas (EAD), no Mindelo. “Criando e educando campeões” é o lema desta iniciativa que pretende formar novas estrelas dessa modalidade desportiva em Cabo Verde.
Actualmente a viver e a trabalhar em Esch-sur-Alzette, no Luxemburgo, Ary Dimas Gomes, especialista em 400 e 800 metros, diz que o projecto da EAD abrange duas vertentes: uma desportiva, numa primeira fase, e outra socioeducativa, num segundo momento. “Neste primeiro momento, a nossa escola visa a iniciação do atletismo junto das crianças e jovens mindelenses.
Seguidamente, consoante o projecto ganhar solidez a nível de parceiros e apoiantes, a ideia passa, também, por ajudar outras instituições sociais – não só em São Vicente com material escolar e desportivo e vestuário, entre outros aspectos”, explica Dimas.
Formar atletas de alto rendimento
Contudo, o emigrante aponta que “o principal objectivo” da escola é formar atletas de alto rendimento com condições para participarem em provas nacionais e internacionais.
“É neste sentido que estamos a trabalhar. Criar as oportunidades para que num futuro próximo os nossos atletas possam fazer estágios no estrangeiro, onde as condições para evoluirem são melhores das que temos em Cabo Verde”, acrescenta.
O nosso entrevistado diz que sente-se “feliz e orgulhoso” em poder ajudar jovens do seu país natal e, desta forma, “participar no desenvolvimento do nosso desporto é um prazer enorme”. Mais que isso, assegura, “sinto-me útil”.
Os primeiros passos
A Escola de Atletismo Dimaz está a dar os primeiros passos, pois, ainda não foi oficializada.
Contudo, o promotor prevê para breve a sua formalização com a realização da assembleia constitutiva, eleição dos corpos sociais, e aquisição de um espaço na cidade do Mindelo.
Não obstante os passos burocráticos que ainda têm que ser dados, a EAD já trabalha com dezenas de crianças e apoia alguns atletas juniores e seniores, masculinos e femininos, entre os quais, nomes consagrados do atletismo nacional.
“Temos escalões jovens com cerca de 50 crianças, mas nesta fase é apenas uma forma de ‘brincarem o atletismo’ e ganharem o gosto pela modalidade. Fazem, igualmente, parte do projecto atletas seniores como, por exemplo, Arthur Fortes e Crisolita Rodrigues, e ainda os juniores”, destaca o promotor do projecto. O “staff” técnico da escola, salienta, é composto pelo treinador e ex-atleta português João Silva, que trabalha à distância com o Arthur Fortes, e que também tem sido “um excelente conselheiro” no âmbito desportivo do projecto.
“Em São Vicente vamos trabalhar com alguns monitores que irão acompanhar os meninos e as meninas em fase de iniciação para serem depois acompanhados de forma mais avançada a fim de atingirem patamares mais elevados, à medida que forem avançando nos escalões de base”, afirma Ary Dimas, destacando, por outro lado, o “fundamental” apoio Associação de Atletismo de São Vicente e dos parceiros.
Agenda desportiva
Apesar do último ano não ter sido propício à prática e competição desportiva regular, devido à pandemia de covid-19, atletas da EAD têm participado em alguns eventos, com resultados considerados “muito satisfatórios”.
São os casos das provas de São Silvestre 2020, na cidade da Praia, Trail Discover Paul 2021, São João Baptista 2021, no Porto Novo.
Já na próxima semana, a EAD estará representada por Crisolita Rodrigues, Arthur Fortes e Hailton da Luz, na primeira etapa do Cabo Verde Trail Series na ilha de São Nicolau, nos dias 26 e 27 Junho.
Desafios
De um modo geral, Ary Dimas avalia que o atletismo cabo-verdiano encontra-se, neste momento, “num bom caminho”. A seu ver, há muitos mais atletas e gente jovem envolvidos na modalidade.
E quando assim é, “é a modalidade que ganha e, com isso, despontarão cada vez mais atletas com muita categoria”.
Porém, o entrevistado do A NAÇÃO vislumbra ainda grandes desafios, não só ao nível do atletismo, mas do desporto em geral no arquipélago, onde, como refere, a aquisição de vistos para que os atletas e as comitivas possam viajar para as competições, constitui um dos principais obstáculos a serem ultrapassados.
“Não são poucos os casos de desportistas, e não só, que faltaram compromissos internacionais por problemas com os vistos”, alerta.
“É frustrante para qualquer atleta que se prepara para uma competição durante meses, e até anos, para depois ser impossibilitado de viajar por motivos burocráticos, que poderiam ser resolvidos com celeridade”.
Daí o apelo: “Faço um apelo às entidades responsáveis pelo desponto nacional para que acionem todos os mecanismos legais possíveis para que se evite esse constrangimento porque os atletas, ao fim ao cabo, são embaixadores que levam o nome Cabo Verde lá fora”.
Arthur Fortes, um dos beneficiários da EAD
Arthur Fortes, 24 anos, atleta EAD, tricampeão da Corrida de São João, Porto Novo, confirma que trabalha com Ary Dimas Gomes desde 2018.
“Alegro-me com este projecto porque não são todas as pessoas que estão dispostas as ajudar, efectivamente, os atletas. No futuro tanto a escola como os atletas terão muito a ganhar, pois, só incentivando os jovens é que o desporto e a própria sociedade se beneficiam.
Teremos atletas e cidadão com os valores que o desporto defende, ou seja, saúde, respeito e disciplina. E com isso, temos também menos jovens a encaminhar para meios nocivos como as drogas e o álcool”.
Crisolita Rodrigues, 44 anos, multicampeã nacional e referência da EAD
“Faço parte desde projecto há cerca de dois meses. Quando surgiu o convite para fazer parte da EAD, aceitei de pronto, porque o atletismo faz parte da minha vida. Confesso que não estava à espera de uma iniciativa assim, já que ainda não temos uma pista de atletismo na ilha. Estou muito feliz com o que o Dimas está a fazer pela sua terra-natal.
Tal como eu, no passado, ele foi atleta, sacrificámo-nos juntos, na estrada, e agora retribuo a seu acto com aquilo que posso em benefício da escola. Espero que no futuro possam sair da escola muitos mais atletas referências nacionais e intencionais”.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 721, de 24 de Junho de 2021