Nasceu em Portugal, cresceu em Cabo Verde e vive na Inglaterra – a Terra de Sua Majestade, a Rainha Isabel II -, para onde foi “à procura de um tesouro”. Influenciado por vários mestres crioulos e globais, não se amarra muito ao estilo. Porém, adora o “Expressionismo”, pois, é “um contador de estórias”, que carrega muitos sentimentos, transmite saudades, expressando o que lhe vem na alma. E dá uma garantia: “Cabo Verde está sempre presente na minha Arte”.
A NAÇÃO – Vive da Arte?
Lito Silva – A Arte vive dentro de mim. Por essa razão, tento viver com a Arte. Valorizo muito o meu trabalho e vivo dele. Porém, a minha intenção primária é a de partilhar a minha criação com as pessoas da minha Terra e do Mundo fora.
O que pinta?
Pinto a minha experiência e vivência de momentos marcantes, inesquecíveis, únicos e ricos que vivi – na minha infância e não só!. Também pinto a nossa realidade actual, a nossa Cultura e a nossas Tradição. Portanto, Cabo Verde está sempre presente, não só na minha Arte, mas, também, no meu coração.
Quem o influenciou?
Boa pergunta (Risos…). Sempre corri atrás de algo… à procura de me encontrar comigo mesmo, tendo admirado diversos mestres da Pintura, não só em Cabo Verde, mas no Mundo em geral. Durante essa caminhada, descobri que, na verdade, a minha maior influência na Arte vem, também, do Mestre de todos os mestres, do Criador de todas as coisas, a Quem admiro e sou grato e honrado pelo dom que me deu: Deus.
Estilo?
Qual o seu estilo?
Não me amarro muito a isso. Se é Impressionismo ou Realismo, não me preocupa. Apesar de muito admirar o Impressionismo e sendo, para mim, uma das melhores e mais desafiantes técnicas de Pintura, sou, talvez, mais um “expressionista”. Sou um contador de estórias, que carregam muitos sentimentos e transmitem saudades nostálgicas a quem se identifica com elas, expressando o que me vem a alma, através da Pintura, da Música e da Poesia.
Para Si, o que é o Impressionismo, em linguagem chã?
Vejo o Impressionismo como uma linguagem e uma forma de expressar na Arte. É uma ideia ou tema, usando traços e pinceladas, com marcas próprias do artista, através de cores primárias, realçando a luz e a claridade das cores, transmitindo, simplesmente, uma impressão do real.
Que dicas e conselhos dá a um principiante nas Artes Plásticas?
Ainda como um mero aprendiz, no que diz respeito ao Impressionismo, para um iniciante nas Artes, aconselharia, sem querer entrar em detalhes técnicos, que a prática diária do Desenho é a base fundamental da Pintura, sendo o Impressionismo – como outro Estilo qualquer! -, para deixarem fluir, sem pressas, os seus sentimentos e vivências. Para irem aprendendo, com os mais experientes, sem perderem a sua essência, caminharem ao encontro da sua autenticidade e do seu Melhor dizendo: irem em busca do seu estilo próprio.
Drible à COVID-19
Como tem driblado e esquivado a Pandemia de COVID-19?
Na incerteza do presente e do nosso futuro individual e colectivo, no que cabe a essa profissão, mas, acreditando e torcendo pela equipa do Positivismo, aproveitei esse tempo em que o Mundo se encontra, para me reflectir e acreditar, com Fé em Deus, que dias melhores hão de vir.
A COVID-19 condicionou ou potenciou as suas actividades?
De certa forma, todas as áreas e iniciativas foram afectadas. Umas mais do que outras. Para mim, em termos de produção, tentei não me deixar levar muito pelo espírito do medo e de desânimo. Muito pelo contrário: tive, ainda, mais vontade e sede de criar, para que pudesse, de uma forma ou de outra, trazer e levar alegria à casa das pessoas, mesmo que fosse de uma forma virtual, criando vídeos sobre os meus trabalhos, e partilhando, “online”, devido às limitações para compras de materiais de Pintura.
Sonho de criança
Sempre sonhou (em criança!!!) ser Artista Plástico?
Mais uma boa pergunta! (Risos…). Quando criança, ainda aos três anos, lembro-me, de vez em quando, fazer companhia ao meu pai, no trabalho. No meio de tantas canetas e papéis ao meu redor, tudo o que me restava era papel e caneta… Ouvia sempre comentários, de que eu não desenhava pessoas com mãos e pés de galinha… Enfim!, desenhar foi sempre o meu grande passa-tempo e desafio, em casa, e entre eu e os meus irmãos. A nossa Mãe, professora na altura, participava, também, dos concursos caseiros, entre nós…
Mas, ainda, não respondeu à nossa pergunta: sempre sonhou ser artista?
Só sei dizer que, desde muito pequeno, sempre sonhava e acreditava genuína e ingenuamente que, quando crescesse, teria o poder de tornar real tudo o que desenhasse.
Lembra do primeiro Quadro que pintou?
Sim!, lembro-me, perfeitamente; foi por aí, que as coisas começaram…
O que retratava?
Estando eu, de férias, em Lisboa (Portugal), inspirei-me no talento de um grande músico cabo-verdiano e amigo da infância: o Miroca Paris.
Qual foi a reacção dele?
Ao lhe oferecer o quadro, ele disse-me, logo, que tinha gostado e que eu o poderia expôr no Restaurante do tio dele, onde vários artistas já teriam expostos os seus trabalhos. Tive, então, a inspiração para pintar dez quadros, do meu primeiro tema de exposição…
Teve nome?
Sim. Foi intitulado: “Nha África” e esteve patente na antiga Casa da Morna, onde fui muito bem recebido e a minha Arte muito apreciada. Tive, então, a felicidade de conhecer o grande artista plástico e uma grande pessoa: o Sidney Cerqueira que, sem antes me ter conhecido, ofereceu-se logo a ajudar-me a montar a minha primeira Exposição. Além do Cerqueira, outros grandes artistas da Música, também prestigiaram o evento, quais sejam: os nossos grandes Tito Paris, Dani Silva, Leonelo Almeida, Rui Veloso, entre diversos outros. Foi assim que comecei, “gatinhando”, no Mundo das Artes.
Incentivos
Teve incentivos no começo do seu “gatinhar”?
Tive muita ajuda da minha querida Mãe, da minha namorada – na altura! -, que, hoje, é a minha esposa, da Dna Bei Brito, da Embaixada de Cabo Verde em Lisboa (Portugal), que muito fez para me ajudar no início da minha carreira. Graças à Embaixada, logo quando comecei a pintar, oficialmente, tive a oportunidade de participar no Festival Mundial das Artes Plásticas – a “Art Algarve” -, em 2010, organizada pela Alemanha, onde participaram mais de cem artistas, de diferentes partes do Mundo, estando expostos mais de 700 obras. Surpreendente e inesperadamente, fiquei em terceiro lugar.
Que sentimentos guarda desse evento?
Foi um privilégio e uma grande honra representar Cabo Verde, conjuntamente com os grandes artistas e mestres da Pintura Cabo-Verdiana, designadamente: os irmãos Levy Lima, Abraão Vicente, Aires Melo, entre outros, além de ter o privilegio de conhecer, pessoalmente, o grande Tutú Sousa.
Integração
Está convenientemente integrado na Sociedade Inglesa?
Estou, naturalmente. Já cá vivo há mais de 20 anos e a Sociedade Inglesa, pelo menos, aqui em Londres, onde eu vivo, a Comunidade é muito racialmente diversificada. Por isso, sinto-me, simplesmente, como um cidadão comum, que respeita o próximo e dá “Good Morning!” (“Bom dia!”), a todos.
Como é exercer a sua Profissão na Terra de Sua Majestade, a Rainha Isabel II?
É sempre uma luta!…como em qualquer outra parte do Mundo. No que diz respeito à minha Arte, sempre foi bem recebida e apreciada, não só pelos africanos residentes aqui, mas, também, pelos ingleses.
Como é que um artista cabo-verdiano é visto, apreciado e/ou excluído?
Para aqueles que, porventura, não conhecem ou nunca ouviram falar da nossa Cultura, sentem algo de diferente ao presenciarem uma exibição, incluindo dos meus trabalhos. Por exemplo: quando os ingleses e outros europeus ouvem a Música “Sodadi”, dançam e alegram-se, mas não entendem a linguagem. Aliás, muitos são os que até desconhecem as nossas origens.
“A situação está muito difícil”
Tem acompanhado e falado com os colegas em Cabo Verde?
Tenho sim. Principalmente, com os da Música…
Porquê Música?
Recentemente, é o que me tem inspirado a começar um novo Projecto, que irá mostrar a importância da Arte Musical na Cultura de um Povo, de uma Nação, assim como, o impacto negativo que a ausência da mesma traz ao interior da alma das pessoas.
O que sabe do actual Momento Cultural no Arquipélago?
Sei que a situação está muito difícil e que algo deverá ser feito, com vista a resolver este delicado momento das nossas vidas. A nossa Nação dispõe de uma Cultura riquíssima, recheada de dons-natos, que devem ser ajudados – de uma forma ou de outra! -, para poderem, pelo menos, ter o pão de cada dia e a arcar com as suas responsabilidades, na maior parte, familiares. Uma Nação saudável precisa de várias especialidades e modalidades importantes, e, uma delas, é a Arte no geral.
Na sua avaliação, o que está faltando?
Reconhecer e valorizar mais a Arte e os seu criadores, investindo em concursos, eventos diversos, cursos, incentivos, realizações de “ workshops” – entre artistas das várias ilhas e dos que estão na Diáspora! -, de modo a a haver oportunidades para o nascimento e emergência de novos talentos e cimentação dos já existentes.
“Em busca de um tesouro…”
Tem em Agenda alguns projectos para Cabo Verde?
Ainda não! Mas, quando a situação melhorar, irei, se Deus quiser, com todo o prazer e muito orgulho, apresentar e expôr o meu trabalho.
O que o levou a deixar Cabo Verde?
Saí da minha Terra, à procura de um tesouro que, sem eu saber, se encontrava debaixo dos meus calçados. Fui parar à Inglaterra, onde os da minha Terra nos dedos eram contados. Fiz paz com o Mundo lá fora, mas, cá dentro, sempre houve uma guerra…
Como assim?
Concluí que o tesouro que tanto procurava, estava na minha Terra, o torrão onde eu cresci. Felizmente, hoje, tenho paz, pois, descobri que carrego o verdadeiro tesouro dentro de mim, no coração, na alma e na mente. Se não fosse assim, hoje não seria quem eu sou…
E quem é?
Um apaixonado contador de estórias, através da Arte, pintando, compondo e escrevendo.
Para remate de conversa, que mensagem deixa aos Patrícios no Arquipélago e espalhados por esta nossa Aldeia Global?
Ama ao próximo, assim como amas a ti mesmo. Essa é a mensagem que tenho para todos, porque acredito que o amor e a alma são o sucesso de tudo.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 718, de 03 de Junho de 2021