À frente da Câmara Municipal da Ribeira Brava há oito meses, o edil José Martins é criticado por moradores do Carriçal por alegado incumprimento de promessas eleitorais, bem como pelo tratamento que anda a dispensar àquela zona de São Nicolau. A falta de investimentos na estrada, na pesca e na agricultura são as principais reivindicações dos descontentes.
Parte do concelho da Ribeira Brava, o povoado do Carriçal está inserido numa das mais ricas costas piscatórias da ilha de São Nicolau e do país. No entanto, a sua localização isolada, o difícil acesso e o abandono por parte das autoridades políticas têm prejudicado o seu desenvolvimento, ditando o seu visível empobrecimento, conforme diz o pescador e vice-presidente da Associação para Desenvolvimento da Comunidade de Carriçal, Manuel do Rosário.
“O mau estado da estrada impede-nos de transportar o nosso peixe atempadamente, por isso temos problemas com a sua conservação. Quando chove andamos praticamente na lama, passamos três a quatro dias isolados, e com isso os nossos produtos acabam também por se estragar ou chegam ao mercado com pouca qualidade, visto que não temos uma máquina de produzir gelo”, afirma.
Rosário ajunta que tem vindo a levar os referidos problemas para o conhecimento da autarquia e outras entidades, de modo a resolvê-los, mas sem sucesso. Serviços de saúde, educação e iluminação são outras dificuldades que persistem na localidade, conforme conta o nosso entrevistado.
“Praticamente todas as famílias do Carriçal vivem da pesca, e por isso, na minha opinião, deve-se investir neste sector e no meio de transporte para que possamos garantir a nossa subsistência”, acrescenta na sua descrição.
“No posto de saúde nem se consegue realizar um bom curativo. Por vezes, recebemos a visita de um médico ou enfermeiro, mas é muito pouco. Nós aqui utilizamos a energia solar e há vários problemas com isso, porque nos dias que não há sol ficamos sem electricidade e temos de utilizar um gerador que está diante de um jardim infantil e o barulho perturba as crianças”.
Para este munícipe, a falta de oportunidades para os jovens é outro grande problema enfrentado pelas gentes do Carriçal, o que tem levado os mais novos a procurarem a vida fora da localidade.
É o caso de Ivan Brito, 23 anos, nascido e criado no Carriçal, hoje a viver na cidade da Ribeira Brava. “No Carriçal não havia nada pra mim e nem para os outros jovens. Mas sempre vou ao Carriçal, porque tenho lá os meus parentes, vejo os problemas que enfrentamos e a falta de emprego que faz com que a população jovem acabe por sair da comunidade. Por isso queremos saber quando é que começam a cumprir as promessas feitas à nossa comunidade e à nossa gente”, questiona Ivan.
Diante de todos esses problemas e do não cumprimento das promessas por parte da actual Câmara Municipal, do MpD e presidida por José Martins, os munícipes começaram a partilhar nas redes sociais as promessas feitas nas últimas eleições autárquicas, em Outubro passado.
O emigrante Adino do Rosário diz ter enviado uma mensagem a José Martins, mensagem essa que o A NAÇÃO teve acesso, e diz que foi tratado de forma “desrespeitosa”, algo que considera “aquém do comportamento esperado de um governante”, ainda por cima de uma ilha como São Nicolau.
“Eu, como um filho do Carriçal, tenho o dever de zelar pelo bem-estar da minha comunidade; ao enviar a mensagem ao presidente queria perceber o porquê de oito meses depois das promessas ainda nada foi feito na nossa zona. Com isso quis expressar o descontentamento da nossa população que tem medo de pedir ou exigir por receio de retaliações”, explica Adino.
“Mas fui recebido com desrespeito e desdém, foi-me dito para eu ir ‘cuidar da minha vida’. Como emigrante, interpreto essa resposta como uma tentativa de me calar e intimidar todo e qualquer cidadão que quer reivindicar um Carriçal melhor”, assevera.
Emigrante na França, há sete anos, o nosso entrevistado diz que se sente destratado com o ocorrido. “Nós os emigrantes não temos voz?”, pergunta, indignado. “O nosso papel é apenas enviar dinheiro e investir, mas não podemos falar sobre os problemas que assolam a nossa comunidade? Quando começamos a cobrar e exigir eles nos mandam calar a boca, como aconteceu comigo?”…
Adino do Rosário diz que a falta de acesso a Carriçal impede os emigrantes de investirem na sua terra natal. “Eu saí do Carriçal para formar-me e fiquei a viver e trabalhar no estrangeiro porque, na minha zona natal, eu não tinha oportunidades. Agora que posso, eu e outros emigrantes queremos investir no Carriçal, mas não nos sentimos seguros, uma vez que a condição da estrada não é viável. Muitos acabam por investir no Tarrafal e até noutras ilhas que dão mais garantias, como é o meu caso”, confessa.
Promessas feitas
Durante a campanha eleitoral, o candidato do MpD à Câmara Municipal de Ribeira Brava prometeu concluir a estrada do Carriçal, bem como adquirir uma embarcação de pesca semi-industrial, introdução de sistemas eólicos, restauração do edifício da antiga Peixel (fábrica de conservas).
A lista de promessas incluiu também a melhoria do arrastador e construção de cacifes para os pescadores, além da construção de uma unidade de produção de gelo, conservação e transformação do pescado, requalificação da praia do Carriçal e construção de um espaço de restauração, o apoio na reconstrução de habitações, moradias sociais e casas de banho, etc.
Silêncio de Martins
De acordo com as fontes do A NAÇÃO, nenhuma dessas promessas para o Carriçal foi sequer iniciada pelo executivo de José Martins. Este, apesar dos vários esforços do A NAÇÃO, mostrou-se indisponível para falar com este jornal.
Publicado na edição nº 720 do jornal A NAÇÃO, de 17 de Junho de 2021