Por: Filinto Elísio
Algum mistério não mata ninguém nesta alvorada. O que mata é a gravidade da pandemia (e o que salva, quase tautologia, é o acelerar da vacinação). Ademais, nenhuma revolução vale metade desta solidão. Ou vale? Creio no provérbio dos gregos antigos de que começar é já metade da ação…
*
Noite iniciada ontem e telefonema (amigo, avisado), a falar do livro. O Conselheiro não pode ultrapassar o Príncipe, devendo este brilhar sempre, desde que não seja demasiado perto do sol, e aquele contentar-se com os encantos da lua, mote para uns versos com luar a perder-se de vista, algo que (é para quem possa) Sua Alteza nunca faria…
*
Fazer o quê? Saúdo com lisura os novos eleitos ao Parlamento Cabo-verdiano, augurando para cada um (da maioria e da minoria) melhor desempenho e mais resultado em prol de Cabo Verde. As minhas expectativas não estão por aí além, mas não abro mão da boa-fé de que o ostensivo erro seja uma tentativa de acerto. Será?
*
Começo por não ser benfiquista, sportinguista ou portista, mas, se fosse, não iria pandemia adentro celebrar a vitória do campeonato na praça. Para já, sou outras coisas: antirracista e antifascista, de papel passado; cabo-verdiano de letra e música; Praia sempre; Lisboa à beira-rio, Fortaleza à beira-mar, pite na Baía do Mindelo e eremita na solidão da Chã das Caldeiras; embora, para flâneur, prefira Paris; para amante, Roma e não se fala mais nisso; e para adiantar o horizonte, Pequim. Começo por achar que você é tão bonita (mas é mais, Ferreira Gullar aquiesça) quanto o Rio de Janeiro em maio. E a Revolução (do poema) que espere…pois nenhuma pertença é metade da minha solidão.
*
Metade da minha solidão (ei-la acompanhada) começa alguma coisa e é bom que o leitor sinta aqui sempre (comigo é assim) algum mistério. Tal como no poema de David Mourão-Ferreira, um deus me segredou que eu não iria só.
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 714, de 13 de Maio de 2021