Vencedor da Taça de Cabo Verde em Xadrez, Éder Pereira abre o jogo e prevê um futuro promissor para a modalidade no país. Mas, ressalva, o caminho até ao nível de mestre é “longo”.
Éder Márcio Leite Pereira, ou simplesmente Éder Pereira, é um dos nomes incontornáveis do xadrez cabo-verdiano.
No início deste mês, este auxiliar administrativo, de 34 anos e representante da ilha do Sal, esteve em destaque ao vencer a fase nacional da primeira edição da Taça de Cabo Verde em Xadrez.
A prova foi realizada no município da Ribeira Grande, em Santo Antão, e foi disputada entre oito jogadores das ilhas de São Vicente, São Nicolau, Sal, Santo Antão e Santiago.
Palmarés: 19 títulos regionais e nacionais
Ao bater Luís Fernandes, de São Vicente, na final, Éder Pereira acumulou mais uma taça à sua galeria de troféus que já conta no palmarés 19 títulos regionais e nacionais.
Não obstante os momentos de pouca pujança e até de estagnação vividos pela modalidade entre 2010 e 2016, Pereira acredita que, de um modo geral, o xadrez nacional evoluiu muito.
Especialmente, como salienta, no tocante à organização dos torneios, com equipas de arbitragem qualificadas e de jogadores
com ‘rating’ internacional.
“Hoje, devido a um trabalho árduo que começou desde 2007, e na qual também contribuí muito para tal, Cabo Verde já é reconhecido a nível internacional, com algumas participações, destacando-se as Olimpíadas de 2018 na Geórgia”, afirma.
Conforme o nosso entrevistado, o país já conta com mais de uma centena de jogadores federados, e destes, mais de 40 com ‘rating’ internacional e dois titulados pela Federação Internacional de Xadrez (FIDE), nomeadamente, Francisco Carapinha, actual presidente da federação da modalidade (FCX) e Mariano Ortega, campeão nacional e mestre internacional.
Se calhar, a FCX é, actualmente, uma das federações a nível nacional que organiza mais eventos por ano.
Desafios: atingir onível de mestre
Contudo, não obstante a evolução do jogo no arquipélago, o atleta ainda vislumbra alguns desafios a serem superados nos próximos tempos.
“Quanto à força do jogo, infelizmente, os nossos jogadores ainda têm muito que evoluir para podermos atingir o nível de mestres. Algo inatingível nos próximos cinco anos, mesmo que nos fartemos de estudar”, pondera o actual detentor da Taça de Cabo Verde.
Ainda assim, Eder Pereira acredita que o país está no bom caminho quanto ao futuro do jogo, tanto ao nível de competições, como de qualidade. Um trabalho conjunto que as associações locais e a Federação Cabo-verdiana de Xadrez têm feito.
“Estas instituições fazem um excelente trabalho na massificação do xadrez, ao levá-lo para as escolas como disciplina de opção, como educação física”, conclui.
Frente a frente com o campeão: “O mais importante é procurar um mentor para que se possa aprender o xadrez de forma correcta: com disciplina, metodologia e objetivos”
Como começou a jogar xadrez?
Foi através do livro “ABC do Xadrez”, de Petar Trifunovic, após o ter visto num desenho animado do “Pato Donald”, onde tentavam convencê-lo de que é possível gostar da matemática, pois esta encontra-se presente em tudo na natureza, bem como as artes, arquitectura, e mesmo nos jogos, como o xadrez.
‘Devorei’ o livro em poucos dias e ensinei os amigos da minha rua e aos meus primos a jogarem, por forma a ter o máximo de adversários possíveis.
Com 34 anos considera-se um veterano no xadrez? E como foi a sua evolução?
Sim, posso considerar-me um veterano no arquipélago.
Comecei a jogar torneios oficiais com 17 anos, contra oponentes e campeões de renome com o dobro da minha idade. Dos 13 aos 19 evoluí rapidamente e tornei-me o jogador mais forte de São Vicente na altura.
Depois dos meus 22 anos, a forma como praticávamos e fazíamos torneios de xadrez mudou-se radicalmente com a introdução de diretrizes internacionais. Porém, sofremos uma terrível estagnação em 2010 e até 2016, período em que abandonei o xadrez.
Estilo de jogo e preparação dos torneios
Como caracteriza o seu estilo de jogo?
Até aos 20 anos, era considerado um jogador com um estilo agressivo, lançando ataques violentos ao rei, mesmo à custa de sacrifícios de peças pesadas.
Depois passei a ser estratégico e posicional, tentando acumular pequenas vantagens para ganhar nos finais.
Hoje posso adaptar-me facilmente às circunstâncias de jogo, e dependendo do ‘feeling’ e do adversário, decido qual será o estilo a aplicar ainda antes da partida.
Como se prepara para os torneios?
Isso varia conforme o nível e do interesse que tenho no torneio. Não possuo um método específico de preparação, mas, normalmente, gosto de tirar férias para participar das competições.
Cerca de duas semanas antes, faço uma revisão de algumas teorias de finais de partidas, noções estratégicas e dou uma especial atenção a exercícios de treino de cálculo e de como avaliar uma posição.
Nas vésperas do torneio, dedico-me à resolução de exercícios de tática e preparação teórica das aberturas que pretendo executar.
Quantas horas treina?
Só treino devidamente nas datas próximas dos torneios, três ou duas semanas antes, começo por dedicar cerca de duas horas por dia. As horas de treino aumentam com o aproximar da competição.
Qual foi a partida mais memorável?
Foram muitas. Ter vencido o número três de São Vicente em apenas sete lances quando tinha 17 anos, é uma delas.
Também recordo com grande satisfação da última partida contra o veterano Daniel “Nhela” Lopes (São Vicente), que me garantiu o 1.º lugar no torneio da ISECMAR 2005.
Jerry Andrade Rosa: um verdadeiro rival
Actualmente que xadrezistas considera como os seus maiores rivais?
Há uma meia dúzia de jogadores em relação aos quais tenho que ter muito mais atenção e fazer uma preparação específica antes da partida.
Mas se há quem eu possa considerar um verdadeiro rival, seria Jerry Andrade Rosa (Praia), que tem um ‘score’ contra mim de 46 por 20, na plataforma ‘online’ Lichess.
A maioria desses embates foram partidas ‘bullets’ de um a dois minutos, mas foram o suficiente para perceber o alto nível de conhecimento teórico que ele possui. Estranhamente nunca participou em nenhum torneio oficial de partidas clássicas, nem sei se é federado.
Mulheres a jogar xadez
Há mulheres a jogarem xadrez? Quem?
Em Cabo Verde já temos atletas femininas no xadrez, inclusive atletas que já representaram Cabo Verde em torneios internacionais em Marrocos e São Tomé e Príncipe: Célia Rodriguez, Amanda Martins, Katlhene Martins, Divania Spínola, Honorina Santana e Janice dos Reis (ilha do Sal). A Jacira Almeida e a Loide Gomes (cidade da Praia), a Carolina Carapinha (São Vicente), entre outras.
Quem é o melhor jogador da história e os melhores da actualidade? Tem algum ídolo?
Nunca estudei a fundo nenhum grande jogador da história. Mas são uns quantos, a meu ver. Cada um com a sua genialidade: gosto muito das partidas de Capablanca, pela sua capacidade de evitar compilações e simplificar a partida de um modo científico. Foi o melhor jogador de finais.
Também admiro Karpov e Petrosian devido ao estilo posicional e estratégico. Paul Murphy, Alekhine, Kasparov e Judith Polgar, devido ao estilo agressivo.
Em Cabo Verde, aprecio o veterano Luís Fernandes, António Monteiro, David Anes, Sidney Spínola, o actual campeão nacional e Mariano Ortega e, a sua esposa, Célia Rodriguez.
Conselhos
Conselhos aos iniciantes?
O mais importante é procurar um mentor para que se possa aprender o xadrez de forma correcta: com disciplina, metodologia e objetivos. Caso estiverem a aprender sozinhos, aconselho a começarem pelos estudos de finais de partidas, aliada à compreensão estratégica, pois é aí que reside a parte científica do jogo.
Qual seria a melhor abertura que aconselharia paragarantir um jogo posicional?
Por um lado, o jogador deve interiorizar os princípios básicos das aberturas: controlar o centro, manter o rei seguro, colocar os cavalos em boas casas centrais, dominar as colunas abertas, fazer um desenvolvimento rápido e eficaz das peças, evitando jogar duas vezes com a mesma peça na abertura.
Por outro, deve tentar encontrar uma abertura que mais se aplica ao seu estilo de jogo e escolher duas de brancas e duas de pretas para aprofundar, dando especial atenção às ideias estratégicas e analisando partidas de Grandes Mestres que jogam essa mesma abertura.
Que outra modalidade praticaria se não fosse um jogador de xadrez?
Artes marciais. Na verdade, qualquer desporto que exigisse muita competição e adrenalina.
Títulos mais expressivos
– 1.º lugar fase nacional Taça de Cabo Verde 2021;
– 1.º lugar fase regional da Taça de Cabo Verde 2021
– Campeão nacional (invicto) do 2.º Campeonato Individual
Absoluto de Cabo Verde, 2018;
– Campeão Nacional de Rápidas, 2018;
– Melhor xadrezista cabo-verdiano no torneio Interna cional
da Boa Vista, 2015;
– Campeão Regional de São Vicente, 2009;
– 2.º lugar (melhor nacional) no torneio de rápidas do 21.º aniversário da Associação de Xadrez de São Vicente, 2008
Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 719, de 10 de Junho de 2021