Por: Arsénio Fermino de Pina
A divulgação de alguns nomes dos grandes devedores da banca portuguesa e o seu interrogatório numa comissão especializada do Parlamento, a investigação jornalística francesa sobre a venda de bugigangas por africanos a turistas no Ocidente, o aumento do número de partidos da extrema-direita e a infiltração dos seus militantes nos meios dos órgãos da comunicação social, levam-nos a algumas reflexões por constituírem prejuízos graves para a vida normal das comunidades e riscos para a democracia.
Ouvimos as declarações desses grandes devedores da banca de centenas de milhões de euros, que levaram à falência de bancos e à necessidade de o Estado ter de aumentar ou lançar impostos para salvar alguns, e ficamos pasmados com o descaramento deles tentando justificar essas dívidas, a que chamam empréstimos. Antes, eram desconhecidos, embora suspeitados, porque protegidos pelo chamado segredo bancário, e foi muito difícil e morosa a sua identificação pública, exigida pelo Parlamento.
Onde estarão essas centenas de milhões de euros de empréstimos por complacência da banca dispensando garantia de retorno? Claro que nos seus bolsos, nos dos seus cúmplices, facilitados por cumplicidade de governantes venais, até de um primeiro-ministro, gestores de topo, testas de ferro, empresários, funcionários do Estado e do governo que, umas vezes estão no Estado e outras no privado, utilizando portas giratórias.
Esses grandes devedores são pessoas bem conhecidas e altamente situadas na escala social, banqueiros como o administrador Ricardo Salgado do sistema BES/CES, os do Banco Privado e do BPN, presidentes de clubes de futebol, como o actual, Filipe Vieira – que teve a lata de afirmar que foi empurrado para o cargo pelos próprios que lhe facilitaram os empréstimos, certamente por saberem ser quase impossível mexer com dirigentes dos principais clubes de futebol, um poder intocável -, ministros, deputados, autarcas, etc., tendo alguns ficado livres de penalização criminal por disporem de dinheiro suficiente (roubado) para contratar os melhores advogados (sempre os mesmos e ao lado de ladrões ricos) dos escritórios de advogados da praça, que parecem mandar no Parlamento, por serem quem faz as leis deste e aí têm os seus cavalos de Troia como deputados, os quais vão protelando os julgamentos com recursos até à prescrição do prazo para o julgamento; Essa impunidade de autênticos bandidos de colarinho branco num país onde a sociedade civil é débil é que favoreceu e deu força ao populismo e radicalismo das forças da extrema-direita.
A independência dos jornais é muito relativa, dependente da clientela publicitária, o que vem enfraquecendo a sua acção, não obstante alguns jornalistas de investigação terem feito trabalho louvável descurado pelo ministério público, ou antecipando-se à investigação oficial, sempre muito lenta na sua acção por carência de meios humanos e de equipamentos modernos adaptados para investigação de crimes económicos e de corrupção, o que também afecta a polícia judiciária, carências de longa data que o Estado não cura de resolver; o velho jornal Independente, de Paulo Portas, por exemplo, que dizia detestar os novos ricos, nada dizia dos grandes lobistas tranquilamente sentados nas bancadas do Parlamento. Com a crise por que vem passando os jornais, a situação vem piorando, esquecendo-se de que é função social da imprensa fazer circular a informação entre os membros da sociedade. A esta função há que ter em conta outras, como a económica e política, estando a publicidade ligada à primeira; a propaganda serve outra função, convencer os eleitores da bondade das medidas, projectos e objectivos de uma instituição ou partido político. O jornalismo deve vender informação, a mais fidedigna possível, de modo a que o cidadão não tenha de consumir gato por lebre.
Há grandes empresas de comunicação multinacionais que nada pagam de impostos, quando podiam, deviam fazê-lo sem nenhum reflexo negativo nas suas contas. Outras, nacionais graúdas do PSI-20, que fazem discursos comoventes sobre responsabilidades sociais, usufruindo, em Portugal, de toda a logística pública para existirem, têm as suas sedes no estrangeiro, pagando aí os seus impostos. Os impostos aumentaram em Portugal para o trabalho, mas diminuíram para o capital, escapando as grandes empresas a eles. Com a proletarização da classe média, a grande concentração da riqueza dá-se não nos 10% mais ricos, mas nos 1%, melhor, nos 0,1% mais ricos, os tais que conseguem esconder as suas riquezas e as transferem para offshores. Tudo isso se sabe, mas o Estado evita, devido à acção de lóbis, a aplicar a justiça aos impostos com receio que as grandes empresas fujam para o exterior ou não venham a instalar-se em Portugal. É de se perguntar: como vivem os países em que os impostos são progressivos, como os do Norte da Europa? Sendo a União Europeia uma união, como se permite que alguns países cometam truques e fraudes baixando os impostos a estrangeiros e suas empresas para atraírem a instalação das suas sedes no país?
Quando falamos de multinacionais não costumamos incluir nelas as que vendem bugigangas. Como temos muitos africanos vendendo bugigangas entre nós e no Ocidente, importadas da China, e artesanato africano rasca, achei pertinente falar um pouco disso, até porque trabalhei em vários países africanos e julgava que esses vendedores ambulantes eram um tipo de “rabidantes” por conta própria.
Que havia marabus explorando crianças esmolando nas ruas para eles, já sabia. Afinal todo esse negócio está ligado a uma seita do Islão, uma organização religiosa sediada no Senegal, em Touba, operando na rua sem licença. As mercadorias desses africanos são todas iguais, falsificações de malas, relógios, óculos de sol, porta-chaves, panos e souvenirs turísticos baratos. Bem organizados, controlam as “suas” ruas e bairros, e quando são apanhados pela polícia, safam-se facilmente por possuírem vistos e documentação oficiais, visto pertencerem a uma multinacional religiosa de vendedores à socapa que os protege, com sede em Touba, uma cidade santa para os “mourides”, que goza de um estatuto especial de semi autonomia, onde não se paga impostos nem água e somente em parte se responde ao Governo central; chamam-lhe o “Vaticano do Senegal”, por ter um sistema universal de recolha de donativos, governado por um califa, o líder religioso e político, fundado em 1887, seguindo há décadas regimes radicais como a proibição de fumar e de consumir álcool; são em número de meio milhão de crentes. Touba é uma cidade santa para os mourides, e a sua maior peregrinação – a Grande Magil – celebra o regresso do exílio de Amadou Bamba, expulso pela França colonial em 1895.
Segundo o New York Times, somente em Nova Iorque há nove mil mourides, a vender bugigangas. Uma investigação jornalística francesa citada pelo jornal Le Monde mostra como religião e negócio estão habilmente ligados, e como os mourides foram motivados a abandonar a produção de amendoins e caju, a viajar protegidos pelo mundo, a fazer dinheiro e a enviar a maior parte para Touba. Um dos guias espirituais de Touba é um “marabu”, o colector do dinheiro, à semelhança do que acontece, por exemplo, em Fátima com os donativos e outros rendimentos, em que 25% seguem para o Vaticano, como ouvi numa entrevista ao reitor do Santuário de Fátima, o responsável pelo controlo dos donativos, no canal televisivo França Internacional, quando trabalhava na Rep. Centro-Africana.
A pandemia da Covid-19 exigiu medidas restritivas para a sua contenção e prevenção, e algumas Alguns Estados aproveitaram a oportunidade para limitar os direitos civis e políticos dentro das suas tendências ou vocações direitistas. É assim que entendemos acções nefastas de Trump, Bolsonaro, Victor Orban, Erdogan, Dubushenko, Netaniahu entre outros. A União Europeia, com dificuldades em se despegar do neoliberalismo, tem levado a extrema-direita a manifestar-se abertamente em muitos países, tentando subverter a direita democrática. Esta julga conseguir domesticar a extrema-direita, esquecendo do que se passou na Alemanha e Itália no início do século passado. O que a extrema-direita pretende é utilizar a liberdade da democracia para se apoderar do poder e submeter o direito democrático em seu proveito.
Alguns elementos dos órgãos da comunicação social, mesmo oficiais, têm estado a facilitar o avanço da extrema-direita exagerando nas críticas os erros cometidos pelo Governo, incluindo comentadores políticos, a maioria deles pertencendo a escritórios de advogados, quando a pandemia deveria ser aproveitada, como afirmou o primeiro-ministro italiano Draghi, para realizar aquilo que antes “era impossível”, as reformas estruturais de fundo prometidas combatendo a tendência regressiva actual de fechamento sobre si, quando antes a Europa esteve em todos os continentes na malfadada missão colonizadora. É a relação com o outro – porque não com os imigrantes? – que faz uma nova identidade.
Há também de admitir que “sem a inclusão da Rússia, após a falência do comunismo, na União Europeia, esta não vai a parte alguma”, como afirmou o ensaísta e filósofo Eduardo Lourenço. Essa inclusão daria à UE muito mais força e contribuiria para a democratização da Rússia e vulgarização dos seus grandes escritores, filósofos e cultura, o que contribuiria para neutralizar a tendência totalitária dos seus políticos. Outro escritor famoso líbano-francês, Amin Maloof, afirmou que “se a Europa não puder ter um papel global, arrisca-se a ser vítima das grandes agitações a nível mundial por não estarmos num mundo em que alguém que pareça fraco possa viver sem pagar pela sua fraqueza”.
Parede. Maio de 2021