Alto Bomba é uma localidade periférica e contígua ao bairro do Monte Sossego, em São Vicente. Os próprios moradores resolveram arregaçar as mangas para melhorar as condições em que vivem. E par que tudo aconteça de forma mais rápida, esperam que os problemas do bairro sejam, finalmente, colocados na lista das urgências da Câmara Municipal, Electra e outras entidades.
Os moradores mais antigos do Alto Bomba contam que há registos de pessoas a morarem na zona desde a década de 1960. Contudo, foi a partir dos anos 1980 que se iniciou o crescimento mais acentuado da localidade, paredes meias com o Monte Sossego.
Na época, muitas eram as pessoas oriundas da ilha vizinha de Santo Antão que acabaram por se afixar na área.
Origem do nome
A origem do nome Alto Bomba, segundo os moradores, começa nessa altura quando as crianças iam brincar no alto da colina, numa antiga instalação militar. Essas crianças brincavam nos canhões e, desde então, surgiu o nome Alto Bomba.
Hoje, Alto Bomba é uma zona em clara expansão, porém, não necessariamente da melhor forma. Assim como outras áreas periféricas do Mindelo, a região apresenta problemas graves de cariz social e urbanístico, sobretudo com a proliferação de casas de lata.
Foi para identificar e ajudar na resolução desses e outros problemas que os moradores da zona criaram a Associação Comunitária Alto Bomba Unido, estimulados, principalmente, pelo arranque do projecto “Outros Bairros” do Ministério das Infra-estruturas, Ordenamento do Território e Habitação (MIOTH), no âmbito da reabilitação urbana naquele bairro.
Esquecida durante anos pelas autoridades
Para Jason Ferreira, activista social e vice-presidente da associação, a localidade sempre foi considerada periférica, por isso, esquecida durante anos pela sociedade e pelas autoridades.
“Contudo, isso começou a mudar em 2019, com o lançamento do projecto ´Outros Bairros´, que se propõe intervir em bairros informais em Cabo Verde”, destaca o jovem, que considera que a zona começa a chamar a atenção tanto dos sanvicentinos, como da comunicação social que lhe começa a dar espaço.
Proliferação de casas de tambor
Porém, o activista lembra que ainda persistem problemas como a proliferação das casas de tambor. “Há pessoas a viver nas casas de tambor há mais de dez anos sem legalizar o terreno, à espera de uma decisão da Câmara Municipal”, alerta.
“Vejo que os moradores se transformaram em resistentes e a tomarem as suas decisões, ao invés de ficarem à espera da Câmara. Nós mesmos é que temos que correr atrás do que queremos, pois, as autoridades nunca deram a devida atenção às nossas causas, como o urbanismo, água canalizada ou saneamento.
Questões que agora vêm à tona, devido ao crescimento da zona, que nem sempre é ordenado”, acrescenta.
Associação comunitária implementa projectos
Para os moradores, a criação da associação é uma forma de lutarem por aquilo que consideram justo, com vista a superarem os problemas sociais, através das mais variadas actividades. Sobretudo as desportivas, recreativas, culturais e formativas, com foco nas crianças e jovens.
O nosso entrevistado explica que todos os moradores têm um lugar na associação para exporem as suas opiniões e posições, e, dessa forma, abrir um espaço de diálogo onde os residentes possam “vislumbrar o melhor para o bairro”.
Embora a associação seja relativamente nova, ela já deu andamento a alguns projectos na comunidade.
Um deles foi a campanha de castração de cães abandonados, realizada há poucos dias em parceria com a associação de protecção dos animais, Si Ma Bo.
Uma outra iniciativa, esta infanto- juvenil, foi assinalar o dia do livro, em Abril passado, com a realização de uma biblioteca comunitária. Além da leitura, os jovens trocaram experiências, fizeram jogos didácticos e participaram em concursos de desenho e de poesia.
Em Março, aconteceu o projecto Kubaka, que juntou oito ‘rappers’ do Alto Bomba através do programa de Residência Criativa do Hip-Hop, promovido pela Iniciativa “Outros Bairros”, em colaboração com os produtores como o DJ Letra e o Revan com a curadoria do sociólogo, Redy Lima.
Reflexão sobre problemas sociais
Este projecto possibilitou a criação de um espaço de reflexão sobre as questões sociais e urbanas da ilha de São Vicente. Além disso, foram produzidos oito temas musicais, integrados num trabalho artístico social e “politicamente engajado”.
Para Jason Ferreira, esse tipo de iniciativas, além de mostrar “de forma nua e crua” os problemas sociais vividos no bairro, serve, igualmente, para chamar a atenção para a importância do planeamento urbanístico e do saneamento para a construção e desenvolvimento de futuros bairros em outros pontos do país.
Com vários projectos ainda em carteira, o objectivo imediato da associação dos moradores do Alto Bomba passa pela criação de uma sede própria para dar continuidade ao apoio à comunidade e o desenvolvimento de projectos sociais.
“Neste momento, ocupamos uma sentina (fontanário) que está abandonada há mais de quatro anos. É nesse local que fazemos as nossas actividades”, conta o activista.
“Enviámos uma carta à Câmara Municipal a pedir a cedência daquele espaço público para podermos continuar a desenvolver as nossas actividades com as crianças e os jovens da zona.
Estamos aguardando uma resposta da edilidade”, conclui Jason Ferreira.
Vox Populi: O que mais faz falta em Alto Bomba?
A NAÇÃO quis saber junto dos residentes no bairro quais os principais constrangimentos encontrados. A falta de água, saneamento básico e iluminação pública foram os principais problemas apontados.
Mário Jorge do Santos Brito, 39 anos, lavador de carros
“O que mais sinto falta é da ligação de água e de esgoto. Tenho uma ligação feita numa fossa séptica que eu mesmo construí. Além disso, temos a questão da falta de passeios nas estradas o que é perigoso para os transeuntes, principalmente, para as crianças”.
Jenifer Santos Soares, 41 anos, desempregada
“Com certeza o que nos faz mais falta é a água e o esgoto que não temos o que nos dificulta a higienização e limpeza do bairro. Lá onde moro temos falta de iluminação pública o que também nos traz problemas relacionados com a segurança e “cassubody”, sobretudo à noite. Inclusive, os bandidos já tentaram entrar na minha casa, pois, encontrei pequenos ferros introduzidos na fechadura da porta”.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 718, de 03 de Junho de 2021)