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A economia cabo-verdiana, a dívida pública e as ações dos governos: Descomplicar as variações cíclicas

Por: Higino Lopes

Uma economia como a nossa está sujeita a ciclos, com maior ou menor frequência, dependendo daquilo que ocorre no exterior e não, propriamente, apenas daquilo que acontece internamente.

Com alguma frequência e imprevisibilidade a nossa economia poderá passar por fases de elevado nível de emprego, produção e rendimento nacional, que poderá permanecer por curto ou médio prazo, e que a uma certa altura inverterá o sentido, passando a enfrentar períodos de fraca produção, baixo rendimento e desemprego elevado, embora também não perdurando ad infinitum. 

Enfrentamos a pandemia como poderia ser qualquer outro movimento causador de crises e receções. Esta crise é mais penosa para nós, por um lado, porque afeta diretamente o turismo, que é uma atividade de maior peso na nossa economia e, consequentemente, outros setores – temos pessoas que reduzem o seu nível de consumo de bens alimentares por questões de saúde, por estarem em regime de confinamentos obrigatórios ou internamentos.

Uma segunda ordem de razões tem a ver com a redução do rendimento resultante do aumento do desemprego. Diminuindo o rendimento, diminui o consumo e diminui em proporção ainda maior o investimento, e com a diminuição deste, diminui ainda mais o consumo e no final, quem paga é a economia e a sociedade no seu todo, afetando deste modo o bem-estar dos cidadãos, com mudanças no seu padrão de consumo, uma vez que o país ficou mais pobre, atingindo patamares inferiores do seu nível de rendimento nacional. Situação que se não for resolvida no curto espaço de tempo conduzirá a uma crise mais profunda e com danos, efetivamente, maiores.

Não nos enganemos e nem nos alimentemos de falsas ilusões. Esta crise empobreceu, e de que maneira, os cidadãos porque, neste período, grande parte das pessoas, fazem despesas, ou à custa da poupança constituída, ou porque perdeu a capacidade de constituir aforro, ou então recorrendo-se ao endividamento. E o Estado, com a sua atitude compensatória da procura global, aguenta a economia também com recursos ao endividamento para compensar a diminuição da participação do setor privado na economia, aumentando ainda mais a dívida nacional.

Desta feita, dizemos que a poupança interna será cada vez menor e teremos, necessariamente, que usar a poupança do exterior, com custos acrescidos, futuramente, designadamente o custo que poderemos pagar com o hipotético aumento futuro dos impostos, a acontecer nomeadamente depois das eleições de Abril, custo que resulta do aumento do risco do país, custo com a dificuldade em atrair investimento estrangeiro, custo de “hipoteca dos impostos” que serão canalizados para o serviço da dívida e o custo do maior desequilíbrio da nossa balança de pagamentos. São custos com impacto direto no desempenho da economia.

Em Cabo Verde temos assistido ao aumento do stock da dívida que se distancia cada vez mais da nossa capacidade produtiva. O reflexo do aumento da dívida pública, na nossa economia, está relacionado com a escolha da aplicação de recursos resultantes do endividamento. Se a entrada de verbas não for aplicada, em setores com maiores efeitos multiplicadores na economia, provocará maior empobrecimento da economia nacional, pelo menos no curto prazo. Quando o Estado usa o dinheiro alheio na construção de infraestruturas económicas, com retorno superior ao montante dos juros resultantes do empréstimo, a economia reagirá positivamente à dívida contraída. O contrário poderá acontecer se desse recurso resulta aumento desequilibrado de despesas correntes, uma vez que, o empréstimo público possibilita um grande e irregular crescimento de despesas.

A quarta razão, e que julgamos ser imperioso o seu reconhecimento, pois constitui dos maiores erros dos nossos governantes, é expressa pela forma como tem sido feita a utilização de verbas em vários momentos e ciclos económicos, desrespeitando a chamada regra de ouro das finanças públicas. Aceita-se aumentos de défices e dívida pública em períodos de choque financeiro e recessão, da mesma forma que também se espera uma folga fiscal maior em períodos de expansão e prosperidade económica, com consequente adequação dos recursos aos objetivos económicos e sociais propostos, garantindo desta forma a credibilidade do governo na capacidade de honrar os seus compromissos para com a população, detentora desses recursos, e de realização de necessidades públicas que constituem a principal razão da existência do Estado.

Em períodos de expansão espera-se que o governo ou os governos façam maior contenção financeira e se apliquem o excedente de liquidez na amortização de juros, na redução de dívida constituída ou investindo em projetos com retornos, no mínimo, equivalentes aos juros pagos durante o período de amortização do empréstimo. Assim, numa eventual crise económica, o governo terá condições de a enfrentar sem pôr em causa a implementação do seu programa de governação.

No concernente à quinta razão, chamamos ainda a atenção para o facto de muitas vezes a situação do serviço da dívida se tornar mais embaraçosa para o governo, na medida em que os recursos obtidos de endividamento público se destinarem a despesas que geram rendimento, a longo prazo. Isso acontece, sobretudo, com os empréstimos no nosso país que, normalmente, são de curto e médio prazo, podendo este em certos casos ser inferior ao do período de retorno esperado de rendimentos resultantes da sua aplicação. Temos vindo a assistir a uma cada vez maior preferência por crédito interno do que o recurso a crédito externo.

Esta última questão leva-nos para a análise ao crédito interno, que apresenta algumas desvantagens em relação ao crédito externo, para o nosso caso específico, tendo em conta a estrutura económica do nosso país.

Falando de crédito interno, observamos três aspetos. No primeiro, queremos chamar a atenção para o risco de ocorrência do chamado efeito crowding out que resulta do recurso exagerado do endividamento público em países de parcos recursos, tirando ao sistema financeiro a capacidade de financiar grandes projetos solicitados pelos investidores nacionais. Em relação ao segundo aspeto há que chamar atenção para o facto de o endividamento público tender, a curto prazo, provocar aumento das taxas de juro, com os seus efeitos na economia, já conhecidos. Ademais, cabe acrescentar, ainda, um terceiro aspeto, dizendo que esta opção de crédito contribui para alimentar os lucros do sistema de crédito.

Em Cabo Verde temos tido períodos de prosperidade e de recessão. Contudo, verificamos que, mesmo em período de expansão, o stock da dívida pública continua a aumentar. E o principal responsável por essa evolução é o aumento das despesas públicas que, em muitos casos apresentou um crescimento acima do ritmo de crescimento da própria economia.

Pensamos, nós, que a atitude mais sensata por parte dos gestores de recursos públicos é admitir sim, o défice, no entanto, sem deixar de aplicar as receitas correntes para cobrir as despesas correntes e recorrer ao endividamento para fazer face aos investimentos públicos.

Também torna-se fundamental não incorrer, persistentemente, no endividamento público para garantir os equilíbrios orçamentais, e não considerar que o endividamento é apenas um meio de equilibrar o orçamento.

E, por último, e não menos importante recomenda-se optar por utilizar verbas resultantes do crédito para o financiamento de bens duradouros ou reprodutíveis. Estas opções respeitarão, indubitavelmente, a regra de equilíbrio das finanças públicas, ao mesmo tempo que se está a garantir um bom ritmo de crescimento da economia de longo prazo.

Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 701, de 04 de Fevereiro de 2021

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