Uma cidadã cabo-verdiana, que pretende adoptar uma criança acolhida pelo Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA), acusa a instituição de não estar a cumprir a lei no processo de selecção das famílias adoptivas, preferindo em vez disso o amiguismo e outras formas de actuação. Por isso pede uma investigação do Ministério Público para pôr cobro às ilegalidades e favorecimentos existentes.
Uma cidadã cabo-verdiana, funcionária do Ministério da Justiça, que pretende adoptar uma criança junto do Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA), procurou o A NAÇÃO para denunciar o que considera ser falta de transparência e “favorecimentos” por parte do ICCA, no processo de selecção das famílias adoptivas.
Segundo a nossa fonte, no de 28 de Agosto de 2018, ela entrou com candidatura para adoptar uma criança do sexo feminino com idade compreendida dos 0 aos três anos para constituir uma família. Entretanto, como refere, “em Dezembro do mesmo ano, tomou conhecimento que um bebé do sexo masculino tinha dado entrada nos serviços de Emergência Infantil do ICCA, uma vez que foi encontrado na rua pelos agentes da Policia Nacional, ao lado da mãe, mas sem quaisquer cuidados”.
A nossa interlocutora, cuja identidade por razões profissionais não pode ser revelada, mais representada pelo advogado José António Tavares, revela que através de uma visita guiada ao centro de emergência infantil onde conheceu a referida criança afeiçoou-se a ela, ao ponto de a querer para adopção.
Por isso, a 22 de Fevereiro de 2019, entrou com pedido de tutela do menino. “Passado algum tempo fui contactada pela a advogada do ICCA que me informou para constituir advogado para dar entrada com o processo de adopção daquela criança”.
A requerente diz que depois de cumprir as referidas formalidades legais ficou à espera para ser notificada pelo Tribunal para dar os passos seguintes. Até porque, o escritório do seu advogado informou-lhe que o tribunal tinha ordenado que ela pagasse o preparo inicial do processo. “Isso quer dizer que o processo já estava em andamento e que também havia outra pessoa a requerer a mesma criança.
Até porque, em Setembro de 2019, o Tribunal mandou o ICCA para notificar-me no sentido de ser ouvida e averiguar se realmente reúno as condições necessárias para adotar aquela criança. Um ano depois fiquei a saber que o ICCA, através de um despacho assinado pela delegada Justina Pina, e que deu no tribunal no dia 1 de Outubro de 2019, informou ao tribunal que não foi possível notificar-me e elaborar o referido relatório alegando que não foi disponibilizado o meu cantacto telefónico”.
Segundo a queixosa, a justificação apresentada pelo ICCA “não corresponde à verdade”, dado que todos os seus contactos e nome do local onde ela trabalha estão nos requerimentos e processo de candidatura apresentado.
Conforme os documentos que o A NAÇÃO teve acesso, um despacho do Juiz de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca da Praia, Ricardo Gonçalves, com data 14 de Julho de 2020, voltou a mandar o ICCA a notificar a requerente de adoção, assim como o seu advogado José António Tavares para se tratar dos tramites processuais legais para a adoção do referido menor.
Mas, segundo a nossa fonte, mesmo assim, não foi notificada. E acrescenta que, para o seu espanto, ficou a saber que a guarda da criança em causa foi atribuída a uma outra família da ilha do Sal.
“Por consciência a uma colega de trabalho que foi chamada de urgência para vir receber a criança. E, por sinal, a pessoa seleccionada é conhecida da responsável do ICCA que barrou a minha audição no processo informando ao tribunal que não foi possível contactar-me”, acusa.
Por isso, a cidadã requerente avança que já escreveu duas cartas à presidente do ICCA, Maria Medina Silva, pedindo esclarecimentos sobre o sucedido, mas não obteve ainda uma resposta.
“Em finais de Julho de 2019, enderecei uma carta à Presidente do ICCA, pedindo explicações dos motivos que não fui contactada para ser ouvida no âmbito do despacho requerido pelo Juiz. E como não obtive nenhuma resposta, no passado dia 12 de Abril deste ano voltei a endereçar uma nova carta à presidente do ICCA, mas até agora a instituição tem mantido em silêncio ignorando os meus pedidos de esclarecimentos”.
Conforme a nossa interlocutora, o ICCA tem dado preferência a certas pessoas em detrimento dos despachos do Tribunal. “Há pessoas que pretendiam adoptar crianças junto do ICCA que passaram por situações idênticas ao que estou a passar. É por isso que faço esta denúncia para que outras pessoas não venham passar pela mesma situação”, afiança.
Advogado reafirma
Contactado pelo A NAÇÃO, o advogado da denunciante, José António Tavares, confirma que a sua cliente realmente tem um processo de adopção de uma criança que estava em regime de acolhimento no ICCA para ser adoptado.
“A minha cliente entrou com um pedido formal de adopção de uma criança do sexo masculino desde de 11 de Junho de 2019. O processo estava a decorrer os seus trâmites legais, no Juízo de Família e Memores no Tribunal da Praia, e para o nosso espanto o ICCA acabou por entregar a criança a uma outra pessoa, por coincidência, uma colega dela de trabalho”, frisa.
Tavares avança que na sequência disso deu entrada com uma reclamação no Tribunal e essa instância mandou pedir esclarecimento junto do ICCA. “O ICCA devia ouvir a minha cliente. Mas não fez. E, para tentar justificar o comportamento de ter entregado uma criança que já havia sido requerida sua adopção, alegou que não conseguiu contactar a minha cliente, o que não corresponde à verdade, porque a minha cliente tem endereço e trabalho fixos.
Ela é funcionária do Ministério da Justiça, portanto, os responsáveis do ICCA não podem dizer que não conseguiram localizá-la, uma vez que, os contactos estão no requerimento e no processos de candidatura” reitera. Tavares assegura que a sua cliente se sente “revoltada” e “defraudada”, uma vez que reúne todos os requisitos e cumpriu todos os procedimentos legais para obter a criança.
“E em nenhum momento o ICCA nos informou que ela não reúne os requisitos necessários. Portanto, foi um acto de manifesta ilegalidade do ICCA. Já formos ao tribunal várias vezes perguntar sobre o assunto, mas é nos informado que o processo está no Ministério Público para ser investigado no sentido de esclarecer essa situação. Diante da gravidade do caso, vamos lutar para que a situação seja esclarecida, para que as responsabilidades sejam assacadas”, garante José António Tavares.
Falta de reacção do ICCA
Para o devido esclarecimento do caso, A NAÇÃO tentou obter junto do ICCA a sua versão sobre esta controvérsia. Na sexta-feira passada o jornal falou com a secretária da presidente do ICCA, Lara Araújo, que nos informou que Maria Medina Silva estava a participar num webinar com a Procuradoria Geral da República.
Tomou o nosso contacto telefónico para dar-nos uma resposta assim que falasse com a presidente e agendar uma entrevista. Esta semana voltamos à carga, até ao fecho desta edição, sem sucesso.
O que é necessário para adoptar uma criança?
Primeiro deve-se inscrever no Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA);
Todo o processo deve ser feito através de um advogado;
O advogado apresenta uma petição e os seguintes documentos:
– Certidão do nascimento do menor;
– Cédula pessoal do menor;
– Declaração de vencimento e das condições económicas e financeiras da pessoa que pretende adotar;
– Consentimento do pai e da mãe do menor a ser adotado;
– Registo criminal da pessoa que pretende adotar,
Cópia de Bilhete de Identidade e passaporte da pessoa que pretende adotar;
– Se não pode ter filhos, o atestado medico que comprova a situação;
– Declaração do trabalho;
– Declaração de casa própria se a tiver.
(Publicada na edição semanal do jornal A NAÇÃO, nº 713, de 29 de Abril de 2021)