Faleceu esta manhã, na sua ilha natal de São Vicente, o escritor e político Onésimo Silveira, figura legendária do nacionalismo cabo-verdiano, da democracia e também da regionalização de Cabo Verde, o seu último grande combate politico. Tinha 86 anos e encontrava-se doente há já bastante tempo.
Homem de vários combates, autor de vários livros, repartidos pela poesia, romances e ensaios políticos, membro por isso da chamada geração “anti-evacionista”, próxima do PAIGC e de Amílcar Cabral, Onésimo Silveira foi o primeiro presidente da Câmara Municipal de São Vicente, eleito em Dezembro de 1991, mantendo-se no cargo até 2002.
Com o regresso do PAICV ao governo, em 2001, agora sob a liderança de José Maria Neves, foi nomeado embaixador de Cabo Verde em Lisboa, Portugal, em 2002, mantendo-se nessas funções até 2005.
Homem de espirito inquieto, agitador nato, revolucionário, diplomata, frontal no combate político, a vida deste “menino de São Vicente” encontra-se reconstituída no livro “Onésimo Silveira, Uma vida, um mar de histórias”, feito em parceria com o jornalista José Vicente Lopes. Nele conta as suas inúmeras peripécias, desde os tempos da infância, depois como emigrante e intelectual em São Tomé e Príncipe e Angola, e mais tarde como exilado político em França, Argélia, China, Suécia…
Como cidadão sueco foi diplomata pelas Nações Unidas, primeiro, em Nova Iorque (EUA), e depois em vários países, nomeadamente africanos (Angola, Moçambique e Somália.) Aqui trabalhou sobretudo para a ACNUR, ocupando-se dos refugiados sul-africanos, namibianos, algo que lhe mereceu o reconhecimento do presidente Nelson Mandela, da África do Sul.
Em 1990, depois de um “exílio” prolongado regressa a Cabo Verde, a tempo de participar, a seu modo, na luta pela democracia. Publica, então, “A tortura em nome do partido único, o PAICV e a sua polícia política”, a partir de depoimentos de antigos presos do regime em vigor no país de 1975 a 1990, contribuindo para a derrota desse partido em 1991.
Pela sua trajectória única, o poeta da “Hora Grande”, de “Teteia” ou também de “Um poema diferente”, Onésimo Silveira deixa um legado singular, todavia, não isento de contradições. Diga-se o que se disser dificilmente poder-se-á dizer que a sua passagem pelo mundo foi uma página em branco.
Pelo contrário, a partir de 1990, tornou-se um político e intelectual que ajudou a moldar o quadro político e mental em que Cabo Verde hoje se move. Foi o primeiro a falar da regionalização, em 1994, abrindo caminho para um problema que ainda hoje o país tem por resolver. Chegou a defender, para Cabo Verde, um regime bicameral, neste caso com um senado onde todas as ilhas deveriam estar representadas pelo mesmo número de representantes.
Em 2016 integrou o Grupo de Reflexão no país e na diáspora a favor da regionalização. Este foi, literalmente, o último grande combate político de Onésimo Silveira. Por razões de saúde deixou de ser visto publicamente. Contudo, as portas da sua casa continuaram abertas aos inúmeros amigos que o continuavam a visitar, trocando ideias com ele, como era do seu agrado.
Da bibliografia deste político e intelectual cabo-verdiano destaca-se a sua tese de doutoramento, defendida na Universidade de Upsalla, Suécia, “África ao Sul do Sahara” (1976) e mais recentemente “A democracia em Cabo Verde” (2005) onde reúne vários ensaios e artigos. A isto junta-se o romance “A saga das as-secas e das graças de Nossenhor”, além de, é claro, do ensaio “Consciencialização na literatura cabo-verdiana” (escrito, como viria a revelar, em parceria com Manuel Duarte) e “Hora Grande” (poemas).